2 de Maio de 2021, 5º Domingo do Tempo de Páscoa: “Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor”

 5º Domingo do Tempo de Páscoa – Ano B

 

1ª Leitura: At 9,26-31

Continuamos ouvindo os At e encontramos hoje o segundo personagem principal, o apóstolo Paulo que acabou de se converter em Damasco e começou testemunhar Jesus nas sinagogas. Mas tinha que fugir daquela cidade descendo num cesto pela muralha (v. 25; 2Cor 11,32s).

Lc, o autor dos At, o chama ainda de Saulo, até 13,9 quando Paulo começa ser lider da missão e não é mais o auxiliar de Barnabé. Saul(o) é o nome do primeiro rei em Israel, que era da mesma tribo de Paulo, Benjamin (Fl 3,5). Paulo significa pequeno, baixinho. A Bíblia de Jerusalém (p. 2072s) comenta: Os judeus, e os orientais em geral, adotavam também um cognome, de acordo com o costume de mundo greco-romano: João usava o cognome de Marcos (12,12); José Barsabás, o de Justo (1,23); Simão, o de Niger (13,1).

Saulo chegou a Jerusalém e procurava juntar-se aos discípulos. Mas todos tinham medo dele, pois não acreditavam que ele fosse discípulo (v. 26).

Lc nos At resume bastante; Paulo, na sua carta, escreveu que ficava na Arábia e chegou em Jerusalém só depois de três anos para conhecer os apóstolos (Gl 1,18-21). Segundo At 22,17-21, Paulo teve uma visão no templo que o envia para os gentios (pagãos). O medo dos discípulos era compreensível, pela violência com que “Saulo devastava a igreja, arrancava homens e mulheres e os metia na prisão” (8,3; cf. 7,58; 8,1; 22,4s; 26.10s; Gl 1,13; Fl 3,6; 1Cor 15,9; 1Tm 1,13).

Então Barnabé tomou Saulo consigo, levou-o aos apóstolos e contou-lhes como Saulo tinha visto o Senhor no caminho, como o Senhor lhe havia falado e como Saulo havia pregado, em nome de Jesus, publicamente, na cidade de Damasco (v. 27).

José Barnabé já foi mencionado em 4,36s quando vendeu um terreno e dou o dinheiro para Igreja. Agora se destaca como “padrinho” de Paulo. Em tempos de perseguição na Igreja antiga, o padrinho acompanhava o candidato ao batismo (catecúmeno) antes de introduzi-lo na comunidade para garantir a sinceridade e evitar que se infiltrasse um espião. Ambos eram judeus helenistas de fora, Barnabé da ilha Chipre, Paulo de Tarso.

Daí em diante, Saulo permaneceu com eles em Jerusalém e pregava com firmeza em nome do Senhor. Falava também e discutia com os judeus de língua grega, mas eles procuravam matá-lo. Quando ficaram sabendo disso, os irmãos levaram Saulo para Cesareia, e dali o mandaram para Tarso (vv. 28-30).

Paulo começou pregar aos judeus helenistas (nascidos na cultura grega fora do país). Como na Igreja, os helenistas convertidos são os que tem mais iniciativa (cf. cap. 6-8: Estévão, Filipe, e agora Paulo), os helenistas que não se converteram, reagem de modo mais violento contra a propaganda cristã (6,9s; 7,58; 9,1; 21,27; 24,19).

Como já aconteceu em Damasco, Paulo pregava Jesus como messias, os judeus procuravam matá-lo, os “irmãos” (de fé) o levaram para Cesareia (cidade litoral onde residia o governador romano) e para Tarso (cidade natal de Paulo na região de Cilícia no sul da atual Turquia; cf. 22,3; Gl 1,21). De lá, Barnabé irá busca-lo em 11,25 para ajudar na missão em Antioquia.

A Bíblia do Peregrino (p. 2649) comenta os vv. 26-30: O problema desses vv. é harmonizá-los com o que o próprio Paulo conta em Gl 1,18-2,3. Em que devemos confiar mais? Em Lucas, que escreve com informações alheias, provavelmente por tradição oral, ou Paulo, que fala na primeira pessoa e jura que não mente? Certamente, o texto de Gálatas é muito polêmico; procura minimizar a dependência sua frente a outros apóstolos. Por sua parte, Lucas quer vinculá-lo à comunidade apostólica de Jerusalém, e o texto de At tem algo de sumário, no qual se destacam o medo da comunidade e a mediação eficaz de Barnabé. É aceito e pode mover-se livremente. Logo se lança à pregação, especialmente para os judeus helenistas, como fizera Estêvão (talvez por seu conhecimento do grego). Repete-se o esquema de perseguição e fuga até sua cidade natal. E assim se encerra o ciclo inicial de Paulo.

A Igreja, porém, vivia em paz em toda a Judéia, Galiléia e Samaria. Ela consolidava-se e progredia no temor do Senhor e crescia em número com a ajuda do Espírito Santo.

A “Igreja” se estende já em toda a Judéia, Galiléia e Samaria, ou seja, por todo o território do antigo Israel (não se sabe nada, por outras fontes, da fundação de uma Igreja na Galileia). A palavra “Igreja” – se não admitirmos a variante bastante bem-atestada, “as igrejas” – designa aqui um conjunto de Igrejas (cf. 5,11; em 11,26 pela primeira vez fora da Palestina; cf. 20,28). O termo Igreja, vindo do grego ekklesia, designava a assembleia deliberativa dos cidadãos; na Bíblia, a assembleia do povo de Israel (em hebraico qahal), particular no deserto (cf. 7,38). Nos At, designa a reunião dos crentes num determinado lugar, ou o grupo que eles constituem numa localidade, ou mesmo um conjunto de comunidade. É notável que o autor Lc só usa esta palavra em 5,11, depois de ter caracterizado o agrupamento dos discípulos de Jerusalém como uma comunidade, nascido do testemunho apostólico, voltada para fé no Ressuscitado e animada pelo Espírito Santo.

É curiosa a união em grego das duas metáforas, “consolidava” (lit. “se construía”) e “progredia” (lit. “caminhava”). As duas metáforas se relativizam mutuamente para oferecer dois aspectos da Igreja, reais e em tensão: estabilidade, âmbito fechado e acolhedor, dinamismo, mobilidade.

A veneração, “temor do Senhor”, é tradução da fórmula hebraica (yir’ at Yhwh) e se refere a Deus. Sem Paulo que provocava a perseguição nos judeus, a Igreja vivia “em paz” em Jerusalém (cf. Sl 122; 125,5). Esse crescimento tranquilo da Igreja, apresentado num breve sumário, introduz a viagem de Pedro e suas consequências (9,32 nota).     

2ª Leitura: 1 Jo 3,18-24

Na 2ª leitura de hoje, lemos critérios sobre fé verdadeira e amor mútuo. Só quem crê em Jesus Cristo, pode estar em Deus, e está fé se comprova guardando seu mandamento do amor fraterno.

Filhinhos, não amemos só com palavras e de boca, mas com ações e de verdade! Aí está o critério para saber que somos da verdade e para sossegar diante dele o nosso coração, pois, se o nosso coração nos acusa, Deus é maior que o nosso coração e conhece todas as coisas. Caríssimos, se o nosso coração não nos acusa, temos confiança diante de Deus (vv. 18-21).

Tal amor ao próximo e necessitado é, portanto, expressão da fé, da verdade no homem (cf. 2 Jo 1-2). Amar assim é “ser da verdade” (v. 19; cf. Jo 18,37).

Quem quer amar como Cristo nos amou, percebe que nem sempre o consegue igual a Cristo, e sua consciência acusa: “Pois, se nosso coração nos acusa, Deus é maior que nosso coração e conhece todas as coisas” (v. 20; cf. Jo 16,13; 1Cor 4,4; Ef 1,18). Muitos exegetas antigos e Calvino veem nisso a severidade do soberano juiz, que conhece nossos pecados melhor que nós. Mas como poderá tal certeza “sossegar diante dele nosso coração” (v. 19)? Para Lutero e muitos biblistas modernos, Deus é maior que nosso coração por sua misericórdia (cf. Lc 1,49-50). Se praticarmos verdadeiramente o amor, Deus, apesar de nossos pecados, saberá discerni-los em nosso coração (Jo 21,17; cf 1Pd 4,8: “O amor cobre uma multidão de pecados”; cf. Lc 7,47).

Qualquer coisa que pedimos, recebemos dele, porque guardamos os seus mandamentos e fazemos o que é do seu agrado. Este é o seu mandamento: que creiamos no nome do seu Filho, Jesus Cristo, e nos amemos uns aos outros, de acordo com o mandamento que ele nos deu (3,22-23).

O autor afirma que qualquer coisa que pedimos, recebemos de Deus (cf. Jr 29,12-13; Mt 7,7-11; Mc 11,24), mas esta certeza depende da fé, ou seja, da adesão à pessoa de Jesus (“em seu nome”, v. 23), à sua Palavra e seus mandamentos (Jo 14,13-14; 15,7.16; 16,23). Deus permanece naquele que guarda seus mandamentos (v. 24) e sintoniza (com seu Espírito) o pedido com a vontade divina (cf. Jo 14,21-23).

Ao mandamento do amor mútuo (2,7-11; Jo 13,34; 15,12.17; 1Ts 4,9; 1Pd 1,22) acrescenta-se aqui “que creiamos no nome do seu Filho, Jesus Cristo” (cf. Jo 6,29). Pela primeira vez na carta, o autor utiliza aqui o verbo “crer” a fim de preparar o próximo parágrafo sobre a fé e o discernimento dos espíritos (4,1-6). Ainda não se trata da fé interior (cf. 5,1-13), mas da adesão comunitária a um credo.

Quem guarda os seus mandamentos permanece com Deus e Deus permanece com ele. Que ele permanece conosco, sabemo-lo pelo Espírito que ele nos deu (3,24).

Deus permanece naquele que guarda seus mandamentos (cf. Jo 14,21-23) através do seu Espírito (v. 24). Também a palavra “Espírito” é aqui mencionada pela primeira vez na carta (cf. “unção” em 2,20.27). Sem referir-se aos dons carismáticos ou à experiência pessoal do Espírito em nós (cf. Rm 8,16), João pensa antes no Espírito que suscita nossa confissão de fé e nosso amor fraterno (v. 23) e nos permite reconhecer que estamos em comunhão com Deus (1,6s; 2,10.24.27s).

Evangelho: Jo 15,1-8

Apesar da ordem de levantar e sair no v. anterior (14,30, que se cumprirá só em 18,1), Jesus continua ainda falando na última ceia por mais três capítulos (15-17), indicio de uma redação posterior que respeitava o texto anterior (e acrescenta também o cap. 21). O interesse desta redação é eclesial, ou seja, o tempo depois da partida de Jesus.

A Bíblia do Peregrino (p. 2599) comenta o evangelho de hoje sobre a videira no seu conjunto (vv. 1-17)

O enunciado metafórico marca o começo, a menção do “fruto” (v. 16) marca o final dessa seção. Entre ambos temos o tema dominante ao qual se somam temas colaterais. O núcleo é constituído pela comparação (ou parábola) da videira e seu comentário. O estilo é o que estamos escutando: aforismos, frases rítmicas, paralelismos. São palavras chaves “dar fruto” e “permanecer”.

                No AT é mais frequente falar da vinha que da videira como imagem de Israel. Na linguagem poética, a distinção tem pouca importância; o uso pode ser ditado pela conveniência do tema ou pelo gosto do autor. Entre todos os textos que se costumam citar, acho mais pertinentes: Is 5,1-7; 27,2-5. 10-11 (vinha); Jr 8,13; Ez 15 e 17; Sl 80 (videira). Ao tomá-los como pano de fundo, não pretendo reduzir Jo 15,1-17 a modelos tradicionais, mas mostrar a mudança radical operada. Em vários momentos a vertente real se impõe à imaginativa.

                O esquema de Is 5 é: um vinhateiro planta uma vinha seleta e dela cuida, espera que dê fruto, dá uvas azedas, ele se irrita e a destrói. O vinhateiro é Yhwh e a vinha é Israel, o fruto esperado é justiça e direito. João substitui: o vinhateiro é o Pai, a videira é Jesus; portanto, não uma planta humana, ainda que de qualidade (que depois falha), mas uma transplantada do céu, que não falhará; o fruto esperado é o amor a ele e o amor mútuo (que abrange e radicaliza a justiça).

                O desenvolvimento também é próprio de João, que obtém concentrando-se na videira e nos sarmentos (compara-se com Sl 80,12). Toda a vitalidade destes provém da sua união com a videira, e se traduz em dar fruto; separados, os sarmentos não dão fruto (Jr 8,13), secam, são queimados (Is 27,11).

Eu sou a videira verdadeira e meu Pai é o agricultor (v. 1).

Mais uma auto-revelação, “Eu sou…” (cf. 6,35; 8,12; 10,11.14; 11,25; 14,6), mas o interesse é mais eclesial, não cristológico. Sobre a imagem da videira, cf. Jr 2,21; Is 5,1. Nos evangelhos sinóticos, Jesus a emprega como parábola do reino dos céus (Mc 12,1-12p; Mt 20,1-8; 21,28-32) e faz do “fruto da videira” a eucaristia da nova aliança (Mt 26,29p). Aqui em Jo, ele se proclama a verdadeira videira cujo fruto, o Israel verdadeiro, não decepcionará a expectativa divina.

A videira é verdadeira ou “genuína”, aludindo a Jr 2,21: “Eu te plantei, videira seleta, de cepas legítimas”.  Se Jesus é a videira verdadeira, supõe-se que haja falsas também. No âmbito pagão, o deus grego, Dionísio (equivalente ao deus romano, Baco) era o deus dos ciclos vitais, das festas, do vinho, da insânia, mas, sobretudo, da intoxicação que funde o bebedor com a deidade. Para Jo, seria uma videira falsa com suas orgias e banquetes, enquanto é Jesus que dá o vinho de melhor qualidade (cf. 2,1-12).

Todo ramo que em mim não dá fruto ele o corta; e todo ramo que dá fruto, ele o limpa, para que dê mais fruto ainda. Vós já estais limpos por causa da palavra que eu vos falei (vv. 2-3).

Cortar o ramo que não dá fruto é imagem realista, limpar o que dá fruto, não. Mas o texto não visa naturalismo, mas dar frutos como uma vida fiel aos mandamentos, especialmente ao do amor (vv. 12-17; cf. Is 5,7; Jr 2,21).

O grego usa o verbo “limpar” em vez de um próprio que signifique “podar”. Da imagem agrária salta para a realidade espiritual expressa em linguagem cultual, como em Ex 36,25.33 ou em Sl 51,4. Is 27,4 fala de “sarças e cardos” na vinha. A mensagem de Jesus recebida com fé purifica os fiéis (a mesma expressão ocorre no lava-pés, 13,10). Agora eles precisam ficar unidos (permanecer) nele para a redenção trazer efeito (fruto) neles.

Permanecei em mim e eu permanecerei em vós. Como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, se não permanecer na videira, assim também vós não podereis dar fruto, se não permanecerdes em mim (v. 4).

A relação entre videira e sarmentos sugere uma união vital. Um ramo não existe sozinho. Os ramos não são extrínsecos, a videira existe com os ramos. Podem ser arrancados ou podados, mas são parte integrante da videira. Assim é Jesus com os fiéis: brotam dele, não são acrescentados; permanecem unidos a ele e dele recebem a seiva (vida). A mesma ideia referida a Deus em 2Cor 3,5.

“Permanecer” é uma palavra chave neste capítulo (vv. 4.5.6.9.10) e neste evangelho (1,32s.38; 4,40; 14,16), e principalmente desta redação que lida com o problema da separação, divisão e pessoal ir embora (cf. 1Jo 2,18-28; Jo 6,66s etc.).

Eu sou a videira e vós os ramos. Aquele que permaneceu em mim, e eu nele, esse produz muito fruto; porque sem mim nada podeis fazer. Quem não permanecer em mim, será lançado fora como um ramo e secará. Tais ramos são recolhidos, lançados no fogo e queimados (vv. 5-6).

O redator está convicto de quem abandona a comunidade cristã vai perecer, e além disso é ameaçado pela morte definitivo no fogo do juízo final (cf. Ez 15,5-7; Is 27,11).

Se permanecerdes em mim e minhas palavras permanecerem em vós, pedí o que quiserdes e vos será dado. Nisto meu Pai é glorificado: que deis muito fruto e vos torneis meus discípulos (vv. 7-8).

O pedido da oração (pelo contexto próximo, pedidos para dar fruto) será atendido quem “permanecer em mim”, quer dizer, sintonizado com sua vontade, sua pessoa, e equivale a promessa a quem “pedir em meu nome” (Jo 14,13; 15,16; 16,23; no contexto mais amplo, ver Mc 11,24; Mt 7,7-11; Lc 11,1-13). O fruto abundante da videira será a glória do vinhateiro. Se os fiéis imitarem Jesus, seguindo como discípulos e dando frutos, tornarão visível a glória de Deus. Variação de texto: “e sereis então meus discípulos”.  O Pai é, então, “glorificado em seu Filho” (14,13; cf. 21,19).

Um comentarista italiano, Ermes Ronchi, comentando o evangelho da videira, disse: Em Jesus, o dono da vinha se tornou videira, o semeador semente, o criador criatura. Deus está em nós não como vinhateiro, mas como seiva vital. Não é voz que impõe, mas como o segredo da vida. Deus está em mim como raiz das minhas raízes.

O site da CNBB comenta: O verdadeiro evangelizador tem plena consciência de que ele não atua por suas próprias forças. Também sabe que a missão à qual participa não é uma missão sua ou mesmo humana. Jesus é o grande missionário do Pai e todos nós participamos da tríplice missão de Jesus pela graça do Batismo. Por isso, só podemos produzir frutos para o Reino de Deus, frutos que permanecem para a vida eterna, se estamos unidos a Jesus para participar da sua obra. Se nos separamos de Jesus, deixamos de realizar a obra do Reino para realizar a nossa própria obra, e o resultado disso é o fracasso de todos os nossos esforços.

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