22 de Julho 2019, Segunda-feira: Então Jesus disse: “Maria!” Ela voltou-se e exclamou, em hebraico: “Rabuni” (que quer dizer: Mestre) (vv. 14-16).

Festa de St.ª Maria Madalena

 Leitura: Ct 3,1-4a (ou opcional: 2Cor 5,14-17; cf. comentário de sábado da 10ª semana do tempo comum, ano impar)

O livro Cântico dos Cânticos é uma coleção de cantos populares de amor, usado talvez em festas de casamentos. No século V ou IV a.C., um redator uniu estes textos, formando drama poético e atribuindo-o ao rei Salomão, reconhecido em Israel como patrono de literatura sapiencial. Curiosamente, o livro não usa o nome de Deus, mas fala do amor humano. Mas como o ser humano (homem e mulher) é imagem e semelhança do criador (Gn 1,26-27), e “Deus é amor” (1Jo 4,8.16), podemos entender o amor humano como espelho, sacramento e manifestação do próprio Deus, que se torna presente nas pessoas, nos seres humanos que se amam. Assim a poesia deste livro pode-se ler como parábola que revela o amor de Deus pela humanidade e de Cristo pela sua Igreja.

Nossa leitura é um trecho do capítulo 3 do Cântico dos Cânticos e foi escolhido em função da procura incansável de Maria Madalena pelo corpo do amado Mestre (Jo 20), evangelho de hoje. Nossa leitura mostra que é um canto. Duas vezes o refrão é: “o amor de minha vida: procurei-o, e não o encontrei” (vv. 1.2). Na terceira vez, se inverte: “encontrei o amor de minha vida” (v. 4). Ela se levanta “durante a noite” para procurar o amado e não o encontra, pergunta “os guardas” e (sem nenhuma resposta deles) logo o encontra.

Mas nossa leitura de hoje não nos transmitiu o final de v. 4 que também combina com o gesto de Maria Madalena de tentar agarrar o ressuscitado (cf. Jo 20,17) “Agarrei-o e não vou soltá-lo até levá-lo à casa da minha mãe, ao quarto da que me levou em seu seio” (v. 4b).

Em meu leito, durante a noite,
busquei o amor de minha vida:
procurei-o, e não o encontrei
(v. 1).

Vou levantar-me e percorrer a cidade,
procurando pelas ruas e praças,
o amor de minha vida:
procurei-o, e não o encontrei
(v. 2).

Encontraram-me os guardas
que faziam a ronda pela cidade.
“Vistes por ventura o amor de minha vida?”
E logo que passei por eles,
encontrei o amor de minha vida
(vv. 3-4a).

Os vv. 1-4 formam um todo ao qual está ligado ainda o v. 5 (o mesmo refrão de 2,7; 8,4: “… não desperteis, não acordeis o amor até que ele queira”). O título poderia ser: o amado perdido e reencontrado. É o tema da busca como em 1,7-8; 5,2-8. Aqui o quadro é a cidade e o tempo é a noite. Esta corrida noturna de uma jovem e a decisão de trazer o amigo à casa de sua mãe (cf. Gn 24,67) é são contrárias aos costumes judaicos de modo que se pensou na narração de um sonho. Isso explicaria a incompreensível escapada noturna e o encontro nos becos escuros. Mas os poetas e os enamorados gostam de imaginar condições irreais. A audácia da busca é a vontade de não deixar o amado partir de novo são provas de um amor apaixonado.

Em ambos os casos, canta a ânsia do amor por causa da ausência do amado. Os guardas noturnos (cf. Sl 127,1; 130,6-7; Is 21,11-12), aparecerão de novo em 5,7. Eram provavelmente, personagens típicas da poesia popular como a patrulha ou os policiais em nossas canções medievais e modernas.

São Bernardo comenta esta passagem do Cântico dos Cânticos: De modo algum a esposa buscaria se antes não tivesse sido procurada. De modo algum, a esposa amaria, se antes não tivesse sido amada. Deus se antecipa com duas bênçãos: amor e busca. O amor é a causa da busca. A busca é o fruto do amor e também a sua certeza (Cântico dos Cânticos, 1038).

 

Evangelho: Jo 20,1-2.11-18

Quem é Maria Madalena? Ela é a primeira testemunha da ressurreição de Cristo. Seu nome indica o lugar de origem (Magdala na beira do lago de Genesaré) e não o nome do marido (ou do filho ou do pai) como era o costume (cf. 19,25; Mc 15,40). Não deve ter tido (mais?) um marido, mas não está comprovada que ela seja a prostituta anônima de Lc 7,36-50; esta tradição surgiu só pela proximidade de Lc 8,2 que nos diz que Jesus a libertou de sete demônios e, por gratidão desta cura, ela pôs seus próprios bens à disposição de Jesus e dos discípulos (Lc 8,2; cf. Mc 16,9).

No primeiro dia da semana, Maria Madalena foi ao túmulo de Jesus, bem de madrugada, quando ainda estava escuro, e viu que a pedra tinha sido retirada do túmulo. Então ela saiu correndo e foi encontrar Simão Pedro e o outro discípulo, aquele que Jesus amava, e lhes disse: “Tiraram o Senhor do túmulo, e não sabemos onde o colocaram” (vv. 1-2). 

A maior importância de Maria Madalena consiste em ser a primeira testemunha da ressurreição! Todos os quatro evangelistas relacionam seu nome com o túmulo vazio e dois deles (Mt e Jo) contam um encontro dela com o Ressuscitado (cf. Mt 28,9-10) “no primeiro dia da semana” (vv. 1.19; cf. v. 26).

O primeiro dia designa a nova criação (cf. Gn 1,3-5; 2Cor 5,5,17). Os cristãos o dedicarão ao Senhor (dominus) glorificado, e por isso o chamarão dominical, em latim dies domínicus (= domingo; Ap 1,10; cf. At 20,7; 1Cor 16,2). Em todos os evangelhos, Maria de Magdala é uma das três mulheres que estiveram junto à cruz e à sepultura. Esperou o sábado inteiro e a noite seguinte, mas se levanta impaciente de madrugada (“por ti madrugo”; “antecipo-me à aurora”, Sl 63,2; 119,147-148); ainda fechada no seu mundo “obscuro” marcado pela cruz e o sepulcro.

Em Jo, “ainda estava escuro” (v. 1), quando ela veio ao túmulo, mas também estava na mente dela, sem a luz da ressurreição ainda. O v. 1 diz só a metade do que Maria viu: “viu a pedra retirada”, mas não viu o cadáver de Jesus. O v. 2 o completa: “Tiraram o Senhor do túmulo e não sabemos onde o colocaram”, Madalena é a primeira mensageira do sepulcro vazio. Curiosamente usa o plural: “nós” não sabemos. Alguns comentaristas suspeitam que numa versão precedente Maria ia acompanhada de outras mulheres (cf. Lc 24,10p). Nosso evangelho de hoje omitiu a corrida de Pedro e do discípulo amado ao túmulo (vv. 3-10), se concentra apenas em Maria Madalena.

Maria estava do lado de fora do túmulo, chorando. Enquanto chorava, inclinou-se e olhou para dentro do túmulo. Viu, então, dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha sido posto o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés (vv. 11-12).

Agora ela está de novo no túmulo (v. 11). Uns exegetas acham que a corrida de Pedro e do discípulo amado foi inserida por uma redação posterior (inspirando-se em Lc 24,12), e no relato mais antigo, Madalena ainda não tinha saído do túmulo.

Uma tradição oriental e pessoas de hoje também a confundem com a mãe de Jesus, porque em v. 11 só está escrito “Maria”, mas é a mesma de antes, a Madalena (vv. 1.18). Ela pensava que alguém (funcionário ou ladrão) tivesse retirado o corpo (vv. 2.13.15); mas o evangelista indica com as faixas de linha e o sudário enrolado à parte (v. 7) que ninguém tem levado o corpo: se alguém levasse o corpo, o levaria junto com os panos nos quais estava enrolado para não dificultar o translado.

“Enquanto chorava,… olhou para dentro do túmulo. Viu então dois anjos vestidos de branco, sentados onde tinha sido posto o corpo de Jesus, um à cabeceira e outro aos pés” (vv. 11-12). A posição destes dois anjos (lit. “homens”, mas sua vestimenta indica que são anjos; cf. Lc 24,4p) pode aludir aos dois querubins no propiciatório da arca da aliança no templo salomônico (Ex 25,17-22: “um dos querubins numa extremidade e outro na outra… Ali virei a ti… do meio dos dois querubins falarei contigo”). Agora, o novo templo é o corpo de Jesus (Jo 2,21-22).

Os anjos perguntaram: “Mulher, por que choras?” Ela respondeu: “Levaram o meu Senhor e não sei onde o colocaram” (v. 13).

A cena toda parece inspirar-se num trecho do livro Cântico dos Cânticos 3,1-4 (leitura de hoje; cf. Ct 5,2-8): impaciência do amor, levantar-se, busca vã, diálogo com os guardas (anjos), encontro, abraço, soltá-lo, a casa da mãe (do pai). Se é assim é preciso acrescentar o lugar e o tempo: um horto ou jardim, o primeiro dia. Começo de nova era, da nova humanidade.

A mãe de Jesus (Jo nunca diz o nome), como mulher junto a cruz, representaria a nova Eva no seu aspecto maternal (Gn 3,20); Maria Madalena junto ao sepulcro a representa em seu aspecto conjugal (Gn 3,23s). Estes paralelos bíblicos e o suspeito de Maria Madalena ser aquela prostituta que lavou os pés de Jesus com suas lágrimas (Lc 7,36-50; 8,2) deram início ao mal-entendido repetido de um relacionamento carnal com Jesus (último exemplo: O Código da Vinci).

Tendo dito isto, Maria voltou-se para trás e viu Jesus, de pé. Mas não sabia que era Jesus. Jesus perguntou-lhe: “Mulher, por que choras? A quem procuras?” Pensando que era o jardineiro, Maria disse: “Senhor, se foste tu que o levaste, dize-me onde o colocaste, e eu o irei buscar”. Então Jesus disse: “Maria!” Ela voltou-se e exclamou, em hebraico: “Rabuni” (que quer dizer: Mestre) (vv. 14-16).

“Maria voltou-se atrás e viu Jesus, de pé. Mas não sabia que era Jesus” (v. 14) O ressuscitado não voltou para vida terrestre, seu corpo é modificado (transfigurado, glorificado) e pode parecer diferente (cf. 21,4; Lc 24,15-16). Maria achava que “era o jardineiro”; isto é mais uma alusão ao jardim do paraíso (18,1; 19,41; cf. Gn 2,15): Jesus é o novo Adão, que recupera o paraíso (cf. 1Cor 15,21-22; Rm 5,12-20), cf. “Eis o homem” em Jo 19,5 (Adão em hebraico significa apenas: homem); e quando estava adormecido (morto), do lado aberto dele nasce a nova Eva, ou seja, a Igreja com seus sacramentos de “sangue e água” (19,34).

O esquema e várias palavras repetem a cena do primeiro encontro dos discípulos com Jesus (1,38s): Jesus repete a pergunta do anjo (cf. Mt 28,9s) acrescentando: “A quem procuras?” (cf. 1,38; 18,4); Maria responde de maneira semelhante (como antes aos anjos), acrescentando: “Dize-me onde o colocaste e eu o irei buscar” (v. 15). Só quando ele chama “Maria” pelo nome, ela o reconhece (cf. Ct 2,8; 5,2) e exclama: “Rabuni” (meu mestre, v. 16; 1,38). É o amor que revela e faz conhecer a verdade (cf. v. 8), como também a ovelha conhece a voz do pastor (10,3.6.14.27; cf. Is 43,1). É o mesmo de antes e é novo e não precisa de aromas (em Mt e Jo, as mulheres não vão ao túmulo para ungir o corpo, apenas para visitar).

Jesus disse: “Não me segures. Ainda não subi para junto do Pai. Mas vai dizer aos meus irmãos: subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus”. Então Maria Madalena foi anunciar aos discípulos: “Eu vi o Senhor!”, e contou o que Jesus lhe tinha dito (vv. 17-18).

Maria queria agora segurar Jesus (cf. Ct 3,4b; Mt 28,9: “abraçaram os pés”), mas Jesus está no caminho ao Pai (cf. 13,1) e ninguém o segurará mais nesta vida da terra. Mas ele envia Madalena para anunciar a Boa Notícia aos apóstolos. Em Jo, antes da paixão, não chama os discípulos de “irmãos”.  Agora diz: “Vá dizer a meus irmãos: que subo para junto do meu Pai e vosso Pai, meu Deus e vosso Deus” (v. 17).

A mensagem combina diferença com semelhança: em virtude da minha glorificação, meu Pai agora é vosso Pai (1,12), meu Deus é vosso Deus (cf. a fórmula de Ml 2,10; e Tomé confessará em v. 28 que Jesus é Deus). A mensagem pascal é mensagem de fraternidade com Jesus. É o que acontece com o nosso batismo; somos filhos de Deus (1,12; Rm 8,15; Gl 3,26s; cf. Ml 2,10) e irmãos de Jesus (cf. Mc 3,34s; Hb 2,11s).

A afirmação de “subir para junto do Pai” não contradiz a narrativa de At 1,3s. A partida de Jesus para o Pai e sua entrada corporal na glória (Jo 3,13; 6,62; Ef 4,10; 1Tm 3,16; Hb 4,14; 6,19s; 9,24; 1Pd 3,22; cf. At 2,33.36) realiza-se no mesmo dia da ressurreição (Jo 20,17; Lc 24,51). A cena da ascensão, quarenta dias depois (At 1,2s.9-11), significa que o período das conversas familiares com o Cristo cessou, e que Jesus está agora sentado a direita de Deus e não mais voltará até a parusia (volta de Jesus no fim dos tempos), mas deixa o Espírito paráclito para inspirar e acompanhar a comunidade (v. 22; cf. 14,16s.26; 15,26; 16,7-15).

Maria é a primeira evangelista da ressurreição. St.º Agostinho chamou Madalena a “apóstola dos apóstolos” porque ela foi enviada (apóstolo significa “enviado”) por Jesus e levou a Boa Nova a eles: “Eu vi o Senhor” (v. 18; cf. v. 25). O título “Senhor” (v. 2. 13.15) não é mais em sentido corrente (assim chamou Abigail a Davi, 1Sm 25), mas agora é o título que a fé dá ao ressuscitado.

Em Maria Madalena se cumpriu primeiro o que Jesus disse na última ceia: “A vossa tristeza se converterá em alegria” (16,20). Jo não nos conta, se os apóstolos tinham acreditado nela ou se acharam isso “desvario” (Lc 24,11). Fato é que Jesus confiou em mulheres, enquanto os homens da época não aceitavam mulheres como testemunhas (por isso, Paulo nem as menciona em 1Cor 15,5-8). Um reconhecimento maior das mulheres e do seu ministério convém também na Igreja atual.

O site da CNBB comenta: Este Evangelho nos mostra o surpreendente amor que Maria Madalena tinha por Jesus e a consequente experiência que ela faz da presença do Ressuscitado em sua vida, que a levou a exclamar “Mestre” e a segurá-lo a ponto de o próprio Ressuscitado pedir-lhe que não o segurasse, pois ainda não havia subido para junto de Deus. De fato, somente quem ama verdadeiramente a Jesus o reconhece como verdadeiro Mestre e faz a experiência de sua presença viva e amorosa no seu dia a dia. Mas esta experiência necessariamente faz da pessoa um evangelizador. Assim que Maria Madalena fez a experiência do encontro pessoal com Jesus Ressuscitado, foi anunciar esta verdade.

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