21 de maio de 2018, segunda-feira: Quem dentre vós é sábio e inteligente? Que ele mostre, por seu reto modo de proceder, a sua prática em sábia mansidão

Leitura: Tg 3,13-18

Depois da instrução sobre o uso da língua (vv. 1-12), a leitura de hoje retoma o tema da sabedoria enunciado em 1,5. A carta apresenta a sabedoria terrena (vv. 14-16) e a sabedoria do alto (vv. 17-18). Caracteriza as duas sabedorias com vários qualificativos. A oposição é extrema, sem matizes.

Quem dentre vós é sábio e inteligente? Que ele mostre, por seu reto modo de proceder, a sua prática em sábia mansidão (v. 13).

“Quem de vós”; trata-se da comunidade (cf. 1Cor 1,26), portanto, a questão diz respeito, sobretudo, aos que ensinam (3,1). A sabedoria se conhece pelos seus frutos (cf. 1,22-25; 2,14-26).

“Sábio e entendido (inteligente)” era fórmula corrente da época. Deve se verificar por um proceder reto, uma mansidão na aplicação (cf. 1,21; 1Pd 3,4.15s; Mt 5,4; 11,29). Violência não é argumento válido (cf. Jo 18,22s). Violência é o contrário de direito. Quem tem razão, não grita.

Mas se fomentais, no coração, amargo ciúme e rivalidade, não vos glorieis nem procedais em contradição com a verdade. Essa não é a sabedoria que vem do alto. Ao contrário, é terrena, materialista, diabólica! Onde há inveja e rivalidade, aí estão as desordens e toda espécie de obras más (vv. 14-16).

Como a sabedoria (sensatez, inteligência) na Bíblia é prática, é arte ou habilidade, pode aplicar-se também ao mal: “são hábeis para o mal” (Jr 4,22); “há uma astúcia hábil a serviço da injustiça” (Eclo 19,25). Distingue-se por seus frutos, especialmente concórdia (v. 17) ou “ciúme e rivalidade” (cf. 4,1; 1Cor 3,3; Ef 4,3). A sabedoria do falso doutor é ligada ao mundo do pecado e à mentira contra verdade.

Ela é “terrena”, ou seja, ao rés do chão, sem abertura a uma inspiração transcendental. É “animal” (cf. 1Cor 2,14; psíquico; materialista), isto é, de tipo biológico ou instintivo. É “demoníaca” (1Tm 4,1), porque não é controlada pela razão superior e fica exposta ao manejo de poderes inferiores; como a “astúcia” da serpente, que seduz Eva, quando esta prescinde da palavra de Deus e cede ao “desejo”.

Por outra parte, a sabedoria que vem do alto é, antes de tudo, pura, depois pacífica, modesta, conciliadora, cheia de misericórdia e de bons frutos, sem parcialidade e sem fingimento (v. 17).

A sabedoria que vem “do alto” (cf. 1,5.17) recebe vários predicados, alguns dos quais se encontram em Sb 7,22. Como a palavra da verdade (1,18; 5,19), produz frutos da paz (v. 18; cf. Mt 5,9; Fl 1,11; Hb 12,11; 1Pd 3,10s), piedade (misericórdia, cf. 2,13) e mansidão. É pura, sem segundas intenções, fingimentos e hipocrisia (cf. Mt 5,8; 6,1-18; 23). O autor já alertou contra a parcialidade e o favoritismo (cf. 2,1-9). A tradução latina (Vulgata) acrescenta: “aprovado o que é bom”.

O fruto da justiça é semeado na paz, para aqueles que promovem a paz (v. 18).

A Bíblia do Peregrino (p. 2899) comenta: O autor tentou compor um aforismo agudo que (a nosso ver) não conseguiu. Tomando o dativo com valor de agente da passiva e vertendo-o na ativa, podemos traduzir: os que trabalham pela paz (Mt 5,9) semeiam na paz o fruto (efeitos) da honradez (justiça). Ou seja, a justiça é o ultimo resultado de trabalho pela paz. A doutrina tradicional é, antes, a de Is 32,17: “o fruto da justiça será a paz”.

 

Evangelho: Mc 9,14-29

Em Mc, é o terceiro exorcismo (cf. 1,12-28; 5,1-20, além dos sumários 1,34.39; 3,11) e aqui relatado parecido à uma ressurreição de um morto (vv. 26-27; cf. 5,35-42). Como no caso do endemoninhado de Gerasa (5,1-20), Marcos demonstra aqui seu talento narrativo e compõe uma cena de grande vivacidade, a serviço de um ensinamento superior. Também um bom relato pode ser uma boa notícia (“evangelho”, cf. 1,1). É importante considerar o contexto deste relato após a transfiguração (vv. 2,2-13) e entre anúncios da paixão: O messias glorioso e paciente é também o messias compassivo, que empregará seu poder para salvar a outros, não a si mesmo (cf. 15,31). Jesus presta ajuda ao menino doente, à fé vacilante do pai, à ignorância dos discípulos.

Jesus e os três discípulos mais íntimos, Pedro, Tiago e João estavam “descendo do monte” (v. 9a). Neste monte, Jesus havia se transfigurado em luz, demonstrando sua origem divina, falando com Moisés e Elias. E como voz de uma nuvem, o Pai do céu havia declarado: “Este é meu filho amado, escutai-o” (v. 7). Mas não podiam ficar no monte, como Pedro queria (v. 5). Precisam descer de novo no meio da miséria e da confusão do mundo onde se encontra outro pai com seu filho atormentado e quase morto.

Descendo Jesus do monte com Pedro, Tiago e João e chegando perto dos outros discípulos, viram que estavam rodeados por uma grande multidão. Alguns mestres da Lei estavam discutindo com eles. Logo que a multidão viu Jesus, ficou surpresa e correu para saudá-lo. Jesus perguntou aos discípulos: “O que discutis com eles?” (vv. 9a.14-16).

Jesus com os três discípulos desceu da montanha (v. 9a) e se aproxima do resto dos discípulos. Encontra-os discutindo com uns mestres da lei e cercados pela multidão que acorre surpresa e alvoroçada (vv. 14s). Mc não diz sobre o que estavam discutindo (cf. a pergunta de Jesus em v. 33). Talvez sobre a pessoa e missão de Jesus; ou então sobre exorcismos, se as palavras do pai (v. 17) são a resposta à pergunta de Jesus. Pelo visto, os discípulos ensaiaram um exorcismo sem resultado (vv. 18.28), apesar de terem recebido poder sobre espíritos imundos (3,15; 6,7).

Alguém da multidão respondeu: “Mestre, eu trouxe a ti meu filho que tem um espírito mudo. Cada vez que o espírito o ataca, joga-o no chão e ele começa a espumar, range os dentes e fica completamente rijo. Eu pedi aos teus discípulos para expulsarem o espírito. Mas eles não conseguiram” (vv. 17-18).

Esta enfermidade causada por um espírito (“mudo”) ainda é mencionada no v. 25 (“mudo e surdo”), sem que se possa ver a sua relação com a doença descrita nos vv. 22-26. É bom notar que Mt 12,22 se refere a cura de um homem cego e mudo e Lc 11,14, a de um mudo, às quais Mc não faz menção (Mt e Lc a copiaram da fonte Q). Mc já relatou a cura de um surdo-gago em 7,31-37 (sem mencionar um demônio).

Em seguida (v. 18), a doença do menino é descrita primeiramente pelo pai e a seguir em ação (vv. 20-22). Os sintomas relatados são claramente de uma doença hoje conhecida por epilepsia, uma deficiência no cérebro que se consegue controlar com remédios. Mas naquela época, as causas desconhecidas de doenças foram atribuídas aos demônios. Quando Jesus curava tal pessoa, para as testemunhas (e os evangelistas) era óbvio que “expulsava o espírito impuro, o demônio” (cf. vv. 17-18.25-26).

O pai recorria a Jesus e tropeçou na impotência dos discípulos (cf. o fracasso de Giezi, servo do profeta Eliseu em 2Rs 4,31). Os discípulos “não conseguiram”, ou “não tiveram força” (talvez uma alusão a Mc 3,27 (o homem forte).

Jesus disse: “Ó geração incrédula! Até quando estarei convosco? Até quando terei que suportar-vos? Trazei aqui o menino” (v. 19).

Aqui já entra a questão da fé. Para além da multidão e dos discípulos, Jesus parece dirigir-se a seus contemporâneos ou qualquer descrente chamando-os “geração incrédula” (cf. 8,12), porque busca só milagre e não chega a crer na pessoa (cf. Dt 32,5.20; Mt 11,16; 12,39-45; 16,4; 17,17). Jesus tem de agir no meio da incompreensão, sem deixar-se vencer por ela.

E levaram-lhe o menino. Quando o espírito viu Jesus, sacudiu violentamente o menino, que caiu no chão e começou a rolar e a espumar pela boca (v. 20).

Conforme o gênero literário, o exorcismo é apresentado de forma dramática (cf. 1,23-26; 5,2-13). Ao apresentar-se Jesus, o “espírito” provoca uma reação violenta e agrava os sintomas.

Jesus perguntou ao pai: “Desde quando ele está assim?” O pai respondeu: “Desde criança. E muitas vezes, o espírito já o lançou no fogo e na água para matá-lo. Se podes fazer alguma coisa, tem piedade de nós e ajuda-nos.” Jesus disse: “Se podes! … Tudo é possível para quem tem fé.” O pai do menino disse em alta voz: “Eu tenho fé, mas ajuda a minha falta de fé.” (vv. 21-24).

A cena detalhada dos vv. 21-26 é peculiar a Mc. Uma série de detalhes ressalta a grandeza do milagre, como a duração da doença, seus efeitos aterradores, a resistência.

No diálogo com o pai, mais uma vez a questão da fé. Mc nos oferece um exemplo. O pai apela cambaleando à compaixão: “Se podes…, tem piedade de nós e ajuda-nos” (cf. 1,40). Jesus responde apelando à fé como condição para cura. Consciente de seu desamparo, o pai pede mais fé e procura apoio em Jesus. O poder do crente é o de Deus (cf. 5,36; 10,27, 11,22-24), ao qual ele se abre pela fé. “Tudo é possível…” (cf. 11,22-24; Gn 18,14; Jr 32,27; Lc 1,37; Fl 4,13).

As curas de Jesus se diferenciam por duas coisas das curas de curandeiros da época. Às vezes, Jesus cura apenas com sua palavra e, muitas vezes, frisa a importância da fé (e não da magia).

Jesus viu que a multidão acorria para junto dele. Então ordenou ao espírito impuro: “Espírito mudo e surdo, eu te ordeno que saias do menino e nunca mais entres nele.” O espírito sacudiu o menino com violência, deu um grito e saiu. O menino ficou como morto, e por isso todos diziam: “Ele morreu!” (vv. 25-26).

O exorcismo de Jesus consiste numa palavra soberana, eficaz (cf. 1,25) e duradoura (“nunca mais”). A constatação costumeira da cura é adiada. O povo, ao ver o menino “como morto”, duvida: Quem venceu no exorcismo, o demônio ou Jesus, a morte ou a vida?

Mas Jesus pegou a mão do menino, levantou-o e o menino ficou de pé (v. 27).

Jesus acrescenta à palavra um gesto; o toque de sua mão que ergue como se ressuscitasse um morto. Repete os gestos com que ressuscitou a filha de Jairo (5,41s). Os dois verbos gregos, aqui traduzidos por “fazer levantar, acordar” (egéirein) e “pôr-se de pé” (anistánai), são empregados em outro lugar para falar da ressurreição (cf. 5,41). Por meio destes traços, Mc quer estabelecer um vínculo entre os episódios de sua narração e a ressurreição, cujo sentido é preparado desta forma através de todo o evangelho (cf. 1,31; 8,31; 9,1.7.9-10; 10,34).

Depois que Jesus entrou em casa, os discípulos lhe perguntaram a sós: “Por que nós não conseguimos expulsar o espírito?” Jesus respondeu: “Essa espécie de demônios não pode ser expulsa de nenhum modo, a não ser pela oração” (vv. 28-29).

A instrução aos discípulos à parte, “em casa” (vv. 28s.33; 10,10) ou “no caminho” (v. 30s; 10,32; cf. 8,27) já é um motivo típico em Mc (cf. 4,10 etc.). Entende-se a “oração” com fé e por mais fé. Alguns manuscritos acrescentam “e pelo jejum” (cf. Mt 17,21), como prática que acompanha a oração.

É preciso refletir sobre a reação dos diversos personagens. O poder soberano de Jesus, “eu te ordeno” (em nome próprio), a fé trabalhosa do pai, o estupor e a incompreensão do povo, a frustração dos discípulos. Lembramos o contexto: em cima, no alto do monte da transfiguração, Jesus se mostrou Filho de Deus antecipando sua ressurreição (cf. vv. 9s), embaixo um pai que tem um filho (“único”, Lc 9,38), quase morto. Por isso a questão da fé! Jesus já tinha dado aos apóstolos o poder de expulsar demônios (3,15; 6,7) e eles fizeram (6,13), mas “essa espécie de demônios não pode ser expulsa de nenhum modo, a não ser pela oração” (v. 29).

Oração é praticar a fé, responder a Deus que se revela. Os discípulos não conseguiram realizar a cura (expulsar o demônio) pela sua “fraqueza de fé” (Mt 17,19-20). Jesus lamenta: “Ó geração incrédula!” (v. 19) e afirma: “Tudo é possível para quem tem fé” (v. 23; 11,11,22-25; cf. Fl 4,13). O pai do menino reza o que nosso povo gosta de repetir: “Eu creio, mas aumentai a minha fé” (v. 24).

O site da CNBB comenta: Todos nós queremos dar soluções rápidas para todos os problemas e, por isso, podemos ser surpreendidos porque não conseguimos revolvê-los de forma satisfatória ou eles voltam a acontecer. Isso acontece principalmente porque não paramos para refletir sobre o problema e não buscamos todos os meios necessários para a sua superação. Jesus, antes de realizar o exorcismo, conversou com o pai da criança e exigiu dele uma postura de fé. Depois, chamou a atenção dos discípulos sobre a necessidade da oração. Devemos conhecer profundamente os desafios que nos são colocados no trabalho evangelizador e nos preparar em todos os sentidos para a sua superação.

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