1º de maio de 2017 – Segunda-feira, Páscoa 3ª semana

 

Leitura: At 6,8-15

Surgiu um conflito entre os dois grupos da primeira comunidade cristã em Jerusalém, entre “hebreus” (nativos da Palestina, p. ex. os apóstolos) e “helenistas” (judeus vindos de outros países, peregrinos e migrantes, p. ex. Simão de Cirene). Foi resolvido pela escolha e ordenacão dos sete diáconos para atender e liderar os helenistas (vv. 1-7, leitura do sábado passado).

Estêvão, cheio de graça e poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo (v. 8).

Vemos os diáconos não só servindo as mesas, mas atuando como os apóstolos (cf. 4,35; 5,12). O diácono “Estêvão, cheio de graça e de poder, fazia prodígios e grandes sinais entre o povo” (v. 8). O poder de Cristo ressuscitado se expande para além do círculo restrito dos apóstolos. Estevão era um dos “sete homens de boa reputação e cheios do Espírito Santo” (v. 5).

Mas alguns membros da chamada Sinagoga dos Libertos, junto com cirenenses e alexandrinos,e alguns da Cilícia e da Ásia, começaram a discutir com Estêvão. Porém, não conseguiam resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava (vv. 9-10).

Enquanto os apóstolos foram salvos da perseguicão pelos saduceus através do conselho dado pelo mestre fariseu Gamaliel (cf. 5,34-40), começa aqui um novo conflito: não mais no templo com os sumos sacerdotes, mas nas sinagogas: entre os helenistas cristãos e os helenistas não convertidos. “Alguns membros da chamada Sinagoga dos Libertos, juntos com cirenenses e alexandrinos e alguns da Cilícia e da Ásia, comecaram a discutir com Estêvão” (v. 9). Os diáconos devem ter pregado nas sinagogas dos helenistas, de origem africana (Alexandria no Egito, Cirene fica na Líbia, cf. Mc 15,21), ou da Ásia Menor (atual Turquia). Os “Libertos” podem ser descendentes dos judeus que o general romano Pompeius levou a Roma (depois de ocupar a Palestina em 63 a.C.). Vendeu-os como escravos, mas eles conseguiram a liberdade depois.

Os sacrifícios (de animais) só podiam ser oferecidos no templo de Jerusalém através dos sacerdotes (cf. Dt 12,2-12), mas nas sinagogas no mundo inteiro (até hoje) celebram-se cultos da Palavra, oracões e interpretacão da Escritura de maneira mais democrática. “Porém não conseguiram resistir à sabedoria e ao Espírito com que ele falava” (vv. 9-10; cf. Lc 21,15).

Então subornaram alguns indivíduos, que disseram: “Ouvimos este homem dizendo blasfêmias contra Moisés e contra Deus.“ Desse modo, incitaram o povo, os anciãos e os doutores da Lei, que prenderam Estêvão e o conduziram ao Sinédrio. Aí apresentaram falsas testemunhas, que diziam: “Este homem não cessa de falar contra este lugar santo e contra a Lei. E nós o ouvimos afirmar que Jesus Nazareno ia destruir este lugar e ia mudar os costumes que Moisés nos transmitiu“ (vv. 11-14).

Aquilo que seus rivais não conseguem raciocinando e discutindo, procuram obtê-lo com uma campanha de difamação para desacreditá-lo também diante do povo e dos fariseus letrados. Assim conseguem mobilizar o povo: dado novo que muda a situação. Não param até conduzi-lo perante o conselho (“sinédrio”, v. 12). A acusação é de “blasfêmias contra Moisés e contra Deus” (v. 11), como no processo de Jesus de Nazaré (cf. Mc 2,6; 15,63), igualmente, com “falsas testemunhas” que se erguem contra Estêvão, dizendo: “Este homem não cessa de falar contra este lugar santo e contra a lei. E nós o ouvimos afirmar que Jesus de Nazaré ia destruir este lugar e ia mudar os costumes que Moisés nos transmitiu” (vv. 13-14; Mc 15,55-59; as mesmas  acusações contra Paulo: 21,21.28, 25,8; 28,17).

De fato, Jesus de Nazaré queria um outro tipo de templo, um modo novo de se relacionar com Deus. Não estava satisfeito com o sacrifício dos animais e com o comércio em volta criticando-o com palavras e gestos (cf. Lc 19,14-46p), mas não ia destruir com violência o templo (os romanos farão em 70 d.C.), mas substitu­í-lo por seu “Corpo” (cf. Jo 2,19-22; a Eucaristia substitui o sacrifício de animais).

Todos os que estavam sentados no Sinédrio tinham os olhos fixos sobre Estêvão, e viram seu rosto como o rosto de um anjo (v. 15).

A cena se passa diante das pessoas que ficam admiradas com a profundidade de Estêvão, “tinham os olhos fixos sobre Estêvão” (cf. Jesus em Nazaré, Lc, 4,20; Hb 12,2), “e viram seu rosto como o rosto de um anjo” (v. 15). Estevão estava de tal modo tomado pelo poder de Deus que não parecia mais um homem da terra. Nele, a vida de Deus desce do céu para alimentar o mundo – como diz Jesus no evangelho de hoje.

Evangelho: Jo 6,22-29

O texto adaptado pela liturgia de hoje resume os episódios anteriores (leituras de sexta-feira e sábado passados):

(Depois que Jesus saciara os cinco mil homens, seus discípulos o viram andando sobre o mar).

Até aqui, Jo seguiu as mesmas tradições do que os outros evangelistas lembrando as maravilhas do êxodo. Mas agora prepara sua reflexão sobre o “pão da vida”. Inicia-se um discurso/diálogo proferido no outro lado do lago, na sinagoga de Cafarnaum (cf. v. 59), em três turnos: 1) pão que perece / pão que permanece (cf. Ex 16,20; Am 8,11); 2) obras / fé (cf. Is 30,15; Hb 2,4; Rm 1,20-22 etc.); 3) o maná de Moisés / o maná de Jesus (vv. 31-35, evangelho de amanha).

No dia seguinte, a multidão que tinha ficado do outro lado do mar constatou que havia só uma barca e que Jesus não tinha subido para ela com os discípulos, mas que eles tinham partido sozinhos. Entretanto, tinham chegado outras barcas de Tiberíades, perto do lugar onde tinham comido o pão depois de o Senhor ter dado graças. Quando a multidão viu que Jesus não estava ali, nem os seus discípulos, subiram às barcas e foram à procura de Jesus, em Cafarnaum (vv. 22-24).

O narrador tem dificuldade ao descrever o transporte do povo para outro lado do lago (quantos barcos para 5000 homens?). Mais importa a conexão teológica, a referência ao milagre em termos de eucaristia (v. 23: “comido o pão depois de o Senhor ter dado graças”) é o fato de que o povo estava “à sua procura em Cafarnaum” (v. 24).

Quando o encontraram no outro lado do mar, perguntaram-lhe: “Rabi, quando chegaste aqui?“ Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos. Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do homem vos dará. Pois este é quem o Pai marcou com seu selo“ (vv. 25-27).

Quando o encontraram (“na sinagoga”, como se acrescenta em v. 59), perguntaram-lhe: “Rabi, quando chegaste aqui?”. Jesus respondeu revelando as intenções e os pensamentos do povo (cf. 2,24s). As pessoas querem somente os resultados do pão material, não uma relação pessoal com Jesus, um milagre sem a relação, sem o compromisso e a mudança de vida que inclui conversão (cf. a atitude diferente de Pedro em Lc 5,8). As multidões buscam pão (alimento, satisfação) somente para o corpo, mas Jesus quer oferecer um horizonte mais amplo. Saciaram-se de pão, viram-no como prodígio, mas não como “sinal” que revela Jesus; acorrem ao milagreiro, não ao enviado de Deus. O mesmo mal-entendido já se encontra na samaritana no cap. 4, sonhar com água ou pão que poupasse trabalho e solucionasse problemas indefinidamente.

O quarto evangelista caracteriza os milagres de Jesus como “sinais” (cf. 2,11.23; 3,2; 4,48-54; 6,2.26.29s; 7,31; 9,16; 11,47; 12,37; cf. o sinais e prodígios de Moisés no Ex, e o sinais dos profetas, Is 7,11; 66,19), ou “obras” (5,36; 7,3; 10,25.37). Entender o milagre como sinal é remontar ao assinalado, ou seja, o pão que prolonga a vida cotidianamente aponta para o dom de um pão que instaura uma vida nova, “vida eterna que o Filho do homem vos dará. Pois é este que o Pai marcou com seu selo” (v. 27); é o selo do Espírito recebido pelo batismo, a forca divina de realizar milagres, os “sinais” (cf. Mc 1,10p; At 10,38; Mt 12,28; Ef 1,13; 2Cor 1,22).

Então perguntaram: “Que devemos fazer para realizar as obras de Deus?” Jesus respondeu: “A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou” (vv. 28-29).

A pergunta deles (v. 28) retoma a palavra “trabalhar” do versículo anterior (no texto litúrgico “esforçai-vos”, v. 27): para ganhar o pão precisa fazer as tarefas (“obras”) designada pelo patrão. Na antiga aliança precisavam fazer as obras das 613 leis no AT (cf. Lc 10,25; Mc 10,17), na nova aliança precisam acreditar em Jesus, “que acrediteis naquele que ele enviou” (v. 29). A nossa fé em Jesus é “obra de Deus” (cf. v. 44; 15,16; Mt 16,17). Como nas cartas de Paulo, é a fé que salva, não as obras da lei (cf. Rm 1,16s; 3,21-26; Gl 2,16 etc.; diferente: Tg 2,14-26; Mt 7,21-23; 25,31-46).

A obra de Deus é nós acreditarmos que Jesus é o Senhor e Salvador. Adesão à pessoa de Jesus abre espaços interiores de vida e liberdade. Jesus quer imprimir o “selo” da vida divina para criar um mundo novo.

O site da CNBB comenta: Um dos caminhos que temos para conhecer melhor a pessoa de Jesus é o sacramento da eucaristia. Porém, esse caminho exige de todos nós uma postura de fé diante dele e uma abertura para as realidades que estão além da materialidade. As pessoas que só buscam a saciedade material e procuram Jesus apenas para a satisfação desse tipo de necessidade são incapazes de buscar o alimento que não se perde e que nos leva a reconhecer que Jesus é aquele que o Pai marcou com o seu selo. Essas pessoas não são capazes de ver que Jesus é o enviado do Pai e, por isso, não acreditam nele.

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