20 de abril de 2016 – Páscoa 4ª semana 4ª feira

Leitura: At 12,24-13,5

Ouvimos hoje o início das viagens missionárias de Paulo, conteúdo central da segunda parte dos Atos que trata sobre a expansão da Igreja no mundo pagão (cf. 1,8: “até os confins do mundo”). O protagonista é “Paulo”, a partir de 13,9 este nome romano substitui o hebraico Saulo e aparece em primeiro lugar antes de Barnabé.  Ponto de partida, porém, não é Jerusalém, mas Antioquia, onde começou a pregação aos pagãos que não tinha relação com o judaísmo e surgiu o nome “cristãos” (cf. 11,11-26 leitura de ontem).

A palavra do Senhor crescia e se espalhava cada vez mais. Barnabé e Saulo, tendo concluído seu ministério, voltaram de Jerusalém, trazendo consigo João, chamado Marcos (12,24-25).

Em Jerusalém havia uma perseguição pelo rei Herodes Agrippa I (41-44 d.C.) que mandou decapitar o apóstolo Tiago e prender Simão Pedro (12,1-5). Pedro, porém, foi libertado pelo anjo do Senhor e acolhido na casa de Maria, mãe de João Marcos (12,6-12). Certo tempo depois, Herodes morreu (12,19-23), então “a palavra do Senhor crescia e se espalhava cada vez mais” (v. 24; cf. 6,7; 19,20, cf. a bênção da fecundidade: “Crescei e multiplicai-vos” em Gn 1,22,28).

Barnabé e Saulo-Paulo voltaram a Antioquia “tendo concluído seu ministério”; eles tinham levado uma coleta para os irmãos em Jerusalém (11,29-30; Paulo sempre levava coletas para os irmãos mais pobres na Palestina; cf. 2 Cor 8-9). De Jerusalém “trouxeram consigo João, chamado Marcos”(12,12), “primo de Barnabé” (Cl 4,10) e suposto autor do Evangelho mais antigo (foi escrito por volta de 70 d.C.).

Na igreja de Antioquia, havia profetas e doutores. Eram eles: Barnabé, Simeão, chamado o Negro, Lúcio de Cirene, Manaém, que fora criado junto com Herodes, e Saulo (13,1).

A comunidade de Antioquia, tendo acolhido a palavra, agora dispõe de muitos ministros. São citados dois: “profetas e doutores” (13,1), eram dois carismas de interpretação das escrituras e direção da comunidade. O profeta recebe a luz do Espírito para resolver casos concretos, o mestre explica a doutrina do evangelho. Na lista dos dirigentes (cf. a dos doze apóstolos em 1,13 e a dos sete diáconos em 6,5) estão cinco homens, provavelmente judeus helenistas: Barnabé em primeiro lugar, Saulo ainda em último (cf. 1 Cor 15,8-9).

Um dia, enquanto celebravam a liturgia, em honra do Senhor, e jejuavam, o Espírito Santo disse: “Separai para mim Barnabé e Saulo, a fim de fazerem o trabalho para o qual eu os chamei”. Então eles jejuaram e rezaram, impuseram as mãos sobre Barnabé e Saulo, e deixaram-nos partir (13,2-3).

O envio de Saulo e Barnabé acontece num contexto em que a comunidade reza e jejua. Duas vezes aparece a expressão: rezavam e jejuavam. “Jejum” porque se o coração só deseja e procura atender às nossas necessidades egoístas, se limita somente aos interesses da vida material, não tem espaço para fazer germinar e crescer a Palavra de Deus. A palavra não é percebida. “A oração” coloca-nos diretamente em contato com Deus, atentos e disponíveis à sua presença, confortados pela sua força. A oração e o jejum são como o ventre onde nascem a fé, as vocações e a missão. É a vida interior e a oração que permitem o testemunho e a missão. Assim a comunidade está consciente de que a evangelização não é uma obra humana, mas é ação do Espírito Santo que, neste livro, mais de uma vez, dá ordens: escolhe as pessoas, indica as tarefas.

“Separai para mim” – indica uma consagração total, como os levitas (Nm 16,9).

A imposição das mãos parece ser o gesto da comunidade para enviar e encomendar os eleitos à graça de Deus para as obras a realizar (13,3; cf. 6,6; 12,23; 14,26; 15,40; 1 Tm 4,14; 5,22; 2 Tm 1,6). Neste contexto, lembramo-nos do gesto de Papa Francisco pedindo a bênção do povo após sua eleição, antes de iniciar sua missão.

Enviados pelo Espírito Santo, Barnabé e Saulo desceram a Selêucia e daí navegaram para Chipre. Quando chegaram a Salamina, começaram a anunciar a Palavra de Deus nas sinagogas dos judeus. Eles tinham João como ajudante (13,4-5).

“Enviados pelo Espírito Santo” que se manifestou na comunidade, eles “desceram para Seleucia” (o porto de Antioquia) e daí navegaram para a ilha de “Chipre” (v. 4, a terra natal de Barnabé, cf. 4,36). Serão chamados, a partir de agora, de “apóstolos” (= enviados; cf. 14,4.14). Lc, porém, restringe este título aos “Doze” (cf. 1,22s) e só em 14,4.14 abre uma exceção.

Aqui, no texto, o dado fundamental é que a segunda igreja em importância, Antioquia, envia dois de seus membros em missão para evangelizar. A norma é sempre começar a “anunciar a palavra de Deus nas sinagogas dos judeus” (v. 5), antes de dirigir-se aos pagãos (v. 46).

Levaram João Marcos como “ajudante” e partiram para ilha de Chipre, talvez por ser a pátria de Barnabé, e vão evangelizar a região da atual Turquia ao norte da ilha (13,4-14,26). Uma viagem notável para os missionários a pé, mero ensaio para as futuras viagens de Paulo.

Na sua segunda viagem missionária, Paulo não queria mais levar Marcos e por isso se separou de Barnabé, que “levou Marcos consigo e embarcou para Chipre“ (15,40), sua terra natal (4,36), e não aparece mais nos At.

 

Evangelho: Jo 12,44-50

As palavras do evangelho de hoje concluem a atividade pública de Jesus em Jerusalém, que se retira depois para a ceia com o lava-pés (cap. 13).

Jesus exclamou em alta voz: (v. 44a)

Jesus “exclamou em alta voz” (pela terceira vez, cf. 7,28.37), praticamente, gritou, como se fosse o último apelo aos seus ouvintes, de fato são as últimas palavras de Jesus em público,  embora mal encaixadas no tecido narrativo, já que Jesus “se escondeu” (v. 36); esta observação indica que estes vv. foram acrescentados pela redação final (como também os cap. 15-17 e 21). A alocução soa como se Jesus estivesse já “elevado” (vv. 32-34) e definido e discernido com sua pessoa o destino dos homens. O critério será a fé na sua pessoa e a aceitação consequente do seu ensinamento. O que pode soar como exigência dura é na realidade a grande abertura: a todos se oferece a vida autêntica e eterna. Junto com vv. 37-43 é a conclusão da primeira grande parte do livro, depois inicia-se a parte da paixão com a última ceia (Jo 13).

Jo resume os grandes temas da pregação de Jesus: crer e ver, luz e trevas, ouvir e observar, salvar, julgar a salvar. Depois dos grandes sinais e discursos realizados por ele, poucos responderam positivamente (cf. v. 37; vv. 38-40 lembraram a dureza do coração profetizada por Is 6,9-10; 53,1).

 “Quem crê em mim, não é em mim que crê, mas naquele que me enviou. Quem me vê, vê aquele que me enviou. Eu vim ao mundo como luz, para que todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas (vv. 44b-46).

Mais uma vez, Jesus declara que ele não está aqui por conta própria, mas fala como enviado do Pai (cf. vv. 49-50): “Quem crê em mim, não é em mim que crê, mas naquele que me enviou. Quem me vê, vê aquele que me enviou” (vv. 44-45; cf. 13,20; 14,7-9; Cl 1,15: “ele é a imagem do Deus invisível”). Em Jesus, Deus está aqui visivelmente (encarnado: 1,14), para esclarecer e iluminar: “Eu vim como luz para que todo aquele que crê em mim não permaneça nas trevas” (v. 46). Jesus é uma resposta viva às grandes perguntas que brotam do coração dos homens. É uma luz que ilumina, que abre caminhos, descortina horizontes. É a luz do mundo que se recebe pela fé (1,9; 8,12; 9,5; 12,35-36).

A luz, como Jesus se entende, não se acende na escuridão do mundo para desmascarar os pecados e faltas de cada um de nós (cf. 3,20). A luz, como Jesus pensa, aquece, ilumina, indica um caminho.

Se alguém ouvir as minhas palavras e não as observar, eu não o julgo, porque eu não vim para julgar o mundo, mas para salvá-lo. Quem me rejeita e não aceita as minhas palavras já tem o seu juiz: a palavra que eu falei o julgará no último dia (vv. 47-48).

É preciso observar, guardar e praticar a palavra de Jesus. “Se alguém ouvir as minhas palavras e não as observar, eu não julgo porque não vim para condenar o mundo, mas para salvá-lo” (v. 47; cf. 3,17; Lc 8,21p; 11,28; Mt 7,24-28; 13,18-23p). Na primeira vinda, ele não veio para julgar, mas para salvar. Chegará o dia final em que a mensagem presente de Jesus, sua oferta e exigência se voltarão contra quem as rejeitou. “Quem me rejeita e não aceita minhas palavras, já tem o seu juiz: a palavra que eu falei será o seu juiz no último dia” (v. 48; cf. 3,18-21; Dt 31,26-29).

Porque eu não falei por mim mesmo, mas o Pai, que me enviou, ele é quem me ordenou o que eu devia dizer e falar. E eu sei que o seu mandamento é vida eterna. Portanto, o que eu digo, eu o digo conforme o Pai me falou” (vv. 49-50).

Jesus é o mediador único (cf. 14,6), fala exatamente as palavras que ouviu do Pai, é a Palavra de Deus em pessoa, em carne e osso (1,14). É a função profética (Dt 18,18) elevada ao grau supremo. Ele revela a vontade do Pai: “E eu sei que o mandamento dele é a vida eterna” (v. 50; cf. 6,39s). Dar a vida eterna é a finalidade da mensagem (v. 50; cf. 3,15; 4,14; 6,27; 10,28; 17,2) e Jesus vai prová-la pela sua morte e ressurreição.

O site da CNBB comenta: Jesus é o grande comunicador do Pai. Ele veio ao mundo não para fazer a própria vontade, mas veio como enviado do Pai para realizar as obras de Deus, e ele foi fiel à sua missão. E a missão que o Pai atribuiu a Jesus é uma missão salvífica: a missão de retirar a humanidade do reino das trevas e introduzi-la no reino da luz. Ser cristão significa ouvir as palavras de Jesus, reconhecer o caráter divino que está presente nela, sentir-se apelado por ela para não mais viver nas trevas do erro, do pecado e da morte, mas sim na luz da verdade, da vida e do amor e responder de forma positiva a este apelo para que, crendo nas palavras de Jesus, creiamos firmemente naquele que o enviou para a nossa salvação.

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