21 de Janeiro de 2019, Segunda-feira: Os discípulos de João Batista e os fariseus estavam jejuando. Então, vieram dizer a Jesus: “Por que os discípulos de João e os discípulos dos fariseus jejuam, e os teus discípulos não jejuam?” (v. 18).

Leitura: Hb 5,1-10

Na segunda secção (4,15-5,10) sobre o sumo sacerdote Jesus (cf. 2,17; 3,1), o autor anônimo desta carta (ou “exortação”, 13,22) escreve sobre o sacerdócio não só a respeito da união com Deus, mas da solidariedade com os seres humanos. Ele apresenta uma definição de “todo sumo sacerdote” (vv. 1-4), aplicando-a em seguida a Cristo (vv. 5-10).

Hb é o único escrito no NT que declara Jesus sumo sacerdote. Na época, ninguém levava a ideia de Jesus como sacerdote. Ele não pertencia à classe dos sacerdotes (o sacerdócio do AT era hereditário), era operário e depois visto como profeta e mestre (cf. Mc 4,38; 6,15; 8,27-29). Nas suas palavras e ações rejeitava as preocupações com a pureza ritual (Mc 15-17p; 7,1-23) e recusou-se a dar valor absoluto ao repouso sagrado no dia de sábado (Mt 12,1-13; Jo 5,16-18; 9,16; cf. Mt 9,13; 12,7). Nem o fato de Jesus sacrificar a própria vida foi considerada sacerdotal, porque não aconteceu num lugar santo; foi o contrário, a execução de um subversivo, condenado pelo sumo sacerdote em oficio, Caifás, chefe do sinédrio em Jerusalém (Lc 3,2; Mc 14,60s; Jo 18,13.24). A morte na cruz foi vista como maldição (cf. Dt 21,23; Gl 3,13), ao contrário da bênção que se atribuía ao cumprimento de um sacrifício ritual.

Todo sumo sacerdote é tirado do meio dos homens e instituído em favor dos homens nas coisas que se referem a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. Sabe ter compaixão dos que estão na ignorância e no erro, porque ele mesmo está cercado de fraqueza. Por isso, deve oferecer sacrifícios tanto pelos pecados do povo, quanto pelos seus próprios (vv. 1-3).

Para demonstrar Jesus como sumo sacerdote, o autor de Hb se restringe aos elementos essenciais do antigo sacerdócio; nada sobre o ritual da consagração de sumo sacerdote (banho, unção, vestes sagradas, imolação de animais, cf. Ex 29; Lv 8), apenas a expressão mais vaga possível: “Todo sumo sacerdote … é constituído” (v. 1; cf. 8,2).

Não se trata de uma definição completa de sumo sacerdote; deixa de lado o aspecto da autoridade que foi colocado em 3,1-6. Aqui insiste unicamente no aspecto da solidariedade. “Todo sumo sacerdote é tirado do meio dos homens e instituído em favor dos homens nas coisas que se referem a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados” (v. 1). Todo sacerdote é intermediário entre Deus e os homens e atua através de rituais de celebrações e sacrifícios (diferente de um profeta que fica com a palavra); ele recebe as oferendas do povo, preside o sacrifício e devolve a bênção de Deus (cf. Nm 6,22-27). O sumo sacerdote não pode ser um anjo, mas pertence a mesma raça humana, com suas fraquezas e seus pecados. Como ser humano, o sumo sacerdote entende a fraqueza do povo e “deve oferecer sacrifícios tanto pelos pecados do povo quanto pelos seus próprios” (v. 3; cf. Lv 9,7s; 16,6.11).

No Antigo Testamento (AT) se preocupava muito mais em marcar as separações para assegurar melhor a relação entre o sumo sacerdote e Deus (cf. Dt 32,9). Exigia-se a severidade contra os pecadores, a recusa de qualquer comprometimento com eles (cf. o zelo violento dos levitas em Ex 32,25-29 e de Fineias em Nm 25,6-13). Longe estava a ideia de indicar a humildade como caminho para o sacerdócio, pelo contrário, celebrava-se a extraordinária dignidade do eleito de Deus (Eclo 45,6-13; 50,5-11). Para chegar a isso, muitos ambiciosos não recuaram diante de nenhum meio (cf. 2Mc 4). Mas era implícito que o sumo sacerdote também era pecador (Ex 32,1-4; cf. em Nm 12, Míriam foi castigado, mas Aarão não, embora tivesse o mesmo pecado).

Ninguém deve atribuir-se esta honra, senão o que foi chamado por Deus, como Aarão (v. 4).

Para ser sacerdote é mister um chamado de Deus. Aarão, o irmão de Moises, é o modelo do sumo sacerdócio, ele foi “chamado por Deus” e consagrado por Moises (Ex 40,12-15).

Ninguém se torna sumo sacerdote por si mesmo, elevando se orgulhosamente acima dos outros homens…; ao contrário, o acesso ao sacerdócio exige uma humildade perante Deus, atitude da qual o sacerdote permanece unidos aos outros homens… Uma análise mais atenta dos textos bíblicos permitia discernir que a solidariedade com os homens era uma exigência para o exercício do sacerdócio e que o próprio Deus havia barrado o caminho aos orgulhosos (Nm 16-17). O autor de Hebreus releu os textos antigos à luz da Paixão de Cristo, descobrindo esses aspectos (Vanhoye, pág. 62.65).

Deste modo, também Cristo não se atribuiu a si mesmo a honra de ser sumo sacerdote, mas foi aquele que lhe disse: “Tu és o meu Filho, eu hoje te gerei”. Como diz em outra passagem: “Tu és sacerdote para sempre, na ordem de Melquisedec” (vv. 5-6).

Neste último ponto de humildade (v. 4), Cristo se mostrou solidário com os homens, “não se atribuiu a si mesmo a honra” (lit.: não se glorificou a si mesmo) de ser sumo sacerdote, foi Deus, seu Pai que constituiu, como testemunha a Escritura através de dois Salmos: “foi aquele que lhe disse: Tu és meu Filho, eu hoje te gerei” (v. 5; cf. 1,5; Sl 2,7). Este Salmo 2 pertencia a liturgia da posse do novo rei em Israel: o sumo sacerdote ungiu o rei e o declarou Filho de Deus (cf. 1Rs 1,39; 2Sm 7,14). O Cristo é o messias (rei ungido), descendente de Davi. Em Jerusalém, o rei Davi atuava também como sacerdote (2Sm 6,14s). Mas Davi era da tribo de Judá, não da tribo sacerdotal de Levi, a qual Moises e Aarão pertenciam. Por isso recorre-se a outra ordem do sacerdócio no Sl 110/109 (salmo responsorial de hoje): “Tu és sacerdote para sempre na ordem de Melquisedec” (v. 6 citando Sl 110,4). Melquisedec era rei de Salém e “sacerdote do Altíssimo” (anterior a Aarão) que abençoou Abraão e lhe ofereceu pão e vinho. E Abraão, por sua vez, entregou-lhe o dízimo (Gn 14,18-20).

Assim Melquidesec era uma figura que servia para os judeus reconhecerem certo sacerdócio ao rei Davi e seus sucessores e seu direito de receber o dízimo do povo. Mas para os cristãos, Melquisedec prefigura o sacerdócio de Cristo (sem genealogia, cf. cap. 7) e podia ser associado ao sacrifício de Cristo (pão e vinho da Eucaristia).

Cristo, nos dias de sua vida terrestre, dirigiu preces e súplicas, com forte clamor e lágrimas, àquele que era capaz de salvá-lo da morte. E foi atendido, por causa de sua entrega a Deus. Mesmo sendo Filho, aprendeu o que significa a obediência a Deus por aquilo que ele sofreu (vv. 7-8).

Aqui o autor descreve de forma mais precisa o caminho da humildade e solidariedade humana que conduziu Jesus ao sacerdócio. Evoca a paixão de Cristo. Apesar de Jesus ser o messias, “Filho” (v. 8) de Deus, “dirigiu (lit.: ofereceu, apresentou) preces e súplicas com forte clamor e lágrimas” (cf. sua agonia no monte das Oliveiras em Lc 22,44p e seus gritos na cruz em Mc 15,34.37). Nesta situação, realmente estava “cercado de fraqueza” (v. 2), situação que todo sumo sacerdote deve aceitar para tornar-se capaz de verdadeira compaixão.

Mas o papel do sumo sacerdote não consiste simplesmente em assumir sua parte da miséria humana. Consiste sobretudo em transformar essa situação por meio de uma oferenda de sacrifício. Esse aspecto de oferenda não falta no caso de Cristo, da mesma forma que a transformação operada: Cristo “apresentou” e “foi atendido” (Vanhoye, 63).

O que Jesus apresentou? Suas “preces e súplicas com forte clamor e lágrimas”, todos os dramáticos acontecimentos no Calvário que colocavam em jogo a sua vida e sua obra (cf. Mt 27,40) transformaram-se em matéria de oferenda. Sem nos dizer o conteúdo dessas preces, o autor de Hb as apresenta como autêntica oração dirigida “àquele que era capaz de salvá-lo da morte”. A oferenda do Filho agradou ao Pai e o curso dos acontecimentos foi transformado, mas de forma paradoxal: foi morrendo que Cristo triunfou sobre a morte (cf. 2,9.14; At 2,24s; Jo 12,27s; 13,31s; 17,5; Fl 2,9-11). O acontecimento não foi transformado por fora por uma intervenção divina e miraculosa, mas por dentro, devido a “obediência” e “entrega” (lit. submissão, ou seja, temor de Deus) de Cristo à ação transformadora de Deus.

A prece de Jesus em agonia desembocou na união das duas vontades (Mt 26,42p; cf. Hb 10,9-10) e resultou numa obra comum: o Pai atende o Filho, ao mesmo tempo que o Filho cumpre a vontade do Pai. Assim o autor de Hb descreve a Paixão de dois modos aparentemente contraditórios, mas na verdade complementares: como uma súplica atendida e como dolorosa obediência. Cristo apresentou “súplicas… e foi atendido” e, ao mesmo tempo, “apreendeu… a obediência pelo que sofreu”. Assim o autor revela o mistério de Cristo, que é fonte e luz para nossa oração também. Fé é confiança e obediência a Deus, à sua palavra, e “entrega a Deus”.

Mas, na consumação de sua vida, tornou-se causa de salvação eterna para todos os que lhe obedecem. De fato, ele foi por Deus proclamado sumo sacerdote na ordem de Melquisedec (vv. 9-10).

A paixão, vista como sublime prece e mais sublime ato de obediência, ou seja, a “entrega” da sua vida é o sacrifício redentor. Aqui temos o resultado da oferenda obediente de Jesus: ele faz dele um sumo sacerdote perfeito.

Não houve somente transformação do acontecimento (em vez do escândalo da cruz o triunfo da ressurreição), mas, no seio do acontecimento, a própria humanidade de Jesus foi transformada também. Cristo, “na consumação de sua vida” (lit. levado a perfeição, cf. 2,10; Jo 19,30), “tornou-se causa de salvação eterna para todos que lhe obedecem”, ou seja, tornou-se o mediador perfeito.

Cristo levou além de qualquer limite sua obediência ao Pai e sua solidariedade para com seus irmãos; assim, ele levou sua relação com Deus e sua relação com os homens a uma perfeição insuperável, selando a união dessas duas relações no mais profundo do seu ser (Vanhoye, 64).

Assim o autor de Hb termina a primeira parte da sua ousada demonstração que deveria completada por uma reflexão sobre o acontecimento e confirmação por uma palavra explícita de Deus. O salmo 110 é reconhecido pela Igreja como messiânico que proclama a glorificação de Cristo (cf. Mc 12,35-37; 14,62p; etc.). Basta passar do v. 1 (citado em Hb 1,13) para o v. 4 do mesmo salmo, para mostrar que Cristo entronizado “à direita“ de Deus (Sl 110,1), também foi proclamado “sacerdote para sempre na ordem de Melquisedec” (Sl 110,4) pelo mesmo Deus. Assim, o oráculo profético de Sl 110 se cumpriu. Pela sua solidariedade humilde, Cristo chegou ao sacerdócio.

Evangelho: Mc 2,18-22 

Nos dias anteriores, ouvimos sobre o perdão e a cura do paralítico (vv. 1-12) e o banquete na casa do cobrador de impostos, Levi (vv. 13-21). Hoje se apresenta a terceira controvérsia em Mc, desta vez sobre o jejum, tradicionalmente praticado por lei ou por devoção, como expressão de arrependimento, humildade ou luto (cf. Zc 7,3-5; Jl 2,12–17 e a crítica em Is 58; Mt 6,16-18).

Os discípulos de João Batista e os fariseus estavam jejuando. Então, vieram dizer a Jesus: “Por que os discípulos de João e os discípulos dos fariseus jejuam, e os teus discípulos não jejuam?” (v. 18).

Não só os fariseus, também os discípulos de João Batista se surpreenderam com o estilo de vida de Jesus e seus discípulos (cf. Mt 11,2s.19p) e querem saber o porquê (v. 18). João Batista já estava preso (1,14), depois morto (6,16-29), mas seus discípulos continuavam ser um grupo considerável em Palestina e nos países vizinhos (em Éfeso, cf. At 19.1-7), uma certa concorrência aos cristãos que precisava ser esclarecida (cf. 9,13p; 11,30-33p; Mt 11,2-19p; 17,10-13p; Lc 1-2 e o testemunho em Jo 1,6-8.15.19-35; 3,22-30). A ascese do Batista no deserto (1,6) está em contraste com as refeições de Jesus nas cidades (2,15-17; Mt 11,18s; Lc 7,33-36; 14,1; 15,1s etc.).

No judaísmo existiam o jejum público (Jl 2,12-17; Jn 3) e individual (privado, cf. Mt 6,16- 18) e se distinguia o jejum ordenado pela Lei (no dia da expiação: Lv 16,29; 23,26-32) do jejum voluntário do qual se trata aqui. Os escribas tinham discípulos, os fariseus (como partidários) não, mas a maioria dos escribas eram fariseus.

Jesus respondeu: “Os convidados de um casamento poderiam, por acaso, fazer jejum, enquanto o noivo está com eles? Enquanto o noivo está com eles, os convidados não podem jejuar. Mas vai chegar o tempo em que o noivo será tirado do meio deles; aí, então, eles vão jejuar” (vv. 19-20).

Bem no estilo dos mestres do judaísmo (rabinos), Jesus responde com outra pergunta comparando-se a um “noivo” na festa de casamento (v. 19; cf. Ct 5,1). No AT, Javé Deus é o esposo de Israel, com quem selou aliança (cf. Os 2,16-25; Is 54 etc.). O messias é noivo, esposo da nova aliança (Mt 22,1-14; 25,1-13; Ap 19,7-9; 21,1.9). João Batista não era o esposo nem o messias (cf. Jo 3,28s). Os discípulos de João ainda estão na velha mentalidade da penitência e não descobrem que a festa já começou pela proximidade do Reino que Jesus representa (1,15).

Mas “vai chegar o tempo” (indica algo escatológico, cf. Lc 17,22; 21,6; Jr 16,14; 19,6; 23,5; 28,52; 38,27 etc.), “em que o noivo será tirado” (v. 20), ou seja, o fim trágico da morte de Jesus (cf. Is 53,8; Gn 5,24). É o primeiro anúncio, ainda indireto, da paixão em Mc (explícito em 8,31; 9,31; 10,33-34). Em Jo 16,16-24, alegria e luto são contrapostos.

“Aí, então, eles vão jejuar” (v. 20). Sabemos pouco sobre o jejum na Igreja primitiva (cf. At 13,2s; 14,23; cf. variações de texto em Mc 9,29; 1Cor 7,5; At 10,30). Em Didaqué 8 (séc. II) introduz-se um jejum na comunidade todas as quartas e sextas-feiras, contrastando o jejum tradicional na sinagoga nas segundas e quintas-feiras. Tertuliano e Hipólito (séc. III) mencionam um tempo de jejum antes da Páscoa (quaresma).

Na Igreja Católica hoje, há dois dias de jejum obrigatório (não para criancinhas, idosos e doentes): a Sexta-feira Santa é o “dia em que o noivo foi tirado”, ou seja, o dia da morte de Jesus é o dia de jejum e abstinência. Outro dia desse é a Quarta-feira de Cinzas que lembra a morte como condição humana, no início da Quaresma. Nas outras sextas-feiras (e também quartas), os católicos são convidados a fazerem sacrifícios, mas o jejum pode ser substituído por esmola, oração etc.

Ninguém põe um remendo de pano novo numa roupa velha; porque o remendo novo repuxa o pano velho e o rasgão fica maior ainda. Ninguém põe vinho novo em odres velhos; porque o vinho novo arrebenta os odres velhos e o vinho e os odres se perdem. Por isso, vinho novo em odres novos” (vv. 21-22).

A resposta ainda apresenta uma comparação dupla no estilo sapiencial. O casamento inaugura uma vida nova, não é um tapa-buraco, por isso “ninguém põe um remendo de pano novo numa roupa velha” e “ninguém põe vinho novo em odres velhos” (cf. Jó 32,19; Js 9,4; cf. a versão no evangelho apócrifo de Tomé 47 e Lc 5,39; Eclo 9,10).

As imagens das vestes e do vinho combinam com o símbolo do casamento. As instituições velhas não podem conter o amor do noivo Jesus, há de começar algo novo, uma família nova, uma aliança nova (cf. Gn 2,24). Jesus não é um profeta ou letrado a mais (cf. 1,22), ele traz algo novo (o reino de Deus, cf. 1,15) que tornará “antiquada” a antiga aliança: “o antigo passou, chegou o no(i)vo” (cf. 2Cor 5,17; Hb 8,13; Ap 21,5).

A conclusão “por isso, vinho novo em odres novos” pode ser um anexo de Mc que quer dizer a seus leitores que precisam de novas formas para a vida religiosa, a dos fariseus não presta mais (cf. 7,3s.19).

O site da CNBB resume: Em todas as épocas, as pessoas sempre valorizaram as práticas religiosas, e, entre essas práticas, o jejum. Na época de Jesus, não era diferente. Por isso, os fariseus procuram Jesus e o questionam sobre a prática do jejum por parte dele e dos seus discípulos. Jesus nos mostra que as práticas religiosas só têm sentido enquanto são manifestações do relacionamento que temos com Deus, e que o Novo Testamento apresenta essa grande novidade em relação ao Antigo. Assim, percebemos que Jesus veio nos trazer algo realmente novo, e não apenas colocar rótulos novos nas coisas velhas que já existiam antes da sua vinda ao mundo.

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