20 de Julho de 2017 – Quinta-Feira 15° Semana

Leitura: Ex 3,13-20

Continuamos com a mais extensa vocação na Bíblia (Ex 3-4). Moisés foi chamado por Deus que se revelou numa sarça ardente e o enviou para ir ao faraó e tirar seu povo hebreu da escravidão. À primeira objeção de Moisés, “quem sou eu?”, Deus respondeu, “Eu estarei contigo” (vv. 1-12; cf. leitura de ontem).

Moisés disse a Deus: “Sim, eu irei aos filhos de Israel e lhes direi: ‘O Deus de vossos pais enviou-me a vós’. Mas, se eles perguntarem: ‘Qual é o seu nome?’ o que lhes devo responder?” (v. 13).

Moisés aceita, mas tem outra objeção que se fia em Deus; e o povo se fiará nele? Os “filhos de Israel” (o povo dos “hebreus”, cf. 1,1-7; Gn 14,13) vão querer saber qual deus o envia, dado decisivo na missão profética autêntica (cf. Dt 13; Jr 23,13), perguntarão pelo nome da divindade. A resposta vale para Moises e vale para o povo.

Deus disse a Moisés: “Eu Sou aquele que sou”. E acrescentou: “Assim responderás aos filhos de Israel: `Eu sou’ enviou-me a vós“. E Deus disse ainda a Moisés: “Assim dirás aos filhos de Israel: ‘O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó, enviou-me a vós’. Este é o meu nome para sempre, e assim serei lembrado de geração em geração (vv. 14-15).

Estes versículos estão entre os mais analisados e discutidos de todo o Antigo Testamento (AT). A escrita hebraica não tem vogais, só consoantes. O nome de Deus na Bíblia hebraica é JHVH ou YHWH, são as mesmas letras em hebraico, mas nossa vocalização é duvidosa.

A ordem perpétua em v. 15: daí em diante Deus será invocado com o nome de Yhwh foi obedecida (ex. em Is 42,8; 26,8), até que em tempos posteriores se evitasse a pronúncia deste nome sagrado (cf. 2º mandamento em Ex 20,7): Lê-se Yhwh, mas fala-se Adonai (significa “Senhor”, em grego é Kýrios, cf. a invocação Kyrie na nossa liturgia). A Bíblia Pastoral e a Bíblia de Jerusalém escrevem “Javé” (pronúncia portuguesada) ou “Yahweh” (pronúncia mais correta), enquanto outras Bíblias e nossa liturgia escrevem “Senhor” (cf. aqui em v. 15).

Na Idade Média, os judeus começaram a colocar pontinhos e tracinhos para sinalizar as vogais na escrita hebraica (texto masorético), e para evitar a pronúncia desatenta do nome sagrado, já indicaram as vogais de “Adonai” para as consoantes de Yhvh. Era para falar Adonai em lugar de Yhvh (Javé). Mas se alguém não presta atenção e lê as consoantes de Yhvh com as vogais de Adonai, sai o nome equivocado “Jeová”.

Nossa vocalização do nome sagrado é duvidosa, pois nos nomes compostos encontramos a formas “Yah, Yo, Yeho”. A corrente, Yahwe é uma forma factitiva do verbo hyh (ser, existir): “aquele que dá o ser, faz existir”; assim podia soar aos ouvidos hebreus.

Quanto à interpretação, o termo é explicado no v. 14, que é um antigo acréscimo da mesma tradição. Discute-se sobre o significado desta explicação: ehyeh asher ehyeh. Deus falando de si mesmo, só pode empregar a primeira pessoa: “Eu sou o que eu sou”. Isto significa que Deus não quer revelar o seu nome (ou melhor: não tem nome próprio, porque é o único; cf. Dt 6,4). Mas precisamente Deus dá aqui o seu nome, que segundo a concepção semita deve defini-lo de certa maneira. Contudo o hebraico pode ser também traduzido literalmente: “Eu sou aquele que sou”; e segundo as regras da sintaxe hebraica, isto corresponde a “Eu sou aquele que é”, “sou o existente”. Foi assim que compreenderam os tradutores da Bíblia grega de setenta (LXX). Deus é o único e verdadeiro existente. Isto significa que ele é transcendente e permanece um mistério para o homem. E também que ele age na história do seu povo e na história humana, a qual ele dirige para um fim. A tradução grega presta para reflexão filosófica, primeiro encontra-se na esfera do ser ou existir (cf. Sb 13,1; Jo 8,52; Ap 1,4), segundo não se define por predicados externos, mas por si mesmo; em nossa terminologia refinada diríamos: “um ser absoluto”, pois bem para os israelitas vale o sentido enunciativo, “eu sou” que se refere como explicação de um nome conhecido e se identifica com o Deus dos patriarcas. Deus “está” aqui e “estará” (cf. v. 12), mesmo invisível, para libertar e guiar o seu povo. Deus “é”, é o “Ser”, o único que existe por si mesmo, todas as outras coisas participam do ser (são), porque ele as criou. Esta passagem contém em potencias os desenvolvimentos que a sequência da revelação lhe dará (cf. Ap 1,8: “Aquele-que-é, Aquele-que-era, e Aquele-que-vem, o todo poderoso”).

No Pentateuco, várias tradições se mesclaram: Uma tradição (javista) faz o culto de Javé remontar as origens da humanidade (Gn 4,26) e utiliza este nome divino em toda história patriarcal. Numa outra tradição, o nome de Javé como o nome de Deus dos pais, foi revelado só a Moisés aqui. A tradição sacerdotal (Ex 6,2-3) concorda com ela, especificando apenas que o nome do Deus dos pais era El shaddai (cf. Gn 17,1; Ex 6,3).

Em duas listas no sul do Egito, uma do tempo de Amenófis III, outra de Ramsés II, aparecem os “Shasu-nômades de Yahu”. Não se pode localizá-los, mas deve ser na margem do império e da terra cultivável. Se Yahu é Yahwe (Javé), o seu culto vem dos nômades, e não dos agricultores. Alguns textos bíblicos permitem localizar a “pátria” de Javé no sul da Transjordânia: um dos mais antigos diz: “Javé, quando saíste de Seir, quando avançaste na planícies de Edom, … montanhas se espalharam diante de Javé, o do Sinai, diante de Javé, Deus de Israel” (Jz 5,4s; cf. Sl 68,8s.18); outro diz: “Javé veio do Sinai, alvoreceu para eles de Seir, resplandeceu do monte Farã. Dos grupos de Cades veio até eles, desde o sul até as encostas” (Dt 33,2); outro ainda: “Eloa (Deus) vem de Temã, e o Santo do monte Farã” (Hab 3,3). Estes três textos, cada um independente dos outros, indicam lugares que se encontram em Edom (=Seir) a leste e ao sul do mar Morto descendo ao golfo de Aqabá. Somando a tradição de Moisés pastoreando o rebanho do seu sogro Jetro-Raguel na terra de Madiã (v. 1; 2,16-22; cap. 18), podemos concluir que a “pátria” do culto de Javé é o sul da Transjordânia, talvez perto do atual Wadi Rum (60 km a leste de Aqabá e da divisa com a Arábia).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 78) comenta: Mas pouco se sabe, além de que o culto a Javé é anterior à existência de Israel (Gn 4,26) e que veio de fora (Jz 5,4; Dt 32,2; Hab 3,3). Fundamental é a noção da divindade como presença solidária junto aos oprimidos e injustiçados, presente na origem e na compreensão mais genuína da fé israelita. E certamente também na comunidade joanina, ao aplicar a Jesus o divino “Eu Sou” (Jo 6,35.48.51; 8,12.24.28.58; 10,7.9.11.14; 11,25; 13,19; 14,6; 15,1; 18,5.6).

 

Vai, reúne os anciãos de Israel e dize-lhes: ‘O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó, apareceu-me, dizendo: Eu vos visitei e vi tudo o que vos sucede no Egito. E decidi tirar-vos da opressão do Egito e conduzir-vos à terra dos cananeus, dos hititas, dos amorreus, dos fereseus, dos heveus e dos jebuseus, a uma terra onde corre leite e mel. Eles te escutarão e tu, com os anciãos de Israel, irás ao rei do Egito e lhe direis: ‘O Senhor, o Deus dos hebreus, veio ao nosso encontro. E, agora, temos que ir, a três dias de marcha no deserto, para oferecermos sacrifícios ao Senhor nosso Deus’. Eu sei, no entanto, que o rei do Egito não vos deixará partir, se não for obrigado por mão forte. Por isso, estenderei minha mão e castigarei o Egito com toda a sorte de prodígios que vou realizar no meio deles. Depois disso, o rei do Egito vos deixará partir” (vv. 16-20).

Aqui identifica-se Javé (traduzido por Senhor) com o Deus (Elohim) dos antepassados (“O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacó”; cf. 2,24; 3,6) e também com o Deus (Elohim) dos marginalizados (“o Senhor, o Deus dos hebreus”, cf. 5,2s).

Já na história de Abraão observamos como escribas do sul submeteram as tradições de Isaac e Jacó (patriarca do norte) à tradição de Abraão (patriarca do sul), a quem é prometida a terra de Canaã toda (12,6-s; 13,14-17 etc.) em que já moravam os cananeus e outros povos.

Não é fácil identificar os grupos étnicos (cf. v. 8b): o nome dos “amorreus” era um termo babilônico que designava os semitas “ocidentais” (ao oeste da babilônia) e equivale com os “cananeus”. Os “fereseus” significam originalmente os “habitantes da colina”, talvez em contraste às cidades cananeias na planície. Os “hititas” (heteus) devem ser famílias espalhadas na área (cf. 2Sm 11,3), porque o Império hitita na Ásia menor nunca alcançou a Palestina. Os “heveus” são provavelmente os horritas (horreus), um povo no norte da Mesopotâmia no segundo milênio (cf. Gn 34,2; Js 9,7). Os “jebuseus” são os habitantes nativos de Jerusalém (cf. 2Sm 5,6).

Neste relato da vocação esta terra é apresentada em termos paradisíacos (“onde corre leite e mel”; cf. v. 8) e sua posse é legitimada. A Nova Bíblia Pastoral (p. 78) comenta: A legitimação da tomada da terra dos cananeus (v. 8), porém, revela o imperialismo que se respaldava pelo nome de Javé, o Deus único que no pós-exílio expulsará os estrangeiros e condenará suas religiões e culturas (….). Estas práticas igualam Javé aos ídolos, condenados por serem insensíveis e estimularem a insensibilidade diante de injustiças e violências (Sl 115,4-8; Jr 2,5; 10,1-10).

O termo “hebreu” (cf. 1,15.19 etc.) talvez venha de hapiru, com o qual os egípcios designavam trabalhadores migrantes; na Bíblia, significa uma população que inclui israelitas sem se limitar a eles (cf. 1Sm 4,6; 13,3.7.19; 14,21; 29,3; Jr 34,9.14). Provavelmente a libertação de grupo de escravos “hebreus” está na base do livro de Ex. Depois da sua fuga, eles se integraram aos pastores e camponeses nas montanhas de Israel.

Aqui segue-se um novo envio e uma predição dos eventos futuros até a saída (êxodo) do Egito. Quando se trata de Deus, a “visita” implica um direito absoluto de inspeção, de julgamento e de sanção. As suas intervenções no destino dos indivíduos ou dos povos podem trazer o benefício (4,31; Gn 21,1; 1,68) ou o castigo (1Sm 15,2; Sb 14,11; 19,15; Jr 6,15; 23,34; Am 3,2). A resistência contra a opressão do rei do Egito (faraó) começou com as mulheres hebreias (1,15-2,4, incluindo depois a princesa) e cresce agora com a integração dos “anciãos”, chefes das famílias israelitas (cf. 4,29) e a presença do próprio Javé.

A notícia dirige-se aos anciãos, com eles Moisés deve se apresentar corporativamente ao faraó e dizer: “O Senhor, o Deus dos hebreus, veio ao nosso encontro. E, agora, temos que ir, a três dias de marcha no deserto, para oferecermos sacrifícios ao Senhor nosso Deus” (v. 18). Pedirão a liberdade só por uma viagem de três dias – uma tática ? – , mas nem isso, o faraó concederá. Só depois de dez pragas (cap. 7-12), lançadas pela “mão forte” do Senhor, “o rei do Egito vos deixará partir” (v. 20b).

Evangelho: Mt 11,28-30

Este convite a “carregar o jugo” de Jesus só se encontra em Mt. Nos vv. anteriores (da fonte Q; cf. vv. 26s; Lc 10,21s), Jesus agradece ao Pai pela sua revelação aos pequenos e humildes, não aos sábios e doutores, e afirma sua relação íntima com o Pai. Em seguida, Mt acrescentou um convite aos discípulos que evoca os convites tradicionais da sabedoria personificada (Pr 8,1-21.32-36; 9,4-6; Eclo 24,19-22; etc.) ou do mestre que ensina a sabedoria (Eclo 6,18-37; 51,23-29; Sb 6,11-16). Jesus desse modo atribui a si mesmo o papel da sabedoria (cf. Mt 11,19), mas de uma maneira especial, não como personificação, mas como pessoa real.

Vinde a mim todos vós que estais cansados e fatigados sob o peso dos vossos fardos, e eu vos darei descanso. Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de coração, e vós encontrareis descanso (vv. 28-29).

A escravidão no Egito se definia pelas “cargas”, “fardos” (Ex 6,6). Não só os animais, também os homens carregam o “jugo” como sinal e exercício da escravidão. Era um jugo curvo de madeira, apoiando com almofadas sobre os ombros, que servia para transportar cargas equilibradas. O amor de um casal chama se “conjugal” porque ambos se unem para carregar a carga da vida juntos.

A imagem é frequente no AT: pode referir-se à Lei de Deus, escrita ou oral (“jugo da lei” é uma metáfora corrente entre os rabinos, cf. Sf 3,9; Lm 3,27; Jr 2,20; 5,5; Is 14,25; Os 10,11); este jugo nem sempre era sentido como algo pesado ou ofensivo. O termo pode ser aplicado também à sabedoria, cuja aprendizagem é no início jugo, mas no fim “joia” (Eclo 6,24-30; cf. 51,26s; Mt 13,45s) ou ao jugo pesado da tirania estrangeira (Is 10,27; Jr 27,8 etc.; cf. Os 10,11)

Deus como pastor dá descanso (Sl 23), também a sabedoria dá tranquilidade e “descanso” (Eclo 6,28; 51,27; cf. 24,7), mata a fome e a sede (Pr 9,4s; Eclo 24,20-22; 51,24; cf. 15,3; Jo 4,14; 6,34), dá alegria (Eclo 6,28; 15,6), vestimenta da honra e a coroa (Eclo 6, 31; cf. 7,16-18). Por isso, o jugo da sabedoria é “leve”, ela se deixa encontrar porque está perto (Eclo 51,26; Sb 6,12.16), pode-se adquirir de graça (Eclo 51,25).

Em Mt, Jesus chama no lugar da Sabedoria. O Filho de Deus conhece e revela o caminho para Deus, mas este passará pela cruz (cf. 16,24p), porém, pode dar o descanso definitivo porque “tudo foi entregue a ele pelo Pai” (v. 27; 28,18; cf. Ap 14,13). Se o Filho do dono (do universo) é manso e humilde, que sentido faz nos encher de orgulho e soberba desprezando os outros?

O Filho de Deus é “manso e humilde de coração”, expressão clássica dos “pobres de Javé” do AT (cf. Sf 2,3; Is 26,6; Dn 3,87; cf. Mt 5,5; 18,4.10; 20,26-28; 23,8-11). Jesus reivindica a atitude religiosa deles, e por isso arroga a si autoridade para ser o seu mestre de sabedoria, como estava predito a respeito do “servo” de Javé que evangeliza os humildes (Is 61,1s; cf. Lc 4,18; Mt 12,18-21; 21,5). De fato foi para eles que ele pronunciou as bem-aventuranças e felicidades do Reino (Mt 5,3.5) e muitas outras instruções de sua boa nova (evangelho).

Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” (v. 30).

O jugo que Jesus impõe, aceito com amor e levado com sua ajuda, é “leve” particularmente se comparado com as cargas dos fariseus (23,4), porque as observâncias farisaicas sobrecarregavam ainda mais o fardo da lei (23,4; cf. 5,17). Ao legalismo rígido dos fariseus, Jesus contrapõe sua interpretação libertadora da lei, apresentada no sermão da montanha (caps. 5-6). Este inicia com a declaração da felicidade do Reino de Deus nas bem-aventuranças (5,3-12). Simultaneamente com a lei renovada, cujo mandamento maior é o amor (Mt 22,34-40p; cf. 7,12; 23,23), Jesus transmite aos homens a alegria do Reino.

No Concílio de Jerusalém, os apóstolos também não querem sobrecarregar os fiéis com a lei da circuncisão (At 15,10; Gl 5,1), e Paulo incentiva: “Carreguem o peso uns dos outros, assim cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6,2).

O site do CNBB comenta: Existem pessoas que acreditam que a verdade da religião encontra-se num rigorismo muito grande, principalmente no que diz respeito às exigências morais e rituais. Com isso, a religião acaba por ser um instrumento de opressão. Jesus nos mostra que não deve ser assim. Ele veio ao mundo para trazer a libertação do jugo do pecado e da morte e que a verdadeira religião é aquela que liberta as pessoas de todos os pesos que as oprimem na sua existência. O verdadeiro cristianismo é aquele que não está fundamentado na autoridade e na rigidez, mas na humildade e mansidão de coração, por que o seu fundador, Jesus Cristo, manso e humilde de coração, é o Mestre de todo o nosso agir.

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