20 de Julho 2019, Sábado: Grandes multidões o seguiram, e ele curou a todos (v. 15b).

16ª semana comum

Leitura: Ex 12,37-42

Depois de especificar o rito da páscoa (cf. leitura de ontem), o texto volta à narrativa: “No meio da noite, Javé feriu todos os primogênitos na terra do Egito” (v. 29). Só os israelitas foram poupados da praga exterminadora. O tema da noite abre e encerra com força sugestiva (29-30.42); a noite de morte aterroriza por um clamor imenso, noite de urgência, “noite de vigília” (v. 42; cf. a dramática exposição de Sb 18,5-19). Não concorda com a ordem precedente de esperar até o amanhecer (v. 10). Desenvolve-se velozmente a saída: finalmente o faraó deixa os israelitas saírem, os expulsa e pede a benção deles (vv. 31-32). Os egípcios apressam os israelitas e lhes dão donativos, objetos de ouro e prata (vv. 35-36; cf. 11,2), e estes se põem em marchas.

Uma pessoa da história do Egito poderia ter inspirada a história de Moisés e o Êxodo: Uma foi Beia, um migrante do Norte (Canaã?) Com o nome egípcio Ra-Mses-ke-em-neteru; era mordomo e chanceler na corte do farão Seti II (1200-1194). Depois da morte do farão e do filho do faraó, montou com a mulher do farão um exército de cananeus que saquearam o ouro e prata do Egito, mas Beia não conseguiu fugir e foi executado ainda no Egito.

Os filhos de Israel partiram de Ramsés para Sucot (vv. 37a).

A menção da cidade de “Ramsés” (1,11; 12,37; Nm 33,3.5) aponta Ramsés II (1290-1224) como o Faraó opressor e fornece aproximadamente a data do êxodo, cerca de 1250 a.C. A cidade de Pi-Ramsés (Pi-Ramesse ou também Per-Ramsés, a “a Casa de Ramsés”) foi construída como capital do Baixo Egito durante o reinado de Ramsés II e até ao fim da XX dinastia egípcia. A cidade localiza-se em Auáris, na região central do delta do Nilo. 25.000 pessoas moravam numa área urbana de 30km² (hoje Qantir). A cidade foi erguida sobre uma aglomeração fundada por Seti I no começo do reinado de Ramsés II. As razões que explicam esta mudança de capital, além das raízes familiares do pai de Ramsés II, Seti I, é a sua localização estratégica estar mais próxima do principal inimigo do Egito na época, o reino Hitita (atual Turquia), facilitando assim a vigia das fronteiras e uma intervenção militar. Para lá foram transferidos obeliscos e nela se erguiam templos dedicados às principais divindades egípcias, como Amon, Rá e Ptah. Dois séculos depois, a cidade foi abandonada e as suas estátuas e obeliscos da cidade foram transferidas para Tânis, a nova capital da XXI dinastia egípcia.

Sucot é a primeira estação no caminho longo para a terra prometida e localiza-se provavelmente a leste do delta do rio Nilo (12,37; 13,20). Outro lugar do mesmo nome está na Transjordânia (Gn 33,17). Em hebraico, a palavra sukkot significa “tendas” e designa a festa alegre em que se comemora o fim da colheita em setembro/outubro e a caminhada do povo pelo deserto (Lv 23,39; 1Rs 8,2; Ne 8,14; cf. Jo 7,37s).

Eram cerca de seiscentos mil homens a pé, sem contar as crianças. Além disso, uma multidão numerosa subiu com eles, assim como rebanhos consideráveis de ovelhas e bois. Com a massa trazida do Egito fizeram pães ázimos, já que a massa não pudera fermentar, pois foram expulsos do Egito, e não tinham podido esperar, nem preparar provisões para si. A permanência dos filhos de Israel no Egito foi de quatrocentos e trinta anos. No mesmo dia em que se concluíam os quatrocentos e trinta anos, todos os exércitos do Senhor saíram da terra do Egito (vv. 37b-41).

“600.000 homens, sem contar as crianças”, juntos com mulheres e crianças pode se estimar mais de 2 milhões de pessoas, “além disso, uma multidão numerosa”. A palavra hebraica êlef significa “mil”, mas também “família, clã, unidade militar” (assim se poderia reduzir para apenas 25.000 pessoas). Não há nenhum registro egípcio do êxodo. Historicamente é mais provável que vários grupos menores haviam fugido do Egito em etapas e depois se juntaram com pastores e camponeses formando o povo de Israel.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 88) comenta os vv. 37s e 40s: Ex 38,26 e Nm 1,46 falam em 603.550 homens de vinte anos para cima. Gn 15,13 fala em 400 anos no Egito. São datas e números que idealizam o reino unificado de Judá e Israel sonhado pelo rei Josias (1Rs 4,20-5,1), ou imaginam o “exército” das doze tribos saindo do Egito (v. 41; cf. 12,17.51; Nm 1,52; 2,1-34 etc.) como povo eleito, descendente das promessas a Abraão, imagem essa construída no pós-exílio (cf. 1,1-7).

As traduções samaritana e grega incluem neste número de 430 anos toda escala dos patriarcas em Canãa (cf. Gn 15,13). Segundo a genealogia de 6,14-27, a duração da estadia era de quatro gerações (cf. Gn 15,16).

“Com a massa trazida do Egito fizeram pães ázimos, já que a massa não pudera fermentar, pois foram expulsos do Egito”. A observação desta pressa em v. 39 (cf. v. 8-11) permite à liturgia israelita transforma a festa dos “pães ázimos” numa evocação do êxodo (saída do Egito; cf. vv. 15-20; 13,3-10). A festa anual destes pães sem fermento tem origem agrícola. Celebrada no início da colheita da cevada (Dt 16,9) era um rito de renovação, de novo começo: “Comiam pão feito com grãos novos, sem fermento, quer dizer, sem nada que provenha da colheita antiga” (R. de Vaux). Visava evitar o contato da nova colheita com a antiga. Abria-se um novo ciclo que se fechava com a festa da colheita do trigo, ou das “tendas” (Ex 23,16.19; 34,22; Dt 16,1-10).

Ao serem associadas à libertação da escravidão do Egito e a Páscoa dos pastores (cordeiro; cf. 12,1-20), as primícias, antes oferecidas às divindades da fertilidade dos campos em Canaã, são agora direcionadas ao Senhor (Javé; cf. Dt 16,5s; Js 5,10s; Esd 6,19-22). Os calendários litúrgicos mais antigos (Ex 23,25; 34,18) não têm esta ligação. Em 13,3-10, o rei Josias concentra a festa em Jerusalém para aumentar a coleta dos tributos (cf. Dt 16,1-8) e a apresenta como memorial da libertação. Quanto ao prolongamento cristão desta festa, cf. 1 Cor 5,7s.

A narrativa das pragas transforma os escravos fugitivos em hebreus “expulsos do Egito” (cf. 11,1).

Aquela foi uma noite de vigília para o Senhor, quando os fez sair da terra do Egito: essa noite em honra do Senhor deve ser observada por todos os filhos de Israel em todas as suas gerações (v. 42).

Para os judeus, nesta noite de vigília celebra-se a ceia pascal nas famílias seguindo um certo roteiro (seder, criado depois da destruição do templo em 70 d.C.). A pedido do filho mais jovem (cf. Ex 12,25-27), “porque esta noite é diferente das outras. O que significa? ”, o pai lê a hagadá (narrativa do êxodo com Sl 113-188 e outras orações).

Para os cristãos, a “vigília pascal” é o ápice do ano litúrgico, a “mãe de todas as vigílias” (St.º Agostinho), a celebração mais solene e alegre, porque Cristo ressuscitou e nos libertou da escravidão do pecado e da morte. Propõem-se sete leituras do AT; uma delas é obrigatória: Ex 14 (e Ex 15 como salmo responsorial), que nos une com o conteúdo judaica da festa. A vigília emboca no batismo que se prefigura na passagem dos hebreus pelo mar Vermelho.

Evangelho: Mt 12,14-21

Ouvimos hoje uma interpretação das curas de Jesus pelo evangelista Mt.

Os fariseus saíram e fizeram um plano para matar Jesus. Ao saber disso, Jesus retirou-se dali (vv. 14-15a).

Com a cura do homem com a mão atrofiada, numa sinagoga num dia de sábado, Jesus havia desafiado mais uma vez os fariseus (vv. 9-13, copiado de Mc 3,1-6). No evangelho, é a primeira vez que se fala da paixão e explicitamente da decisão de matar Jesus. O leitor já sabe que os adversários conseguirão este objetivo. Jesus não foge por covardia, mais se retira por prudência como ele recomendou no discurso da missão (cf. 10,13-16).

Grandes multidões o seguiram, e ele curou a todos (v. 15b).

As multidões vão atrás de Jesus e não atrás dos fariseus. É um contraste, as autoridades querem matar Jesus, e as multidões marginalizadas vão atrás do grande profeta. Acontece muitas vezes que os excluídos não encontram o apoio das autoridades e vão procurar alternativas. Jesus tem compaixão, as acolhe (cf. 9,36) e cura a “todos”, como já foi mencionado em 8,16 (cf. Mc 3,7-12).

E ordenou-lhes que não dissessem quem ele era, para se cumprir o que foi dito pelo profeta Isaías (vv. 16-17).

Como esta ordem ao silêncio, Mt copia uma característica de Mc, mas para Mt não se refere mais ao segredo de ser o messias, nem é mais ordenado aos demônios (cf. Mc 3,11-12), mas prepara a citação de Is 42,1-4 que apresenta o servo de Javé que não grita nem faz propaganda ruidosa (cf. v. 19).

Mt gosta de citar do AT para mostrar aos seus leitores judeu-cristãos que em Jesus “se cumpre o que foi dito pelo profeta”, ou seja, a escritura (cf. esta a fórmula em 1,22; 2,15.17.23; 8,17; 12,17; 13,35; 21,4; 26,54.56; 27,9; cf. 3,3; 11,10; 13,14). Mt costuma usar mais a tradução grega do AT, chamada Setenta (LXX), por ex.: Mt 1,23 cita Is 7,14 grego: virgem (em Is 7,14 hebraico é mulher jovem). Aqui Mt traduz mais livremente do texto hebraico.

”Eis o meu servo, que escolhi; o meu amado, no qual coloco a minha afeição; porei sobre ele o meu Espírito, e ele anunciará às nações o direito. Ele não discutirá, nem gritará, e ninguém ouvirá a sua voz nas praças. Não quebrará o caniço rachado, nem apagará o pavio que ainda fumega, até que faça triunfar o direito. Em seu nome as nações depositarão a sua esperança” (vv. 18-21).

Para entender melhor a intenção de Mt, analisamos primeiro o texto original (hebraico) de Is 42,1-4. Na Semana Santa ouvimos os quatro cânticos do “servo” de Deus (2ª, 3ª, 4ª e 6ª feira santa; cf. os comentários). O primeiro canto (ou poesia) caracteriza o “eleito” de Javé (Is 42,1) de maneira aberta a várias interpretações: É uma pessoa ou uma figura coletiva? Deus elegeu Israel, mas também Davi, “em que pus o meu espírito” (v. 1; cf. 1Sm 16,13). Mas a figura deste servo é um contraste grande a um rei poderoso ou a um povo guerreiro (cf. Jz 7,23-25; 8,4-21). Ele só se apóia no Senhor que o “tomou pela mão” (v. 6a). Para “estabelecer a justiça (direito) na terra” (v. 4), ele “promoverá o julgamento (direito) das nações” (v. 1b), ou seja, dos pagãos, mas não o direito do mais forte. Ele não submeterá os mais fracos ao seu domínio, mas seu agir acabará produzindo uma transformação radical. Os cegos enxergarão e os presos serão libertados (v. 7; cf. 61,1). O servo foi constituído pelo Senhor “como o centro da aliança, luz das nações“ (v. 6b), mas evita barulho e violência: “Ele nem clama nem levanta a voz, … não quebra uma cana rachada nem apaga um pavio que ainda fumega” (vv. 2-3). Ele tem discrição e firmeza, sua atitude de cuidado coincide com sua perseverança, “não esmorecerá nem se deixará abater, enquanto não estabelecer a justiça da terra” (v. 4).

Os evangelhos aplicam a Jesus esta figura do servo. “Este é meu filho (yiós) amado em que me comprazo”, diz a voz do céu no batismo (cf. 3,17; Sl 2,7). O Espírito do messias em forma de pomba simboliza paz e amor, não violência (Mt 3,16p; cf. 17,5p; 12,17-21). Na leitura de hoje, Mt utiliza da tradução grega LXX uma palavra grega (“païs”, cf. paidagogia, em português: pedagogia) que geralmente significa “menino“ (e não “servo”; cf. 8,5-13; At 3,13.26; 4,25-27; Sb 2,18.5,5), reforçando a lembrança do batismo de Jesus no início da sua vida pública. Com suas curas, Jesus prova aos fariseus que ele tem o Espírito (cf. 12,28.32). O “menino” (filho) não grita nem briga, porque é um messias “manso e humilde de coração” (11,29; cf. 21,5). Ele promove a paz não através de guerras, nem faz uso da violência (cf. 26,52s). Jesus ainda não anunciou o evangelho aos pagãos (cf. 10,5s), mas como o conflito com Israel representado pelos fariseus se agrava, no futuro anunciará o julgamento (direito) através dos apóstolos “a todas as nações” (28,19). Em Mt, este “direito” que se anuncia é o juízo final que o menino-filho “faz triunfar” (lit. levará à “vitória”, tradução própria de Mt).

A citação de Is 42,1-4 é a mais longa em Mt, porque, no meio do evangelho, quando o caminho de Jesus parece se obscurecer, Mt quer deixar claro para seus leitores: aquele Jesus que é hostilizado pelos fariseus e será condenado à cruz, é mesmo o messias predito pelos profetas e o Filho amado de Deus. É com ele que o projeto de Deus vencerá e se estenderá às nações.

O site da CNBB comenta: Jesus não veio à terra para buscar a sua glória ou a sua promoção pessoal. Ele veio como o servo de Deus para garantir, por uma vida de serviço e, principalmente, pela sua paixão e morte de cruz, a salvação para todas as pessoas. Com isso, Jesus é aquele que cumpre todas as promessas feitas por Deus durante todo o antigo Testamento. Ele vai, não pela glória, pela arrogância e pelo poder, mas pelo amor, pela misericórdia e pelo serviço, realizar o projeto de Deus e nos mostrar novos valores que devem nortear as nossas vidas, tornando-se ao mesmo tempo modelo para todas as pessoas e a esperança de todas as nações.

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