22 de Abril de 2019, Segunda-feira: As mulheres aproximaram-se, e prostraram-se diante de Jesus, abraçando seus pés. Então Jesus disse a elas: “Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão.” (vv. 8-10).

Leitura: At 2,22-32

No tempo pascal, a primeira leitura é tirada dos Atos dos Apóstolos. O autor é o mesmo do terceiro evangelho, comumente identificado com “Lucas, querido médico” (Cl 4,14; Fm 24; 2Tm 4,11). As duas obras, Evangelho e Atos, são dedicados ao mesmo “Teófilo” (Lc 1,3; At 1,1), nome que significa “amigo de Deus”; pode designar uma pessoa concreta (talvez o patrocinador) ou simplesmente o leitor. Os Atos relatam os caminhos dos primeiros cristãos, principalmente dos apóstolos Pedro e Paulo.

Lucas escreveu os Atos entre 80 e 90 d.C., para a terceira geração cristã aprender da vida das primeiras comunidades, preservar a tradição apostólica da fé e criar coragem para seu próprio tempo. Por isso, Lucas conta como a palavra de Deus se dilata apesar de várias dificuldades por fora e por dentro.  O verdadeiro protagonista é o Espírito Santo que dá força, incentiva e guia a expansão da Igreja primitiva. Por isso, os Atos foram apelidados, o “Evangelho segundo o Espírito Santo”.

Jesus tinha prometido aos apóstolos a “promessa do Pai”, “força do alto” do céu (Lc 24,49; At 1,4-5.8). No “dia de Pentecostes” (2,1; i.é “50 dias” após sua ressurreição na Páscoa, cf. 2,1), o Espírito Santo desceu. Os sinais (vento forte, fogo) lembram o conteúdo da festa judaica de Pentecostes, a entrega da lei a Moisés. No monte Sinai-Horeb, Javé desceu no fogo e na tempestade (Ex 19,18s). Aqui, em Jerusalém, o Espírito desce com “vento forte” e “línguas de fogo” (vv. 2-4). Estas línguas inspiradas fazem os apóstolos falarem em línguas estrangeiras que os romeiros judeus vindo de países distantes entendem e se admiram (vv. 3-13; cf. o contrário da torre de Babel em Gn 11,1-9).

(No dia de Pentecostes) Pedro de pé, junto com os onze apóstolos, levantou a voz e falou à multidão: (v. 14).

Segundo Jo 20,19, os apóstolos estavam trancados por medo dos judeus (autoridades judaicas), mas o Espírito Santo dá agora coragem a Pedro, o líder “junto com os onze apóstolos” (Judas foi substituído por Matias, 1,15-26). Na paixão de Jesus, negou que era discípulo de Jesus, dizendo que não o conhecia, que não fazia parte do grupo. Hoje a primeira leitura mostra Pedro renovado, pregando para as multidões completamente destemido, anunciando a ressurreição de Jesus.

Nossa leitura pulou a parte primeira da pregação na qual Pedro esclarece o barulho e movimento do Espírito Santo, que os presentes estranharam (cf. vv. 11-15.33), e cita a profecia de Joel (vv. 16-21; Jl 3,1-5) que termina: “Todo aquele que invoca o nome do Senhor será salvo.”

“Homens de Israel, escutai estas palavras: Jesus de Nazaré foi um homem aprovado por Deus, junto de vós, pelos milagres, prodígios e sinais que Deus realizou, por meio dele, entre vós. Tudo isto vós bem o sabeis. Deus, em seu desígnio e previsão, determinou que Jesus fosse entregue pelas mãos dos ímpios, e vós o matastes, pregando-o numa cruz. Mas Deus ressuscitou a Jesus, libertando-o das angústias da morte, porque não era possível que ela o dominasse” (vv. 22-24).

Depois Pedro anuncia Jesus Cristo, mas não o chama logo de “Cristo” (Messias), somente no final do discurso (vv. 31.36). Pedro começa pelo que os judeus conhecem. Para eles, não é o Cristo-messias, é só Jesus de Nazaré que fazia curas: “Homem aprovado por Deus… pelos milagres, prodígios e sinais …Tudo isso vós bem sabeis” (v.22). Incrível que à aprovação de Deus corresponda à desaprovação dos homens. “Vós o matastes, pregando-o numa cruz. Mas Deus ressuscitou Jesus” (vv. 23-24).

Esta frase dupla é o centro do kerygma (primeira pregação apostólica): o testemunho da morte e ressurreição de Jesus; é a primeira profissão de fé cristã, que se desenvolverá no Credo apostólico e no Credo niceno-constantinopolitano que professamos na missa. Na pregação dos apóstolos, ao redor desta afirmação central, acrescentam-se detalhes como os milagres (v. 22; 10,38), João Batista (10,37; 13,24), aparições do ressuscitado e a efusão do Espírito (v. 33; 5,32). É o esquema seguido pelos evangelistas que desenvolvem a pregação apostólica.

Enfim, em perspectivas mais largas, apresentam-se referências ao Antigo Testamento (AT), aqui Pedro, de maneira geral em v. 23: “Deus, em seu desígnio e previsão, determinou que Jesus fosse entregue pelas mãos dos ímpios” (cf. Is 53; Sl 22; Sb 2).

Pois Davi dele diz: ‘Eu via sempre o Senhor diante de mim, pois está à minha direita para eu não vacilar. Alegrou-se por isso meu coração e exultou minha língua e até minha carne repousará na esperança. Porque não deixarás minha alma na região dos mortos nem permitirás que teu Santo experimente corrupção. Deste-me a conhecer os caminhos da vida e a tua presença me encherá de alegria’ (vv. 25-28).

Pedro cita ainda o Salmo 16 (15),8-11 na versão grega; o texto hebraico só exprimia o desejo de “não ver a fossa” (túmulo), foi traduzido em grego na certeza de o santo fiel “não experimentar a corrupção”. Jerusalém é cidade de Davi, rei e autor da maioria dos salmos, e “seu sepulcro está entre nós até hoje” (perto do cenáculo no monte Sião).

“Irmãos, seja-me permitido dizer com franqueza que o patriarca Davi morreu e foi sepultado e seu sepulcro está entre nós até hoje. Mas, sendo profeta, sabia que Deus lhe jurara solenemente que um de seus descendentes ocuparia o trono. É, portanto, a ressurreição de Cristo que previu e anunciou com as palavras: Ele não foi abandonado na região dos mortos e sua carne não conheceu a corrupção. Com efeito, Deus ressuscitou este mesmo Jesus e disto todos nós somos testemunhas” (vv. 29-32).

Pedro chama Davi “patriarca” e “profeta” (vv. 29.30), porque “sabia que Deus o jurou solenemente que um dos seus descendentes ocuparia o trono (v. 30; cf. Gn 22,16; 2Sm 7,12; Sl 110,4; Hb 6,13). Portanto, Pedro diz que este salmo 16 (15) não se refere a Davi, mas foi “a ressurreição de Cristo que previu” (v. 31). O túmulo de Davi não está vazia, mas o de Jesus está; os apóstolos são “testemunhas”: “Deus ressuscitou este mesmo Jesus” (v. 32), portanto ele é o Cristo-messias profetizado por Davi no Sl 16,10 (cf. v. 36; cf. Rm 1,3s).

 

Evangelho: Mt 28,8-15

Os evangelhos desta semana, chamada “oitava” da Páscoa, apresentam aparições do Ressuscitado. Mt e Lc já usam o evangelho de Mc como modelo. O primeiro evangelista, Marcos, não apresentou nenhuma aparição do ressuscitado (já a tinha antecipado no relato da transfiguração) e terminou de certa maneira absurda: Quando Jesus ressuscitou, as mulheres guardaram segredo sobre o túmulo vazio, “não falaram nada a ninguém, pois tinham medo” (Mc 16,8; os vv. 9-20 são um anexo posterior, cf. evangelho do próximo sábado). Na perspectiva do segredo messiânico deste evangelho, este final “absurdo” é um apelo para anunciar: O tempo todo, Jesus pedia segredo a respeito dele, mas as pessoas não conseguiam se calar. Agora, quando é tempo de anunciar a boa nova (evangelho) do ressuscitado (Mc 9,9; 16,7), as pessoas se calam. Certamente as mulheres falaram depois. Como saberia o evangelista (e nós) do fato do túmulo vazio se ninguém falasse? Assim, este fim de Mc tornou-se um apelo para anunciar, perder o medo (das perseguições e dificuldades) e evangelizar com alegria.

As mulheres partiram depressa do sepulcro. Estavam com medo, mas correram com grande alegria, para dar a notícia aos discípulos. De repente, Jesus foi ao encontro delas, e disse: “Alegrai-vos!” As mulheres aproximaram-se, e prostraram-se diante de Jesus, abraçando seus pés. Então Jesus disse a elas: “Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão.” (vv. 8-10).

No evangelho de hoje, Mateus copiou de Mc a visita das mulheres no túmulo (28,1-8; Mc 16,1-8), mas mudou o final, acrescentando a alegria e o anúncio: As mulheres “estavam com medo, mas correram com grande alegria para dar notícia aos discípulos” (v. 8). Mt sabe de uma aparição de Jesus diante das mulheres (cf. Jo 20,11-18). A menção mais antiga que temos por escrito, um resumo de Paulo em 1Cor 15,3-8 falava da sepultura, mas não das mulheres: Jesus “apareceu a Cefas (=Pedro) e depois aos Doze” (1Cor 15,5). Paulo não falou das mulheres porque não eram aceitas como testemunhas críveis (cf. Lc 24,11) nos tribunais da época. Mas todos os evangelistas apresentam as mulheres como primeiras testemunhas da ressurreição, que veem e ouvem as palavras do (s) anjo(s) no túmulo vazio.

Já no v. 8, Mt acrescentou a “grande alegria” (cf. os magos 2,10 e nas parábolas 13,44; 25,21.33) ao “medo” (Mc 16,8) das mulheres voltando do túmulo. Em Mt, Jesus ressuscitado aparece ainda às mulheres (em Jo 20,14-18 só à Madalena) no caminho: “De repente, Jesus foi ao encontro delas e diz: ‘Alegrai-vos!’”, (saudação comum em grego, mas agora com sentido profundo; cf. 26,49; Lc 1,28). Elas “prostraram-se” (gesto de adoração a Deus, cf. os magos em 2,2.8.11 e os discípulos em 14,33 e 28,17; pessoas pedindo em 8,2 e  15,25), “abraçando seus pés” para expressar sua esperança (cf. 2Rs 4,27), ou verificar a corporeidade do ressuscitado (cf. Lc 24,39)?

Jesus apenas repete quase as mesmas palavras do anjo dizendo: “Não tenhais medo. Ide anunciar aos meus irmãos que se dirijam para a Galileia. Lá eles me verão!” (v. 10). Mas chama os discípulos de “irmãos” (igual termo na aparição do ressuscitado à Madalena em Jo 20,17; cf. Sl 22,23; Mt 12,48-50p; 25,40) e reforça a tarefa difícil para as mulheres corajosas convencerem os discípulos medrosos (cf. 26,56p): depois dos episódios duros da paixão, que eles deverão ir para a Galileia e lá o Ressuscitado estará! Mt não fala sobre a primeira reação dos discípulos às palavras das mulheres, mas depois eles “foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado” (v. 16).

Quando as mulheres partiram, alguns guardas do túmulo foram à cidade, e comunicaram aos sumos sacerdotes tudo o que havia acontecido. Os sumos sacerdotes reuniram-se com os anciãos, e deram uma grande soma de dinheiro aos soldados, dizendo-lhes: “Dizei que os discípulos dele foram durante a noite e roubaram o corpo, enquanto vós dormíeis. Se o governador ficar sabendo disso, nós o convenceremos. Não vos preocupeis.” Os soldados pegaram o dinheiro, e agiram de acordo com as instruções recebidas. E assim, o boato espalhou-se entre os judeus, até ao dia de hoje (vv. 11-15).

Antes de narrar a aparição do ressuscitado aos apóstolos (vv. 16-20), Mt fala da reação dos inimigos (vv. 11-15), fazendo uma apologia (defesa com palavras), porque um “boato espalhou-se entre os judeus até o dia de hoje” (v. 15). Não se trata de provar a ressurreição, mas de responder à objeção judaica que afirmava ter sido roubado o corpo de Jesus pelos próprios discípulos. Com certa ironia, Mt conta que no dia mais sagrado da festa da Páscoa (15. Nisan) que coincidiu com o sábado (no ano 31 d.C.), os sumos sacerdotes e os fariseus foram ao pagão Pilatos pedindo um guarda que lacrasse e vigiasse o túmulo (27,62-66). Mas diante do poder de Deus, as tentativas humanas de encobrir o fato fracassam (cf. v. 4). Os homens corruptos da elite e os soldados adormecidos e subornados contrastam com a difusão por parte das mulheres.

“Galileia” (vv. 7.10.16) é o lugar do início da pregação de Jesus. Nas proximidades do lago, todos os discípulos foram chamados. Os apóstolos são chamados à fonte. Eles também precisam reler a história da vocação a partir da ressurreição. No Sábado Santo, todos nós, refizemos as promessas do batismo. Significa que podemos retomar a vida de cristã(o), recomeçar tudo com a força do Ressuscitado. Se encontrarmo-nos com o Ressuscitado, tudo terá novo sentido. Acontecerá a Páscoa também para nós! “Alegrai-vos!” Cristo ressuscitou aleluia!

O site da CNBB comenta: A ressurreição de Jesus, assim como a sua vida e a sua morte, tornou-se causa de divisão. Os que não crêem fazem tudo e usam de todos os meios para negarem o fato. Apesar de saberem a verdade e as consequências que acarretariam suas mentiras, os sumos sacerdotes e os anciãos, que ouviram das únicas testemunhas do fato da ressurreição a narrativa do fato, pagam para que tudo fique oculto e a ressurreição seja negada. Mas para quem nele crê, a ressurreição é motivo de grande alegria, é motivação para que a notícia seja espalhada rapidamente, mas principalmente é ocasião para o encontro pessoal com o ressuscitado.

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