20 de setembro de 2016 – Terça-feira, 25ª semana

Leitura: Pr 21,1-6.10-13

A leitura da hoje apresenta um trecho da segunda parte do livro dos Provérbios (10,1-22,16), a grande coleção salomônica (“Provérbios de Salomão”, 10,1; cf. 1Rs 5,12). Temos aqui, provavelmente, a parte mais antiga do livro. Não há nenhuma ordem aparente no conteúdo nesta coleção, somente algumas aproximações por vezes exteriores.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 789s) comenta: Esta parte do livro foi talvez elaborada no tempo do rei Josias (cerca de 620 a. C.; cf. 2Rs 22-23), reunindo provérbios de diversas épocas e ambientes, sobre vários assuntos, a respeito da sabedoria e do modo justo de proceder. São apresentados como “provérbios de Salomão” (10,1), o patrono dos sábios em Israel. Era tempo de transição: o império assírio havia caído e estava surgindo o império babilônico. Os provérbios querem animar o povo de Israel, que havia sofrido a violência da invasão estrangeira, recordando que os justos não sofrerão mais a violência e a morte.

A partir de 16,1, estes provérbios foram produzidos, na sua maioria, com uma técnica chamada de “paralelismo sintético”, ou “paralelismo progressivo”: a segunda parte prolonga ou desenvolve o pensamento da primeira, com nova ideia ou observação.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 803) comenta: Mais que nos capítulos anteriores, aqui se insiste na importância da prática da justiça como expressão do temor de Javé. São provérbios criados em ambientes e circunstâncias diferentes, desde a vida prática do povo pobre até os palácios de reis e tribunais de juízes, … com os mesmos temas: a riqueza como fruto da injustiça (16,8; 17,1; 20,21; 21,6), o pobre dominado pelos ricos (18,23; 22,7), Deus como protetor dos pobres (21,13; 22,9.16).

O coração do rei nas mãos do Senhor é como água corrente; ele o dirige para onde quer (v. 1).

O provérbio une uma visão ideal do rei e uma afirmação da soberania divina (cf. 1Sm 10,7). O canal de “água corrente” é dócil e fecundo (16,15; 19,12), e assim é o rei (Is 32,2). Este provérbio, que vê o papel do rei tal positivamente,deve ter surgido na educação da corte real.

O homem pensa que o seu caminho é sempre reto, mas é o Senhor quem sonda os corações (v. 2).

Como Deus dirige o coração do rei, assim sonda o coração de todo ser humano (cf. 16,2). Como ilustração, pode-se ver a ruptura entre Saul e Samuel na sequência 1Sm 13,13 com 15,20.23.

Praticar a justiça e o direito é mais agradável ao Senhor do que os sacrifícios (v. 3).

Em todo o AT encontra-se essa insistência sobre a retidão do coração, condição de toda observância ritual, principalmente na pregação profética (cf. Am 5,22s; Os 6,6; Is 1,10-20; Jr 7,21-23). Concorda com 15,8 e Eclo 34,18-35,10 o desenvolve. Justiça e direito no convívio humano são mais importantes do que os rituais de sacrifícios (cf. Mc 12,28-34p).

Olhar arrogante e coração orgulhoso, a lâmpada dos malvados não é senão o pecado(v. 4).

É enigmática a conexão das duas partes e a tradução da segunda: o texto hebraico le: “a lavoura (nir) dos ímpios é pecado”, mas o texto não é seguro(cf. Os 10,13). A Bíblia do Peregrino (p. 1460s) lê e comenta: “O pecado é o sulco dos perversos.“ “Sulco” é metáfora de trabalho, ocupação. Pode-se conjeturar o pecado de soberba e o pecado de ambição. Outros corrigem (como nossa liturgia) e lêem “lâmpadas”, sem melhorar o sentido: “a lâmpada (ner) dos malvados ímpios é pecado”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1264) lê: “A ostentação dos maus: tudo isso é o pecado.”

Os projetos do homem aplicado produzem abundância, mas todos os apressados só alcançam indigência (v. 5).

Este provérbio opõe diligência à precipitação. Em economia, não vale a proporção “tempo é dinheiro”, a mais velocidade corresponde mais lucro. Eficácia e ética impõem certos limites. O rabino místico polonês, Israel ben Eliezer (Baal Shem Tov, séc. 18) disse: “Quem semeou alarme colheu arrependimento, quem agiu com sossego acabou com seu talento”.

Tesouros adquiridos com língua mentirosa são ilusão passageira dos que procuram a morte (v. 6).

Este provérbio alerta contra a fraude nos negócios. O texto hebraico diz “procuradores de morte”; com ligeira correção, a versão grega lê “laços mortais” como em 13,14 e 14,27. Em ambos os casos, as consequência são extremas. ShemTov disse: “Quem de maus rendimentos quer suas sacolas cheias, de boa segurança esvaziará suas veias”.

A alma do malvado deseja o mal, ele olha sem piedade para o seu próximo (v. 10).

O perverso orientou estavelmente sua tendência vital para o mal. Não tem lugar para a piedade com o necessitado.

Quando se castiga o zombador, aprende o imbecil, e quando o sábio é instruído, ele adquire mais saber (v. 11).

Há duas alternativas de entender este provérbio: a) com antítese: o sábio aprende, sem necessidade de correção; b) com sinonímia: o imbecil aprende, com a correção (castigo) e com o exemplo (cf. a série de 19,25.28.29; 20,1).

O justo observa a casa do ímpio e leva os ímpios à desgraça (v. 12).

Quem é este“justo”? Pode ser um homem honrado que observa o fracasso do perverso; pode ser Deus, que observa e precipita (cf. Sl 73,18s). A maioria dos comentadores veem no justo, aqui, o próprio Deus. Mas nada impõe esta interpretação: parece que o sentido é outro: o homem justo, especialmente quando autoridade, não pode ficar indiferente diante das tramas dos maus; cabe-lhe impedir que tenham êxito.

Quem tapa os ouvidos ao clamor do pobre, também há de clamar, mas não será ouvido (v. 13).

Quem se fecha diante do grito dos pobres, não será atendido na própria miséria (cf. a parábola de Lázaro e do rico em Lc 16,19-31). Os verbos da segunda parte se referem a Deus: quando gritar a Deus, não será ouvido por Deus. É uma espécie de castigo do talião (cf. Dt 15,7-11; Tg 2,13); em forma positiva, cf. 19,17 (no NT: a bem-aventurança da misericórdia emMt5,7; cf. Mt 6,14s). O AT incentiva a prática da esmola (cf. Tb 4,7-11; 12,8-10; Eclo 3,30; 4,1-6; 29,12 etc.; cf. Mt 6,1-4; 25,31-46; 1Jo 3,17).

Evangelho: Lc 8,19-21

No evangelho de hoje, Lc apresenta-nos a família espiritual de Jesus. Depois da escolha dos doze (6,12-16) e a incorporação de mulheres ao grupo (8,2-3), cabe agora à família?

Mc e Mt colocam este episódio antes do discurso em parábolas (Mc 3,31-35; Mt 12,46-50). Lc o desloca porque o considerou próprio para conclusão de seu pequeno conjunto sobre o ensinamento parabólico de Jesus (cf. vv. 15 e 21). Lc particulariza, na linha do discurso precedente, que é preciso “ouvir a palavra” com fé para “pôr em prática” (v. 21; cf. 6,47). Ele voltará a este ponto a respeito da mãe de Jesus (cf. 11,28).

A mãe e os irmãos de Jesus aproximaram-se, mas não podiam chegar perto dele, por causa da multidão. Então anunciaram a Jesus: “Tua mãe e teus irmãos estão aí fora e querem te ver” (vv. 19-20).

Lc já dedicou a Maria um lugar predominante na etapa da infância; agora ela aparece em público. Os “irmãos de Jesus” são mencionados aqui e em At 1,14. Na Bíblia, como ainda hoje no Oriente, a palavra “irmãos” pode designar tanto os filhos da mesma mãe (interpretação protestante), como os parentes próximos (interpretação católica; cf. Gn 13,8; 14,16; 29,15; Lv 10,4; 1Cr 23,22). Parece que os parentes só querem vê-lo, saudá-lo. Lc não diz que os familiares de Jesus vêm com a intenção de se apoderar dele (Mc 3,21).

Jesus respondeu: “Minha mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a Palavra de Deus, e a põem em prática”(v. 21).

A Bíblia do Peregrino (p. 2480s) comenta: Ora, com perfis ásperos, o vínculo familiar é usado como símbolo para expressar o mistério da nova família que Jesus está fundando, na qual se sublimam as relações naturais. A palavra de Deus contém e comunica fecundidade, maternidade. Foi a palavra plenamente aceita que tornou Maria mãe. Ao crescer na família, a palavra cria e mantém o espírito de fraternidade. Jesus suspendeu o vínculo paterno humano para atender à casa ou as coisas do Pai (cf. 2,41-49). Seguindo seu exemplo, é possível fazer parte da nova casa do Pai. Toda comunidade cristã deve ser materna e fraterna.

Jesus constitui, com seus discípulos, uma família espiritual, cuja origem única é o Pai celeste que comunica a Palavra. Importante também o papel do Espírito, que inspira a Palavra, fecunda Maria e inicia a pregação dos apóstolos em Pentecostes (At 2). Paulo salienta que somos filhos adotivos de Deus através do Espírito (que clama em nós “Abba”) e não através da carne (cf. Rm 8,13-17; Gl 4,4-7).

Na exortação apostólica Verbum Domini de Bento XVI (cf. VD 27-28.66.124), Maria é chamada “Mãe da Palavra” (que é Cristo; cf. Jo 1) e “Mãe da Fé” (nossa resposta à palavra de Deus), além de “Mãe do Silêncio” (guardar a palavra no coração; cf. Lc2,19.51) e “Mãe da Alegria” (cf. Lc 1,46-47).

O site da CNBB comenta: Existem muitas pessoas que querem demonstrar-se religiosas, mostrar a todos que participam da vida da Igreja e têm amizade com o clero e até usam dos cargos e funções sociais para conseguir isso. Porém, essas pessoas querem apenas se promover, não querem nenhum compromisso com o Evangelho e com o Reino de Deus. A atitude de Jesus nos mostra quem é importante para ele: aquele que ouve a Palavra de Deus e a coloca em prática, aquele que é capaz de amar, perdoar, partilhar, acolher, socorrer, consolar, compreender, ensinar, comprometer-se, doar-se, reunir, celebrar, orar, ser feliz com os que são felizes, chorar com os que choram, são empáticos, solidários, vivem o amor de Deus.

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