21 de novembro de 2017 – Terça-feira, Apresentação de Nossa Senhora

Imagem de Tiziano (Veneza, 1538)

A Apresentação da Virgem Maria é uma festa litúrgica celebrada pela Igreja Católica e pela Igreja Ortodoxa. A festa está associada com um evento que não está relatado no Novo Testamento, mas no apócrifo (Proto-)Evangelho de Tiago (cerca de 200 d.C.). De acordo com o relato, os pais da Virgem Maria, Joaquim e Ana, que não podiam ter filhos, receberam uma mensagem de ela conceberia. Como agradecimento pela graça da filha que lhes veio, eles a levaram ainda pequena (com cerca de três anos) para o Templo em Jerusalém para consagrá-la a Deus. A tradição conta que ela permaneceu ali para se preparar para o seu futuro papel como Mãe de Deus. Na tradição oriental, esta é uma das datas nas quais se batizam as meninas nascidas com o nome de Maria.

Antes de comentar as leituras bíblicas, apresentamos este texto apócrifo que deu origem à festa: Proto-evangelho de Tiago, capítulo 7. O leitor que pode descobrir nele umas referências bíblicas: 1Sm 2,24-28 (Ana entrega seu filho Samuel ao templo); Mt 25,1-13 (o cortejo das virgens para o encontro do noivo); Lc 2,27-32 (o menino Jesus nos braços de Simeão no templo); Ex 15,20s (dança de Maria-Miriam, irmã de Moisés).

Entretanto, os meses iam-se passando para a menina. Ao fazer dois anos, disse Joaquim a Ana:

— Levemo-la ao templo do Senhor para cumprir a promessa que fizemos, para que Senhor não a reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos.

Ana respondeu:

— Esperamos, todavia, até que complete três anos, para que a menina não tenha saudades de nós.

Joaquim respondeu:

— Esperaremos.

Ao chegar aos três anos, disse Joaquim:

— Chama as donzelas hebreias que não têm mancha e que tomem, duas a duas, uma candeia acesa e a acompanhem, para que a menina não olhe para trás e seu coração seja cativado por alguma coisa fora do templo de Deus.

Assim fizeram enquanto iam subindo ao templo de Deus. Lá recebeu-a o sacerdote, o qual, depois de tê-la beijado, abençoou-a e exclamou:

— O Senhor engrandeceu teu nome diante de todas as gerações, pois que, no final dos tempos, manifestará em ti sua redenção aos filhos de Israel.

Fê-la sentar-se no terceiro degrau do altar. O Senhor derramou graças sobre a menina, que dançou cativando toda a casa de Israel.

 

Leitura: Zc 2,14-17

O profeta Zacarias agiu por volta de 530 a 518 a.C.; junto com seu colega Ageu incentivava a reconstrução do templo de Jerusalém após o exílio babilônico. Reanimou a esperança de um povo que passava por grandes dificuldades materiais e dúvidas de fé e que, por isso, era levado à resignação passiva. Dezoito anos depois da primeira caravana dos repatriados, Jerusalém estava reconstruída só pela metade. O povo sente-se desencorajado e pergunta: “Deus ainda está em nosso meio?” Zacarias estimula os compatriotas para reconstruir o templo, símbolo da fé e unidade nacional que foi destruído pelos babilônios setenta anos antes.

Rejubila-te, alegra-te, cidade de Sião, eis que venho para habitar no meio de ti, diz o Senhor (v. 14).

O termo “Sião” parece designar Jerusalém já antes de Davi e é empregado nos Salmos e Lm e nos profetas (Is; Jr; Lm; Jl; Am; Ob; Mq; Sf e Zc), porém, nunca no Pentateuco (Lei de Moisés, os primeiros cinco livros do AT), pouco nos livros históricos do AT; no NT, só em citações ou referindo-se à Jerusalém celeste (cf. Hb 12,22 etc.). Muitas vezes a Bíblia usa este nome com honra e ternura: Mãe de Sião, Filha de Sião.

No morro da cidade, chamado Sião, estava o templo, considerado o lugar da presença de Deus na terra (cf. Dt 12,10 Dt 12,4 f.11; Ml 1,11 etc.). Com a reconstrução do templo, Deus morará novamente no meio da cidade. A razão da alegria que Zacarias anuncia será a presença salvadora do Senhor no meio de seu povo (cf. a alegria em Is 12,6; 54,1; Sf 3,14).

Muitas nações se aproximarão do Senhor naquele dia e serão o seu povo. Habitarei no meio de ti, e saberás que o Senhor dos exércitos me enviou a ti (v. 15).

Estando presente o Senhor, retornarão para a cidade santa não somente judeus exilados, mas “muitas nações se aproximarão”. Os profetas mais antigos já sonharam com uma romaria dos povos a Jerusalém para adorarem junto o mesmo Senhor e haverá paz universal (cf. Is 2,2-4 e o paralelo Mq 4,1-3).

Com a conhecida fórmula de união “naquele dia” acrescenta-se este oráculo que alarga a visão precedente (Is 19,24-25; 56,3.6; Jr 50,5). A aliança com Israel (“serão o seu povo”) é estendida aqui a todos os povos (como acontecerá no NT; cf. 1 Cor 11,25p). Jerusalém será a metrópole religiosa do universo (cf. Is 45,14; “meu povo”: cf. Is 19,25)

O Senhor entrará em posse de Judá, com porção na terra santa, e escolherá de novo Jerusalém (v. 16).

A expressão “Terra santa” aparece aqui pela primeira vez na literatura bíblica (cf. 2Mc 1,7). Segundo o texto hebraico esta adesão dos pagãos far-se-á por uma conversão no seu lugar, enquanto Jerusalém conservará ainda a sua posição privilegiada (“porção”). Na perspectiva da tradução grega, os pagãos se instalarão no meio do povo e dele farão parte integrante, sem nenhuma discriminação. É já a perspectiva de At 8 e 10.

Emudeça todo mortal diante do Senhor, ele acaba de levantar-se de sua santa habitação (v. 17).

É como o grito de um arauto impondo silêncio ao chegar o soberano (Hab 2,20). Como final dos vv. 15-16, refere-se à tomada de poderes de um reino próprio e um império internacional (cf. o diálogo de Is 51,9-52,6, e também cf. Sl 44,24; 65,9; 73,20). A ”santa habitação” é o palácio celeste, que se imaginava exatamente acima do templo em Jerusalém o lugar que Javé Deus havia “escolhido para aí fazer habitar seu nome“ (Dt 12,11 etc.).

Evangelho: Mt 12,46-50

Neste evangelho, Jesus amplia o conceito dos seus parentes, dos seus irmãos e irmãs e até da sua mãe.

Enquanto Jesus estava falando às multidões, sua mãe e seus irmãos ficaram do lado de fora, procurando falar com ele (v. 46).

Mt copiou este encontro com os familiares de Jesus de Mc 3,31-35. Mt não diz que Jesus estava numa casa (mas diz em seguida em 13,1; cf. Mc 3,20.31); como seus parentes ficaram “do lado de fora”, está implícito. Fora deste círculo das “multidões” (cf. v. 23), os familiares procuram Jesus, são “a mãe de Jesus e seus irmãos”. O termo “irmão” abrange, em linguagem bíblica, também os parentes (cf. Gn 13,8).

A Bíblia não diz explicitamente se Jesus era filho único de Maria (fé católica; a entrega de Jo 19,25-27 apoia esta posição) ou se Maria teve mais filhos (interpretação protestante), apenas menciona os “irmãos”, que podem ser compreendidos como parentes (no aramaico, na língua de Jesus, não existem termos próprios para tio e sobrinho etc., são o “irmão” do meu pai e o filho dele).

Aqui em v. 46, não se menciona o pai (cf. 13,55; Mc 6,3; 10,30). Então, José (cf. Mt 1-2) já deve ter morrido; Jesus adulto tornou-se chefe dos seus familiares que querem agora romper o círculo dos seguidores e reclamar seu parente famoso.

Alguém disse a Jesus: “Olha! Tua mãe e teus irmãos estão aí fora, e querem falar contigo.” Jesus perguntou àquele que tinha falado: “Quem é minha mãe, e quem são meus irmãos?” (vv. 47-48).

Jesus faz uma pergunta retórica que irá responder logo em seguida. Ele não despreza vínculos familiares (cf. 15,4-6), por isso, ele tem um “Pai” que está no céu (6,9; 23,9; Lc 2,41-52; Mc 14,36). Mas ele está criando uma nova família, não através da carne, mas através do Espírito (cf. Jo 1,12s; Rm 8,14-17).

E, estendendo a mão para os discípulos, Jesus disse: “Eis minha mãe e meus irmãos. Pois todo aquele que faz a vontade do meu Pai, que está nos céus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe.” (vv. 49-50).

Quem faz a vontade do seu Pai, fará parte desta família de Jesus. Quanto a Maria, ninguém como ela cumpriu a vontade do Pai e foi agradecida com o Espírito (cf. Lc 1,35-38). Jesus anuncia a vontade do Pai e a cumpre (26,42). A comunidade reza por ela na oração que Jesus ensinou (6,10). Será critério no julgamento (7,21-23).

Mt acrescentou que Jesus estava “estendendo a mão para os discípulos” (v. 49). Na tradição bíblica, este gesto significa diversas atitudes: carência (12, 13), hostilidade (26,51), benção (Gn 48,14) ou o poder e o julgamento de Deus (frequente em Ez, Jr, Sf). Em Mt, Jesus estende a mão ao leproso (8,3) e a Pedro que afunda (14,31), ambas demonstrações do seu poder auxiliador. Aqui significa que os discípulos estão sob a proteção do seu Senhor que estará com eles até o fim do mundo (28,20). Para os judeus, “irmãos” já eram os conterrâneos, para os cristãos são os membros da comunidade. Além disso, os discípulos são “meus irmãos” (cf. 28,10; 25,40; 23,8; Jo 20,17; Rm 8,29; Hb 2,11s). Como irmãos de Jesus, podemos invocar Maria como nossa mãe (cf. Jo 19,25-27).

O Papa Bento XVI, na Encíclica “Deus caritas est”, olha para a situação de Maria deixada de lado durante os anos da vida pública de Jesus e percebe a sua grande humildade: aceita ser deixada de lado para que Jesus forme a sua nova família. Maria só se aproximará de Jesus no momento da cruz, quando os seus discípulos tiverem fugido (Jo 19,25-27). Em Pentecostes, todos irão se juntar ao redor dela à espera do Espírito Santo (cf. At 1, 14). Santo Ambrósio comentou o texto de hoje: “Não se propõe aqui a recusa ofensiva dos parentes, mas ensina que os laços espirituais são mais sagrados do que os laços de sangue”.

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