20 de julho de 2016 – 16ª semana 4ª feira

Leitura: Jr 1,1.4-10

Ouvimos hoje e nos próximos dias profecias de Jeremias, o segundo dos quatro grandes profetas literários (Is, Jr, Ez, Dn). Sua atividade profética se desenvolveu entre os anos 627 e 586 a.C., e pode ser dividida em quatro períodos: durante o reinado de Josias (627-609 a.C.), durante o reinado de Joaquim (609-598), durante o reinado de Sedecias (597-586) e depois da queda de Jerusalém (586). Enquanto surgiu esperança em Jerusalém pelo enfraquecimento do império assírio (Nínive caiu em 612), Jeremias, na contramão, anunciava um novo jugo, o império neo-babilônico, que resultará na destruição em Jerusalém em 586.

Hoje ouvimos o chamado de Jeremias. Os vv. 2-3 (omitidos na leitura de hoje) datam a vocação de Jeremias em 627 ou 626 e a duração da sua pregação até 586. Com isso, ele é o profeta cuja atividade se estende mais de 40 anos, mais do que todos os outros profetas.

Ao gênero da vocação profética (cf. Ex 3-4; 1Sm 3; Is 6; Ez 2-3) pertencem escolha, consagração e nomeação: 1. A escolha precede a existência, como se a fundamentasse (cf. Is 49,5; Lc 1,41s; Gl 1,15s). Se a vocação fundamenta a existência, um dia a missão poderá consumir a existência, como Jeremias experimentará e confessará. 2. Consagrar é apropriar-se de algo para uma tarefa sagrada. A vocação profética é mais sagrada que a sacerdotal (cf. Dt 18; 1Rs 19,16.19-21). 3. A nomeação tem dimensão universal ultrapassando os limites do próprio país e tempo, embora esteja centrada neles. A mensagem universal de Jr alcança nossa história atual também?

Palavras de Jeremias, filho de Helcias, um dos sacerdotes de Anatot, da tribo de Benjamim (v. 1).

Estas “Palavras” não transmitem apenas o que foi dito por Jeremias, mas também determinados acontecimentos de sua vida e da história de seu tempo, estritamente vinculados a sua missão. O título “Palavras” poderia então ser traduzido por “Atos”, “História”, “Palavras, fatos e gestos” (cf. Lc 1,65; At 10,22), pois, nas línguas semíticas, o termo palavra pode expressar um acontecimento portador de sentido.

Os vestígios da antiga “Anatot”, cidade levítica na região da tribo de Benjamin (Js 21,18), situam-se ao lado da aldeia palestina de Anata, 5 km ao norte de Jerusalém, para onde foi exilado, por Salomão, o sacerdote Abiatar, único sacerdote sobrevivente do sacerdócio de Nob  (1Sm 22,20s; 1Rs 2,26). Salomão o substituiu por Sadoc (de quem se originam os saduceus). . Jr não fala do seu pai; não sabemos se o pai empregava uma função num lugar (alto) do local ou no templo de Jerusalém (cf. Lc 1,5.8), ou ficava excluído do sacerdócio como descendente de Abiatar. Jeremias não é sacerdote (por isso pode possuir terra, cap. 32), talvez fosse um nabi (profeta com vínculo institucional), mas se destacou por seu espírito crítico.

Foi-me dirigida a palavra do Senhor, dizendo: (v. 4)

A “Palavra do Senhor (lit. Yhwh = Javé)” define a pregação e a vida de Jeremias (cf. 20,8). Em Jr (também em Ez, Zc e Ag), esta fórmula introduz, com frequência, a exposição de quanto Javé revelou ao profeta (vv. 4.11.13; 2,1; 13,3 etc.) e o enunciado das mensagens que ele lhe incumbe a transmitir (2,1 etc.). A expressão realça com força a Palavra em pessoa (!) e a sua ação (cf. v. 2; 14,1; 46,1; 47,1; 49,34; cf. Jo 1,1-3).

”Antes de formar-te no ventre materno, eu te conheci; antes de saíres do seio de tua mãe, eu te consagrei e te fiz profeta das nações” (v. 5).

A Tradição Ecumênica da Bíblia (p.713) comenta: O “criador de todas as coisas” (10,16; 51,19), que modelou e deu vida ao primeiro homem (Gn 2,7), forma todo homem desde sua concepção (18,6; Sl 33,15; 104,30; 139.13-16; Jó 10,8-12; Sb 7,1; 2 Mc 7,22-23). Trata-se da obra de sabedoria e de amor daquele que “conhece” de antemão os que chama à existência, convidando-os a um “conhecimento” recíproco, à intimidade com ele (cf. Rm 8,29). Isto se dá de forma toda especial para os que (indivíduos ou comunidades) têm papel a desempenhar no cumprimento de seu designo sobre toda a humanidade (Gn 18,19; Is 44,2.21.24; 49,1,5; cf. Pr 8,22-23).

Ele é reservado [“consagrado”] (2,3; cf. 12,3), separado (cf. Lv 20,26; Sl 105,15; Gl 1,15) pelo “Santo de Israel” (50,29; 51,5), para um ministério especial que lhe será indicado em seguida. Isto comporta de sua parte uma comunhão íntima com o Senhor, um conhecimento mais direto do pensamento de Deus (cf. Lc 1,75; Jo 17,3.17.19.25-26; Ef 1,4). No caso de Sansão (Jz 13,5). João Batista (Lc 1,15.41), Paulo (Gl 1,15) e em particular no caso de Jesus (Lc 1,35; cf. Jo 10,36), trata-se de uma consagração prévia ao nascimento (cf. Pr 8,23; Ef 1,4s).

Última preparação do “profeta por vocação”: depois da escolha relacionada ao designo eterno de Deus e da consagração desde antes do nascimento, trata-se agora da entronização em suas funções (cf. Lc 3,22p) e da notificação de sua missão (cf. vv. 9-10).

Disse eu: “Ah! Senhor Deus, eu não sei falar, sou muito novo”. Disse-me o Senhor: “Não digas que és muito novo; a todos a quem eu te enviar, irás, e tudo que eu te mandar dizer, dirás. Não tenhas medo deles, pois estou contigo para defender-te”, diz o Senhor (vv. 6-8).

Uma objeção ao chamado é a reação frequente (v. 6; cf. Moisés em Ex 4,10-12.40; 6,12; Gedeão Jz 6, 15; outros profetas em Am 7,10-15; Is 6; Ez 2-3; no NT cf. Maria em Lc 1,34; Pedro em Lc 5,8). Expressa o temor causado pela amplidão e pela dificuldade do empreendimento.

Jeremias objeta não ter a idade exigida (“trinta anos”, cf. Lc 3,23) para participação ativa da vida pública (cf. 1Rs 3,7; Jó 32,4-6). “Não sei falar, sou muito novo”, ele alega incapacidade de linguagem? Jeremias, porém, foi magnífico poeta e orador. Ele não quer dizer, como Moisés, que não tem o dom da palavra, mas apenas que não tem direito à palavra. A objeção não faz sentido diante de Deus, que pode dar a palavra a quem ele quiser (Ex 4,11-12; 1Sm 3,18.20; Jó 32,8; Dn 13,45).

O Senhor responde com imperativo categórico: terá de ir como enviado e falar em nome de Deus. A garantia é prometida de forma concisa: quem leva como nome um simples “Sou” (cf. Ex 3,14: Javé, Eu sou que sou) se fará sentir como um “Sou contigo”. Jeremias verá o modo paradoxal dessa realização.  Quando Deus incumbe alguém de uma missão, ele promete ao mesmo tempo sua presença e torna-se o “Deus-com” Ima(nu)-El (Gn 26,24; 28,15: Ex 3,12; Jz 6,12; Is 7,14: 41,10; Mt 1,23; 18,20; 28,19-20; Rm 8,31). Para Jr, Deus é o Senhor todo-poderoso do universo e de todos os seus elementos (11,35), o senhor da história (cf. v. 10; 18,7-10) e de cada homem (11,20; 39,17-18; 45,5).

“A todos a quem eu te enviar, irás”, conforme o grego e Ráshi: “seja a quem for que eu te envie”. Pode-se ler também: “para onde eu te enviar”, conforme o aramaico e Qimhi, ou conforme a Vulgata (latim): “seja qual for a missão que eu te confiar”. Estes três sentidos são possíveis ao mesmo tempo, Jeremias ficará firme diante de qualquer situação, diante de qualquer pessoa (cf. 26,12-15 etc).

“Diz o Senhor” (lit. oráculo do Senhor): Esta fórmula atesta que a mensagem vem de Javé Deus e não deve ser usada indevidamente (Ez 13,1-9; cf. Jr 23,31). Ela é empregado muitas vezes nos livros proféticos (ausente apenas em Jn e Hab) para intervenções proféticas. Aparece tanto no decorrer de um oráculo, como em sua conclusão e mais vezes no começo (9,21; Zc 12,1; Sl 110,1). É particularmente frequente em Jr, seja em sua forma simples, como neste caso (164 vezes, cf. 5,9 etc.), seja com algumas amplificações do nome divino como em 2,19.22; 46,18; 49,5 (11 vezes). Ela é menos frequente na versão grega, que a traduz de forma parecida com uma fórmula mais rara: diz o Senhor (cf. 4,3; 6,15; 13,1; 23,35.37; 25,15), fórmula mais comum em Jr (78 vezes em sua forma simples, mais 20 vezes como o acréscimo “Todo-poderoso” (lit. dos exércitos).

O Senhor estendeu a mão, tocou-me a boca e disse-me: “Eis que ponho minhas palavras em tua boca. Eu te constituí hoje sobre povos e reinos com poder para extirpar e destruir, devastar e derrubar, construir e plantar” (vv. 9-10). 

A consagração, quase sacramental, inclui o gesto e o texto. O gesto significativo de “tocar a boca” representa um dos elementos da entronização do profeta (cf. Is 6,7; Ez 2,8-3,3; Dn 10,16). Jeremias é agora habilitado a pronunciar as próprias palavras de Deus (cf. 5,14; 15,19; Ex 4,12.15; Dt 18,18; Is 51,16); ele não recebe de uma só vez todo conteúdo o que deverá dizer em nome de Deus (cf. 28; 42,7), mas adquire uma aptidão especial a serviço da Palavra. Deus não dá ao profeta as palavras, a mensagem feita, mas lhe moverá e guiará a atividade oral e literária a partir de dentro.

“Eu te constituí sobre povos e reinos”. Jeremias foi enviado especialmente a Judá e a Jerusalém. Contudo, no conjunto de suas profecias, a mensagem dirigida às nações não se limita ao grupo de oráculos endereçados a elas exclusivamente (25,15-38; 46-51), mas aparece também em outras partes do livro (cf. p.ex. 12; 27; 44.30), ainda mais que Judá é também uma nação (5,9-29; 7,28; 9,8…) e um reino.

Enquanto divina, a palavra será poderosa (como governador), e isso ela o diz na imagem de duas atividades fundamentais do homem antigo, vida agrícola e vida urbana (18,9; 31,28; 42,10; 1Cor 3,9): “com poder para extirpar e destruir, devastar e derrubar, construir e plantar” (a respeito destes pares de verbos, cf. 2,21; 11,17; 12,14-17; 18,7.9; 24,6; 31,28; 32,41; 42,10; 45,4 e também 39,8; 52,14). A palavra profética anuncia esses acontecimentos, o chama e provoca sua realização. Se apenas dois verbos evocam uma obra de edificação, contra quatro que manifestam destruição, é porque Jeremias deverá, em primeiro lugar, anunciar castigos (cf. 2-25; 46-51), sendo que as perspectivas de restauração serão evocadas principalmente apenas nos caps. 30-33.

Evangelho: Mt 13,1-9

Chegamos ao terceiro grande discurso de Jesus no evangelho de Mt. Depois da ética do sermão da montanha (cap. 5-7) e das recomendações para missão (cap. 10), Jesus fala sobre o reino de Deus (cf. 4,17.23; 9,35; 10,7) em várias parábolas. Este discurso, Mt já encontrou em Mc 4 e o ampliou com outras fontes (de Q, cf. Lc 13,20s.23s; talvez de outra edição de Mc, e fontes próprias). Já explicamos a parábola de Mc 4,1-9 (Tempo Comum, 3ª semana 4ª feira).

Naquele dia, Jesus saiu de casa e foi sentar-se às margens do mar da Galiléia (v. 1).

Mt mudou a introdução: Jesus “saiu de casa”. A casa não foi mencionada explicitamente no final do cap. 12, quando seus familiares “ficaram fora” (12,46-50p). A cena no lago de Genesaré (“mar da Galileia”) lembra o chamado dos discípulos (4,18p) e as exigências do seguimento (8,24-27). Jesus “se senta” para ensinar (cf. vv. 1-2; 5,1; 15,29; 23,2; 24,3). Na antiguidade, o mestre ficava sentado e os ouvintes permaneciam em pé.

Uma grande multidão reuniu-se em volta dele. Por isso Jesus entrou numa barca e sentou-se, enquanto a multidão ficava de pé, na praia. E disse-lhes muitas coisas em parábolas: (vv. 2-3).

Desde 12,23 as multidões estavam ausentes. Agora se reúnem de novo ao ar livre em volta dele. Jesus começa se distanciar do povo como antes de seus familiares e entra num barco (junto com os discípulos? cf. v. 10; 8,23-27). Mt evita o verbo “ensinar” (Mc 4,2), porque lembra seus leitores judeu-cristãos do ensino da lei nas sinagogas. Jesus, porém, “disse-lhes” muitas coisas em parábolas.

Nossa “Palavra” em português vem do grego Parábola. O que significa “parábola”?  Em grego: comparação, equação; em hebraico (mashal): metáfora, sentença, fábula, provérbio, enigma. Mt ainda não usou este termo e o usará só quando Jesus fala em público ao povo todo (cf. vv. 10-13.34).

As parábolas ou comparações são meio de instrução sapiencial (Sl 49,5;78,2; Eclo 39,2-3). Em Mc, a primeira parábola é quase uma meta-linguagem: a palavra acerca da palavra (4,14; cf. Is 55,10-11). Mt explica que se trata da “palavra do Reino” (v. 19; cf. 4,23; 9.35; 24,14).

“O semeador saiu para semear. Enquanto semeava, algumas sementes caíram à beira do caminho, e os pássaros vieram e as comeram. Outras sementes caíram em terreno pedregoso, onde não havia muita terra. As sementes logo brotaram, porque a terra não era profunda. Mas, quando o sol apareceu, as plantas ficaram queimadas e secaram, porque não tinham raiz. Outras sementes caíram no meio dos espinhos. Os espinhos cresceram e sufocaram as plantas. Outras sementes, porém, caíram em terra boa, e produziram à base de cem, de sessenta e de trinta frutos por semente (vv. 3b-8).

Protagonista é a semente, essa pequenez prodigiosa que se deixa tomar e espalhar e imediatamente inicia sua atividade. O desenvolvimento da parábola se parece a de alguns provérbios do tipo: três mais um quarto (cf. Pr 30,15-33); são três fracassos e um êxito destacado.

Opõem-se as causas externas de fracasso vindas de fora e a extraordinária fecundidade da semente quando cai em terra boa. A parábola exprime a confiança de Jesus. Ele semeia a palavra e apesar de perdas, indiferenças e resistências, garanta-se uma boa colheita, um bom fim (cf. Jo 12,24). Por outro lado, é também um apelo aos ouvintes para acolherem bem a palavra no coração (“na terra boa”, v. 8) e a procurarem “entender” (vv. 19.23).

Para Mt, é importante refletir sobre a situação da comunidade e do indivíduo, perguntar sobre seus frutos. Existem na comunidade pessoas que nem foram atingidas pela palavra ou não a praticam (cf. 22,11-14; 24,37-25,46)? A parábola com sua explicação (vv. 18-23) quer incentivar a reflexão e a autocrítica.

Quem tem ouvidos, ouça!” (v. 9).

A frase final é um apelo necessário para perceber o alcance de um e ensinamento figurado (cf. Mc 4,9.23; 7,16; Dt 29,3; Sl 115,6). A parábola deve levar o ouvinte a refletir e, naquele momento, está a realizar-se nele.

Em Mt e Lc, esta parábola de Mc é interpretada mais em vista do crescimento da Igreja: Mt destaca a formação dos discípulos em 13,23 (quem ouve a palavra “e a entende”; seguem-se as parábolas do joio, tesouro e perola) e Lc a mensagem da misericórdia e “perseverança” em Lc 8,15 (quem ouve “com coração nobre e generoso”; no contexto, depois da acolhida da pecadora e da lista das discípulas, cf. Lc 7,36-8,3).

O site da CNBB comenta: Jesus começa a ensinar por meio de parábolas. Então perguntamos: o que de fato é necessário para que possamos entender as parábolas de Jesus? Para respondermos a esta pergunta, precisamos fazer outra: Por que Jesus ensina em parábolas? Respondendo a esta pergunta entendemos o significado da ação de Jesus em ensinar em parábolas. A parábola parte de uma situação da vida para mostrar os valores do Evangelho e isso nos mostra que os valores evangélicos são para serem vividos e não simplesmente entendidos. Portanto, não é quem teoriza a fé que entende as parábolas, mas quem vive a fé. O que é necessário para entender as parábolas de Jesus? A resposta é: unir a fé à vida.

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