20 de Junho de 2021,12º Domingo do Tempo Comum: Jesus perguntou aos discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (v. 40).

12º Domingo do Tempo Comum

 1ª Leitura: Jó 38,1.8-11

Nossa leitura foi escolhida em vista do evangelho que fala do domínio divino sobre o mar (vv. 8-11). Depois de muitos diálogos e questionamentos do sofredor Jó com seus amigos (cap. 3-37), Deus começa a responder a Jó. Em total pronuncia três discursos (cap. 38-39; 40,6-41,26; 42,7s) como todos os outros que discursaram antes neste livro.

O Senhor respondeu a Jó, do meio da tempestade, e disse: (v. 1)

O nome de Javé (Yhwh – traduzido por “Senhor”) aparece no livro de Jó apenas nas partes narrativas dos capítulos 1-2 e 38-42. Os discursos entre Jó e seus amigos, nas orações de Jó e no discurso de Eliú foram escritos no estilo da cultura sapiencial internacional da antiguidade e não usavam o nome particular do Deus de Israel.

A partir desse capítulo até o 42, Javé dirige-se a Jó “do meio da tempestade”. Já no cap.3, Jó reclamou e queria falar com Deus para expor seu caso e obter seu direito (cf. também 13,3; 23,3-5; 31,35). Finalmente chegou a resposta de Deus num modo solene à maneira antiga das teofanias de Javé, que manifestava a sua terrível onipotência (Na 1,3; Ez 1,4, cf. Ex 19,16-20).  O tema, sobretudo em forma de tempestade, é comum em salmos e profetas (p. ex. Sl 18,8-16; em Sl 50,3, no pleito com o povo; cf. Sl 76; 77,17-20; 83,16; 97,2-5). A teofania presente é ordenada ao discurso.

  1. Rossi (A falsa religião e a amizade enganadora, p. 181) comenta: Este tipo de manifestação de Deus apresenta-nos um Deus ao mesmo tempo poderoso em majestade e que agita a humanidade para levar adiante sua história da salvação. Que é a nossa visão senão um redemoinho permanente no centro do qual rodopiamos arrastados pelos acontecimentos e padecimentos da vida? É confortável sabemos que Deus está onde os redemoinhos se apresentam. Ninguém pode negar que a história humana seja uma grande e permanente convulsão. É, pois, aí que Deus está conduzindo a história para seus retos desígnios (38,2).

A resposta de Deus foi uma obsessão ao longo da discussão. Finalmente Deus “responde”, mas estranhamente não defende suas ações em relação a Jó, nem responde aos desafios de Jó no que se refere ao motivo por que sofre. Jó quis disputar com Deus. Deus opõe-lhe o mistério da sua sabedoria, expressa em suas obras, perguntando a Jó: “Onde tu estavas quando lancei os fundamentos da terra?” (38,4) e uma série de perguntas semelhantes (em soma são 53 perguntas a Jó; nossa liturgia apresenta só os vv. 8-11). Deus não responde diretamente às perguntas de Jó, mas faz que Jó veja a própria ignorância.

Este discurso se contrapõe ao lamento inicial de Jó, em 3,1-26. Javé Deus cria e organiza o universo, mas não pelo princípio de justiça e retribuição que marcou o pensamento de Jó e seus amigos. Javé, que conhece intimamente o universo, a extensão da terra e do mar, o caminho para a morada da luz e das trevas, o sistema das estrelas, não tem a tarefa de garantir a ética, a economia e a justiça na sociedade. Os sábios autores que escreveram este texto (no séc. 4 a.C.) concluem que a sabedoria tradicional (representada pelos amigos de Jó) e a teologia presa às estruturas do Templo e sob o poder dos sacerdotes, são incapazes de ampliar o sentido da vida e da justiça.

“Quem fechou o mar com portas, quando ele jorrou com ímpeto do seio materno, quando eu lhe dava nuvens por vestes e névoas espessas por faixas; quando marquei seus limites e coloquei portas e trancas, e disse: ‘Até aqui chegarás, e não além; aqui cessa a arrogância de tuas ondas?’” (vv. 8-11).

As perguntas (vv. 4-11) tem o objetivo de colocar Jó em seu devido lugar, ou seja, como mero ser humano que não tem a devida competência para questionara tão radicalmente o gerenciamento divino da criação. A primeira pergunta foi sobre os fundamentos da terra, suas dimensões e bases (vv. 4-7, omitidos pela liturgia de hoje). No Antigo Oriente não se imaginava a terra como planeta redondo girando ao redor do sol, mas como edifício, assentado sobre fundamentos (v. 4), feito segundo medidas preconcebidas (v. 5), com linhas para medir e com colunas sobre suas bases (v. 6).

Para Jó ver sua própria ignorância, Deus questiona Jó a respeito do mar. Por trás do controle da água que se menciona nestes vv. 8-11, está a ideia da criação mediante da vitória de Deus sobre a água como representante do caos personificado que ameaça toda ordem.

O oceano, visto tantas vezes como formidável dragão mitológico, é visto aqui como recém-nascido indefeso: “quando ele jorrou com ímpeto do seio materno”, como se fosse uma cena doméstica em dimensões sobre-humanas (cf. Is 57,20; Sl 93,3). “Quando marquei seus limites”; a mesma palavra hebraica significa limite e lei: passar dos limites é transgressão (arrogância). Paradoxalmente Deus colocou como limite do mar (Sl 104,9; Pr 8,29) a areia que o freia (Jr 5,22).

Deus luta contra os poderes caóticos: “Tu dividiste o mar com teu poder, quebraste as cabeças dos monstros das águas” (Sl 74,13s; cf. Ex 14,15s; Sl 98,10s; 104,6-9; Jó 26,12; 38,8-10). No AT, só Deus tem esse poder.

O mar na sua realidade empírica pode ser força destruidora, incontrolável para o homem (cf. Sl 69,3.16; 107,23-30); águas e ondas podem ser ameaçadoras (Sl 18,5; 32,6; 40,3; 42,8; 46,3-4; 66,12; 69,2-3; 88,18; 130,1; Jó 7,12; 22,11; 27,20; Is 8,7; 30,28; Dn 7,2-3; Jn 2,6; Ap 17,15), é a potência rebelde, caótica, ameaça que só Deus submete e domestica (Sl 93; 104,6-7; etc.)

 

2ª Leitura: 2Cor 5,14-17

Na sequência de 2Cor ouvimos hoje da nova criação pela morte de ressurreição de Cristo.

O amor de Cristo nos pressiona, pois julgamos que um só morreu por todos, e que, logo, todos morreram. De fato, Cristo morreu por todos, para que os vivos não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou (vv. 14-15).

Do amor de Cristo, nasce o apostolado de Paulo e de uma multidão de santos e missionários.

Como Jeremias não conseguiu desistir da palavra de Deus (cf. Jr 20,9), Paulo sente se pressionado pelo amor de Cristo, porque não foi ele que escolheu Cristo, mas foi escolhido do céu (At 9,16; cf. Jo 15,16). O amor de Cristo se impôs na sua vida, de modo que não é mais ele que vive, mas Cristo (Gl 2,20). Anunciar o evangelho de graça, sem cobrar salário, é uma “necessidade que se impõe” a ele (1Cor 9,16-18).

Esta pressa de evangelizar os povos tem seu motivo na morte de Cristo pela humanidade (não apenas pelo povo judeu, por muitos, mas “por todos”. Como na analogia com Adão (Rm 5,12-21), “um só morreu por todos, e que, logo, todos morreram, e que, logo, todos morreram. De fato, Cristo morreu por todos, para que os vivos não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou” (vv. 14-15; cf. Rm 14,7-9).

Pela morte de Cristo morremos ao pecado e ao egoísmo. Vivendo para ele, saímos do fechamento e vivemos de verdade (cf. a simbologia do batismo em Rm 6,4-11): Cristo morto e ressuscitado por nós (por amor) nos oferece sua transcendência (anti-egoísmo) salvadora. Cristo morreu “por todos”, isto é, em nome de todos, como cabeça e representante de toda humanidade. Mas o que tem valor aos olhos de Deus nessa morte é a obediência de amor que ela manifesta, o sacrifício de uma vida inteiramente doada (Rm 5,19; Fl 2,8; cf. Lc 22,42p; Jo 15,13; Hb 10,9-10). Os fiéis, participantes dessa morte pelo batismo (Rm 6,3-6) devem confirmar essa oblação de Cristo pelo seu estilo de vida (Rm 6,8-11).

Assim, doravante, não conhecemos ninguém conforme a natureza humana. E, se uma vez conhecemos Cristo segundo a carne, agora já não o conhecemos assim (v. 16).

A palavra “carne” é traduzida aqui por “natureza humana” (em nossa liturgia), “critérios humanos” (Bíblia do Peregrino) ou “aparências” (Bíblia Pastoral). O significado pode ser: conhecer Jesus de maneira humana, uma alusão à perseguição empreendida por Saulo-Paulo antes da sua conversão: Saulo julgava Jesus com critérios humanos inadequados (pela lei na interpretação dos fariseus, cf. Rm 8,3), o perseguia, até o momento em que, respondendo à sua pergunta “quem és?”, lhe foi revelada a personalidade do “Senhor” (At 9,5). A partir desse momento, Paulo começou a julgar de outra maneira.

Outro significado de “conhecemos Cristo segundo a carne” seria conhecer Cristo histórico antes da sua ressurreição (cf. Rm 1,3; 9,5). Paulo não diz em nenhuma carta que conheceu pessoalmente Jesus de Nazaré assim. Talvez “nós” designe adversários, orgulhosos de ter conhecido Jesus pessoalmente. Paulo afirma que todos, inclusive os que o puderem conhecer (“nós”), devem renunciar a dar importância à proximidade “carnal” com Jesus: vínculos de parentesco, de convívio familiar, de nacionalidade comum (cf. Mc 3,31-35p). De qualquer forma, é a aparição do ressuscitado que funda o apostolado. Os inimigos de Paulo diziam que ele não é apóstolo, porque não foi testemunha ocular da vida terrestre de Jesus, nem lhe conheceu as palavras e atos. Por isso, não podia ser testemunha do Evangelho. No entanto, o apóstolo mostra que o Evangelho não é simples história de Jesus, mas o anúncio de sua morte e ressurreição, que restaura a condição humana, vence a alienação causada pelo pecado e inaugura nova era.

Portanto, se alguém está em Cristo, é uma criatura nova. O mundo velho desapareceu. Tudo agora é novo (v. 17).

Mais uma alusão à ressurreição e ao novo nascimento no batismo (Rm 6,4). A palavra grega ktisis pode significar criação/criatura ou humanidade (cf. Rm 8,19-22). O cristão é criatura, humanidade nova. O “antigo” é a conduta precedente, no caso individual ou o regime do AT, em termos de história de salvação. A “realidade nova” se vislumbra na volta do exílio em Is 43,18-19 e na escatologia em Is 65,17 e na Jerusalém celeste do Apocalipse: “As coisas antigas se foram… Eis que faço nova todas as coisas” (Ap 21,4s).

Deus que já havia criado todas as coisas por Cristo (cf. Jo 1,3), restaurou a sua obra desordenada pelo pecado recriando-a em Cristo (Cl 1,15-20). O centro dessa nova criação (cf. Gl 6,15) que interessa ao universo inteiro (Cl 1,19-20; cf. 2Pd 3,13; Ap 21,1) é o “homem novo” criado em Cristo (Ef 2,15; cf. 1Cor 15,22.45) para uma vida nova (Rm 6,4) de justiça e santidade (Ef 2,10; 4,24; Cl 3,10).

Evangelho: Mc 4,35-41

O evangelho de Mc é mais uma narração de ação do que de palavras. Ouvimos hoje de mais um milagre que demonstra uma epifania (manifestação da soberania divina) de Jesus e a falta de fé dos discípulos. Como é costume no gênero literário de milagres, a versão original (antes de Mc) apresentou uma situação lamentável, a palavra poderosa do taumaturgo (aquele que realiza milagres), constou o milagre e contou a reação das testemunhas; em nosso caso há elementos de exorcismo (cf. 1,23-28; 5,1-20): o mar e o vento se lançam contra as pessoas, Jesus manda calar e eles obedecem. O evangelista Mc modificou o relato deste milagre que falava da soberania de Jesus acrescentando a repreensão dos discípulos (frequente no Ev de Mc).

Naquele dia, ao cair da tarde, Jesus disse a seus discípulos: “Vamos para a outra margem!” Eles despediram a multidão e levaram Jesus consigo, assim como estava na barca. Havia ainda outras barcas com ele (vv. 35-36).

Após o discurso das parábolas proferido de dentro da barca (cf. 4,1), naquele mesmo dia, “ao cair da tarde” (cf. 1,32; 6,47; 14,17; 15,42), Jesus e seus discípulos “despediram a multidão”, que acabara de ouvir o discurso (cf. 6,45), e já partem na mesma barca (que pertence a Pedro? cf. v. 36; Lc 5,3p). O lago de Genesaré (cf. 6,53) tem no máximo 15 km de extensão e 10 km de largura. É chamado na Bíblia o “mar da Galileia” (1,16; 2,13; 3,7; 5,21; 6,46-48) ou o “mar de Tiberíades” (Jo 6,1; 21,1).

Com frequência, o evangelista Mc narra travessias com o barco (5,1.21; 6,45; 8,10). Na introdução deste episódio, Jesus toma a iniciativa e a responsabilidade ao indicar o rumo: “Vamos a outa margem!” (v. 35). O v. 36 pode ser o início do relato anterior a Mc; nele são os discípulos que “levaram Jesus consigo” e “havia outras barcas com ele” que depois, em Mc, não aparecem mais.

“A outra margem” pode significar terra estrangeira onde se situa a Decápole (cf. 5,1-20), uma região de dez cidades gregas ao leste da Palestina. Ir à terra estrangeira, pagã e desconhecida, pode causar dificuldades, turbulências e medo nos discípulos.

Começou a soprar uma ventania muito forte e as ondas se lançavam dentro da barca, de modo que a barca já começava a se encher (v. 37).

O mar na sua realidade empírica pode ser força destruidora, incontrolável para o homem (cf. Sl 69,3.16; 107,23-30); águas e ondas podem ser ameaçadoras (Sl 18,5; 32,6; 40,3; 42,8; 46,3-4; 66,12; 69,2-3; 88,18; 130,1; Jó 7,12; 22,11; 27,20; Is 8,7; 30,28; Dn 7,2-3; Jn 2,6; Ap 17,15). Até aí os pescadores do lago seriam um caso a mais. Mas o mar apresenta outro aspecto no AT: é a potência rebelde, caótica, ameaça que Deus submete e domestica (Sl 93; 104,6-7; etc.)

Jesus estava na parte de trás, dormindo sobre um travesseiro. Os discípulos o acordaram e disseram: “Mestre, estamos perecendo e tu não te importas?” (v. 38).

Não é o cansaço da pregação ou o sono do início da noite, mas a despreocupação soberana que faz Jesus “dormir” como Jonas. Os marinheiros, com medo de naufragar numa grande tempestade, acordaram Jonas que dormia no fundo do navio, dizendo: “Como podes dormir? Levanta-te, invoca teu Deus! Talvez Deus se lembre de nós e não perecemos” (Jn 1,6). Mas o mar só se acalmou quando Jonas foi lançado no mar (e engolido por um peixe; cf. Jn 1,15; 2,1).

Na barca, Jesus está dormindo sobre um travesseiro, ou melhor: na parte de trás do barco, que era mais alta e onde a água ainda não avançou. Os discípulos estão estressados e reclamam usando pela primeira vez no evangelho de Mc o título de “mestre”.

Ele se levantou e ordenou ao vento e ao mar: “Silêncio! Cala-te!” O ventou cessou e houve uma grande calmaria (v. 39).

Jesus se levanta e repreende, como o Senhor Javé a maré dos povos (Is 17,12-13), o mar (Na 1,4) ou o mar Vermelho (Sl 106,9; Ex 14). Assim se revela dominador dos elementos cósmicos (como Deus em Sl 104,7-9). Jesus “ordena”, e os elementos se calam como num exorcismo (cf. 1,25). Na tradução grega do AT, é Deus que “ordena” aos poderes nefastos (LXX Sl 9,6; 67,31; 105,9; 118,21).

Os povos antigos imaginavam as calamidades naturais causadas por demônios (espíritos do vento e do mar, etc.) ou deuses. Ao poder fatal do mar (cf. Sl 95,5; Is 40,12; 51,15; Jr 31,35; Am 5,8; 9,6; Jó 12,15) acrescenta-se ainda a escuridão ameaçadora da noite, mas os elementos obedecem a Jesus (como no relato paralelo de 6,51).

No AT é Deus que salva da calamidade: “Eles gritaram ao Senhor na sua aflição; ele os livrou de suas angústias. Transformou a tempestade em leve brisa e as ondas emudeceram” (Sl 107,28s; cf. Sl 69,2s.152; 18,16s; 32,6; 46,3s; 65,8; Is 43,2). Também é Deus que luta contra poderes caóticos: “Tu dividistes o mar com teu poder, quebrastes as cabeças dos monstros das águas” (Sl 74,13s; cf. Ex 14,15s; Sl 98,10s; 104,6-9; Jó 26,12; 38,8-10). No AT, só Deus tem esse poder. Também no mundo greco-romano, não há nenhum relato mítico em que um homem com poderes divinos acalma uma tempestade. Em nosso evangelho, este poder divino é atribuído a Jesus que realiza este milagre por conta próprio, nem com oração como na história de Jonas.

Então Jesus perguntou aos discípulos: “Por que sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?” (v. 40).

A repreensão de Jesus é dura. Mas qual é a falta dos discípulos? Dirigir-se ao mestre numa situação de emergência? É a sua covardia pensando unicamente em si, sem a disposição de partilhar o perigo com Jesus. A situação se repetirá na sua fuga quando Jesus for preso (14,50s). Já a reação de Pedro ao anúncio da paixão respira o mesmo medo (cf. 8,32s). Em Ap 21,8, os covardes serão condenados ao lado dos descrentes (cf. 2Tm 1,7; Jo 14,1). Para a comunidade de Mc (no meio de uma guerra dos judeus contra os romanos no ano 70 d.C., cf. cap. 13), os discípulos medrosos são espelho e servem de exemplo para não cair na mesma descrença.

Eles sentiram um grande medo e diziam uns aos outros: “Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?” (v. 41).

Os discípulos entrevem em Jesus um poder sobre-humano, superior aos ventos (Sl 104,4) e as águas (Sl 104,3.6-9). Aos presentes a uma manifestação divina, convém “grande medo” (cf. 9,6; 16,8). A pergunta dos discípulos quer ser respondida pelos leitores do evangelho: “Quem é este…?”. No contexto do evangelho, Pedro dará uma resposta provisória (8,29), mas só depois da cruz haverá resposta definitiva (15,39), confirmando o título do Evangelho (1,1) e a voz do céu (1,1; 9,7).

Além da dimensão cristológica que mostra aqui o poder divino em Jesus, temos a dimensão eclesiológica, ou seja, da Igreja, que na interpretação do texto sempre se identificava com a barca. Na antiguidade, a barca podia ser símbolo da alma (no mar da vida), e o navio símbolo do estado. Como a Igreja nasce na comunidade dos primeiros discípulos que eram pescadores, facilmente se vê na barca de Pedro a própria Igreja (com o papa no comando), e aqui no texto, a comunidade com medo das consequências do seguimento.

Com um novo contexto em Mt 8,18-22, o relato paralelo de Mt 8,23-27 relaciona a tempestade com as dificuldades e o medo dos discípulos ao seguirem Jesus, deixando o lar e a família e vivendo sem segurança econômica. A fé é fraca quando não se seguem obras (cf. Tg 2,14-26), mas também quando os discípulos não confiam no poder e na presença do Senhor que parece despreocupado, dormindo ou ausente (cf. 1Rs 19,11-13). Portanto, fé é quando a comunidade se aproxima mais ao Senhor e confia ser sustentada por ele. O evangelho de hoje, como outro de 6,55-52p (Jesus ausente e depois andando sobre o mar), testemunha a presença do Senhor mesmo nas maiores dificuldades.

O site do CNBB comenta: Existem muitas coisas na nossa existência que nos deixam com medo, desde coisas simples, como o medo de insetos inofensivos, até coisas verdadeiramente terríveis, que podem em questão de segundos aniquilar a nossa vida, como é o caso de terremotos ou guerras nucleares. Além disso, temos os nossos fantasmas que criamos e que nos metem medo, como por exemplo o medo de escuro ou de almas do outro mundo. Mas existem pessoas que possuem também um medo muito grande do próprio Deus, e isso acontece porque não foram capazes de descobri-lo como amor e de buscarem um relacionamento amoroso com ele, fazendo do próprio Deus um fantasma a mais nas suas próprias vidas.

 

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