20 de janeiro de 2017 – Sexta-feira, 2ª semana

Leitura: Hb 8,6-13

Na parte “mais importante” (v. 1) da sua exposição (8,1-9,28), o autor anônimo de Hb quer mostrar o sumo sacerdócio de Cristo que é “perfeito” (5,9; 7,28) e “superior” ao dos outros sacerdotes (8,6; cf. 7,7.11).

Em 5,1-9 contentou-se com expressões pouco precisas da atividade de todo sacerdote para destacar a semelhança com o ministério de Cristo que também faz sua oferenda (5,7: “apresentou preces e súplicas…”). Agora ele entra em pormenores para fazer aparecer os contrastes e examina sucessivamente: o nível em que se efetuava o antigo culto (8,4-5; cf. leitura de ontem), a aliança que a ela estava ligada (8,7.13, cf. leitura de hoje), a organização desse culto (9,1-10; cf. leitura de amanhã). Depois, em ordem inversa, opõe às antigas instituições: o desdobramento do sacrifício de Cristo (9,11-14), a fundação da nova aliança (9,15-17), o nível atingido por Cristo (9,24-28).

Agora, Cristo possui um ministério superior. Pois ele é o mediador de uma aliança bem melhor, baseada em promessas melhores. De fato, se a primeira aliança fosse sem defeito, não se procuraria estabelecer uma segunda (vv. 6-7).

Igual ao filosofo Platão, o autor vê a realidade terrestre (aqui o culto na Tenda e no Templo) como imagem imperfeita, cópia e sombra do mundo verdadeiro e celeste das ideias mais puras e perfeitas (vv. 4-5). A aliança antiga (AT) era uma sombra provisória da nova (NT).

A “primeira aliança” é a antiga aliança de Deus com o povo de Israel, concluída no Sinai (cf. 8,9; Ex 24,3-8). A mudança de culto sacrifical era necessária para que o relacionamento entre os homens e Deus fosse firmado numa base melhor (cf. 7,12.18-19). Cristo é “o mediador de uma aliança bem melhor, baseado em promessas melhores” (v. 6; cf. vv. 7.13; 7,22; 9,15s; 13,20; 1Tm 2,5).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2249) comenta a palavra “mediador”: O termo assim atribuído a Cristo tem um valor quase técnico (9,15; 12,24; 13,20). Plenamente homem (2,14-18; cf. Rm 5,15; 1Cor 15,21; 1Tm 2,5), possuindo todavia a plenitude da divindade (Cl 2,9; Rm 9,5), Jesus é o intermediário único (Rm 5,5,15-19; 1Tm 2,5; cf. 1Cor 3,22-23; 11,3) entre Deus e a humanidade, que ele une e reconcilia (2Cor 5,14-20). Ele é o intermediário da graça (Jo 1,1-2). No céu, ele continua a interceder por seus fiéis (7,25). 

Com efeito, Deus adverte: “Dias virão, diz o Senhor, em que concluirei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma nova aliança. Não como a aliança que eu fiz com os seus pais, no dia em que os conduzi pela mão para fazê-los sair da terra do Egito. Pois eles não permaneceram fiéis à minha aliança; por isso, me desinteressei deles, diz o Senhor. Eis a aliança que estabelecerei com o povo de Israel, depois daqueles dias – diz o Senhor: colocarei minhas leis na sua mente e as gravarei no seu coração, e serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Ninguém mais ensinará o seu próximo, e nem o seu irmão, dizendo: ‘Conhece o Senhor!’. Porque todos me conhecerão, desde o menor até o maior. Porque terei misericórdia das suas faltas, e não me lembrarei mais dos seus pecados” (vv. 8-12).

A “nova aliança” já foi anunciada no texto clássico de Jr 31,31-34 que o autor de Hb cita aqui por extenso (cf. 10,16s). Diante do pacto bilateral do Sinai “com seus pais” (a antiga aliança, cf. Ex 24,7s), que não foi observado pelo povo (v. 9: “por isso, me desinteressei deles”, Jr 31,21 segundo a tradução grega), a nova aliança se baseia em “promessas” unilaterais de Deus.

 Serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” é a fórmula tradicional da aliança (cf. Ex 19,5; Jr 7,23; 11,4; 24,7; 30,22; 31,1; 32,38). Com a mesma fórmula, também Ezequiel profetizou nova vida depois do exílio, um coração de carne e um espirito novo que faz o povo cumprir os preceitos da aliança (Ez 11,19s; 36,22-28; cf. Zc 8,8).

Esse texto der Jr 31 deixa claro em que pontos a nova aliança se distingue da anterior: traz nova forma de relação do povo com Deus. Não consiste numa ordem jurídica externa (Lei escrita em tábuas), mas estabelece-se no interior das almas (“na mente… nos corações”), uma relação pessoal de cada um com Deus; todos conhecem o Senhor, mesmo os pequeninos (“até o menor”, Mt 23,8; 1Ts 4,9; cf. o Espirito derramado sobre todos em Jl 3,1s citado por At 2,17s; cf. 1Jo 2,27; 5,20). O perdão dos pecados será completo (cf. 10,17-18), a lei estará interiorizada, a relação, “conhecimento de Deus”, estará assegurada para todos. A nova aliança é uma nova forma de viver, sem culpas nem dominações;

Em 2Cor, Paulo apresenta a “velha aliança” (= “Antigo Testamento”) como livro que se lê, uma aliança da letra que mata, coberta por um véu (como Moisés, cf. Ex 34,29-35), escrita em tábuas de pedra (Ex 24,12, 32,16; 34,1.4) enquanto a “nova aliança” é escrita em tábuas de carne, nos corações. A nova aliança é do Espírito que comunica vida e revela o conhecimento da glória de Deus que resplandece na face de Cristo (cf. 2Cor 3,3-4,6).

Assim, ao falar de nova aliança, declarou velha a primeira. Ora, o que envelhece e se torna antiquado está prestes a desaparecer (v. 13).

Em Jr 31,31, o Senhor (Javé Deus) anunciou uma nova aliança que substitui a antiga (porque será no coração e melhor cumprida). Jesus falou da novidade da sua atitude a respeito do jejum velho em Mc 2,18-22. Na última ceia, declara sobre o cálice com vinho: “Isto é meu sangue, o sangue da aliança” (Mc 14,24: Mt 26,28), portanto, o da “Nova Aliança” (1Cor 11,25; Lc 22,20). Junto com a ordem de repetir isso “em minha memória” (1Cor 11,24s; Lc 20,19), este gesto simbólico (sacramental) sobre “o pão e o vinho” (cf. Melquisedec em Gn 14,18) torna-se um novo ritual (eucaristia, missa; cf. At 20,7), o centro da liturgia cristã e do sacerdócio católico.

Albert Vanhoye (p. 61s) aponta três condições do cumprimento da Escrituras, ou seja, para que se possa reconhecer no Novo Testamento um cumprimento do Antigo Testamento. A primeira condição, fundamental, é a existência de uma relação de semelhança e continuidade…. Suponhamos… um salvador oriundo de um povo pagão…evidentemente não teria podido reconhecer o cumprimento das promessas messiânicas transmitidas pela Bíblia. A segunda condição… é que a realidade nova não deve ser semelhante à antiga em todos os pontos… Se por exemplo, Jesus houvesse assumido a sucessão do rei Davi da mesma foram que Salomão ou Josias… não se poderia reconhecer nele o cumprimento das promessas messiânicas. Um cumprimento divino nunca é uma simples repetição do que houve antes… pois se situa em outro nível. Esse outro nível, naturalmente, é um nível superior. Essa é a terceira condição do cumprimento. As diferenças observadas devem eliminar os limites e as imperfeições antigas. Devem avançar no sentido de um progresso decisivo e imprevisível, que manifeste a intervenção criadora de Deus.

Evangelho: Mc 3,13-19

Depois de cinco controvérsias em seguida (2,1-3,6), Jesus queria se retirar, mas as multidões vindas de todo o Israel o seguiam (Mc 3,7-9 citou as regiões de Israel correspondendo aos limites da terra prometida que Josué conquistou e Davi e Salomão governavam).

Jesus subiu ao monte e chamou os que ele quis. E foram até ele. Então Jesus designou Doze, para que ficassem com ele e para enviá-los a pregar, com autoridade para expulsar os demônios (vv. 13-15).

Depois de curar ainda muitos doentes (3,10-12), Jesus se retira ao monte para escolher doze discípulos que se destacarão da massa do povo. “A montanha” (com artigo) tem valor simbólico: subida e convergência, lugar de encontro com Deus; lembra Moisés no monte Sinai e o povo de Israel com suas doze tribos no pé da montanha (cf. 9,2-9; Mt 5-7; Mt 28,16; Gn 22; Ex 3; 19; 1Rs 19).

O chamado é espontâneo e livre de Jesus, ele “os quis” (cf. Sl 115,3; Jo 15,16); nomeação de um grupo restrito de doze (muitos manuscritos acrescentam o título “apóstolos”; cf. Mt 10,2; Lc 6,13). Os doze enquanto grupo são “feitura” de Jesus, segundo a linguagem grega.

Os “Doze” representam globalmente as doze tribos de Israel tradicional (não uma a uma, já que vários são galileus), como a família do novo Israel (cf. 3,33s; o antigo Israel é a descendência dos doze filhos de Jacó; cf. Gn 29,31-30,22; 35,16-25; Ex 1,1-5; 24,4… Ap 7,4-8; Ap 21,12-15). Os doze escolhidos serão como os patriarcas do novo povo. Esse número doze será restabelecido depois da deserção de Judas (At 1,26), para ser conservado eternamente no céu (Mt 19,28p; Ap 21,12-14).

Para estes doze discípulos e por enquanto, o importante era “que ficassem com ele”, ou seja, conviver com Jesus; daí partirá a missão, que prolongará com autoridade delegada a atividade de Jesus. Um fato tão óbvio como estar com outra pessoa começa a ter uma transcendência incalculável, já que o “estar com” é recíproco. Convivendo num círculo mais íntimo com o mestre aprenderão os mistérios do reino (cf. 4,10s).

Depois Jesus vai “enviá-los a pregar, com autoridade para expulsar os demônios”. Antecipa-se o título futuro de “apóstolos”, ou seja “mensageiros, enviados”. O mestre comunica-lhes seus poderes messiânicos: “com autoridade” (cf. 1,22.27) desalienar as pessoas (“expulsar demônios”). Exorcismos e curas dependem do mesmo poder.

Designou, pois, os Doze: Simão, a quem deu o nome de Pedro; Tiago e João, filhos de Zebedeu, aos quais deu o nome de Boanerges, que quer dizer “filhos do trovão”; André (vv. 16-18a).

Por ofício e mentalidade os doze são de origem diversa: nomes hebraicos e gregos, pescadores, um cobrador de impostos (publicano) que trabalhou pelos opressores romanos, um zelota (os zelotas cometiam atos de terroristas contra os romanos). Esta diversidade tem seu centro de unidade em Jesus mostrando sua capacidade em unir pessoas divergentes.

A lista dos doze apóstolos (cf. Mt 10,2-4; Lc 6,13; At 1,13) chegou a nos sob quatro formas diferentes, a saber: de Mc, Mt, Lc e At. Divide-se sempre em três grupos de quatro nomes (enquanto no quadro da última ceia, Leonardo da Vinci os dividiu em quatro grupos de três), sendo o primeiro de cada lista sempre o mesmo em todas elas: Pedro, Filipe e Tiago, filho de Alfeu. A ordem pode variar no interior de cada grupo. Pedro é sempre o “primeiro” (Mt ainda o destaca como tal), Judas Iscariotes o último da lista,

No primeiro grupo vemos os discípulos mais ligados a Jesus (cf. Mc 13,3). Eram pescadores, os primeiros discípulos chamados para serem “pescadores de homens” (Mc 1,16-20p; cf. Jo 1,40-42) Encabeça-os Simão Pedro com seu novo nome de ofício (cf. Jo 1,42: “Cefas” é pedra em hebraico, cf. 1Cor 9,4; 15,5; Gl, 2,18.; 2,9.11). Para o pensamento bíblico, aquele que dá um nome novo a um homem assume o poder sobre ele (2Rs 23, 34; 24,17), como ele um destino novo pela eficácia do mesmo, sobretudo quando é o próprio Deus quem impõe o nome novo (Gn 17,5.15;32,29). A atribuição a Simão do nome de Pedro é relatada pelos evangelhos em momentos diferentes: Jo 1,42 a situa no primeiro encontro do discípulo com o Mestre; Mc 3,16 e Lc a vinculam à escolha dos Doze; ambos sublinham esse dado mencionando até então Simão (Lc 4,38; 5,1-10, salvo 5,8), e em seguida Pedro (Lc 22,31 e 24,34, usando o nome Simão, devem provir de fontes particulares). Em Mt, o nome de Pedro será dado depois sua profissão de fé e explicado “sobre esta pedra rocha construirei a minha Igreja” (Mt 16,16-18).

Mt e Lc colocam juntos os irmãos Pedro e André e os irmãos Tiago e João, enquanto em Mc e At, André está no quarto lugar, para dar lugar aos dois filhos de Zebedeu que juntamente com Pedro se tornam os três íntimos do Senhor (cf. Mc 5,37; 9,2; 14,33). Em At, um filho de Zebedeu, Tiago, cederá o seu lugar a seu irmão mais moço, João que se tornou mais importante (cf. Mc 9,38; At 1,13; 12,2 e já Lc 8,51p; 9,28p). Em Mc, não só Simão recebe outro nome, também Tiago e João; Jesus deu lhes o nome de “Boanerges”. Ainda não se esclareceu a etimologia deste apelido; muitos o interpretam com “Filhos do Trovão” ou Trovejantes (cf. sua atitude em Lc 9,54). O nome “André” é grego e significa “hombridade” ou “coragem”, como diversos outros nomes gregos (entre os apóstolos: Filipe, Dídimo), parece ter sido comum entre os judeus dos séculos II ou III a.C.. Não se tem registro de qualquer nome hebraico ou aramaico seu. Pedro e André eram filhos de Jonas (Mt 16,17), ou de João (Jo 1,42), nasceram em Betsaida às margens do Mar da Galileia (Jo 1,44), mas se mudaram para uma casa em Cafarnaum (Mc 1,21-29).

Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé (v. 18b).

O segundo grupo parece ter tido mais afinidade com os não judeus (cf. Jo 12,20-21; Mt 9,9). Neste, Filipe em primeiro lugar; é da mesma cidade de André e de Pedro (cf. Jo 1,43; 12,21). Seu nome e grego e significa quem “ama cavalos”. A tradição identificou Bartolomeu com Natanael (por sua proximidade a Filipe em Jo 1,45-2,1; cf. 21,2). Mateus ocupa o último lugar nas listas de Mt e de At. Só em Mt é chamado “o cobrador de impostos” (Mt 9,9s narra sua vocação trocando o nome Levi de Mc 2,13; Lc 5,27). Em Jo, Tomé (ou Tomás) se destaca e tem o apelido “Dídimo” (tradução grega: gêmeo; cf. Jo 11,16; 14,5; 20,24-29).

Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o cananeu, e Judas Iscariotes, aquele que depois o traiu (vv. 18c-19).

O terceiro grupo é o mais judaizante, encabeçado por Tiago, filho de Alfeu, chamado de Tiago menor, que pela tradição foi identificado com Tiago, o “irmão (parente) do Senhor” (cf. 13,55; Mc 6,3p; 16,1; Jo 19,25; At 12,17; 15,13-21; 21,18-26; 1Cor 15,7; Gl 1.19; 2,9.12; Tg). Parentes de Jesus (cf. 13,55) têm nomes iguais também aos próximos da lista: Tadeu (var. Lebeu) de Mt e de Mc, se é a mesma pessoa que “Judas de Tiago” (filho, ou irmão de Tiago em Jd 1), de Lc e de At, e passa nestes últimos, do segundo para o terceiro lugar. Em Jo 14,22, “Judas, não o Iscariotes” faz uma pergunta. Escreveu a carta de Judas (Jd). Simão, o “zelota”, de Lc e At, não é senão a tradução grega do aramaico, Simão Qan’ana (“cananeu”) de Mt e Mc; significa “zeloso” (a palavra portuguesa vem desta palavra grega e significa ardor, fervor, emulação; cf. 1Mc 2,26-27.50; 2Mc 4,2). Os zelotes tinham tanto zelo ao ponto de se tornarem fanáticos e violentos contra os romanos (cf. Barrabás em Mc 15,7p; cf. At 5,36-37).

Judas Iscariotes, o “traidor”, figura sempre em último lugar na lista e se menciona seu destino. O nome é interpretado frequentemente como “homem de Cariot” (cf. Js 15,25; Am 2,2), mas poderia também ser um derivado do aramaico sheqarya, “o mentiroso, o hipócrita” ou transcrição semítica de sicárius, equivalente latino de zelota (assim formaria um par com Simão Cananeu); esta última interpretação ajudaria entender o motivo da sua traição, porque Jesus repudiou a ideologia dos zelotas (cf. 17,24-27; 22,15-22). Judas projeta já uma sombra premonitória, com o verbo “entregar” como palavra-chave no livro.

O site da CNBB comenta: A escolha dos doze apóstolos nos mostra a intenção que Jesus tem de formar o novo povo de Deus que irá substituir o povo da Antiga Aliança. De fato, a escolha dos doze não foi obra do ocaso, mas manifesta uma intenção. Assim como no Antigo Testamento, Deus forma o povo de Israel a partir das doze tribos dos descendentes de Abraão, a Igreja é o novo povo de Deus, o povo da Nova Aliança, formado a partir dos doze apóstolos de Jesus, que ele escolheu e enviou com poder para pregar e com autoridade para expulsar todo tipo de mal. Desse modo, entendemos que a Igreja é o novo povo de Deus, o povo da Nova Aliança.

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