22 de novembro de 2016 – Terça-feira, 34ª semana

Leitura: Ap 14,14-19

Depois da visão dos 144.000 resgatados que acompanham o Cordeiro no monte Sião (vv. 1-5; leitura de ontem), três anjos convidam os ímpios perseguidores a se converterem, mas estes se obstinarão (cf. (16,2.9.11.21). Antes das sete pragas das sete taças que cairão sobre eles, João apresenta uma pre-“visão” do julgamento que se será descrito em 19,11-21; 20,11-15. Aqui é escrito nas imagens de ceifa e vindima, são atividades paralelas da colheita dos grãos (trigo) e das uvas (Jl 4,13-14). Trata-se da ceifa de maus, ou seja, a execução do julgamento final.

(Eu, João, na minha visão), vi uma nuvem branca e sentado na nuvem alguém que parecia um “filho de homem”. Tinha na cabeça uma coroa de ouro e, nas mãos, uma foice afiada (v. 14).

O “filho do homem” já apareceu a João em 1,13. É um ser misterioso da visão de Dn 7, na qual quatro bestas-feras (reinos pagãos, cf. Dn 7,17.23-25) são destruídas e o reino de Deus será entregue a uma figura humana vindo nas nuvens (Dn 7,13s) que representa o povo dos “santos do Altíssimo” (Dn 7,18) e posteriormente, um indivíduo (rei/messias) a quem é confiado o julgamento final (no livro apócrifo Apocalipse de Henoc; cf. Jo 5,27). Se Jesus tivesse usado o título Cristo (messias), teria sido logo preso por desafiar o império romano que havia instituído Herodes como rei vassalo. Mas Jesus se declarava com frequência “filho do homem” que significa literalmente “ser humano” (filho de Adão, cf. Sl 8,5; Ez 2,1.3. etc.), mas aponta simbolicamente para este juiz do céu. Aqui, Cristo aparece não só como filho do homem “vindo nas nuvens” (Dn 7,13), mas “sentado” nela (como o “ancião”, o próprio Deus em Dn 7,9), tendo um a “coroa de ouro” na cabeça como os 24 anciãos (4,4.9) e uma foice para a colheita, símbolo do julgamento.

Saiu do Templo um outro anjo, gritando em alta voz para aquele que estava sentado na nuvem: “Lança tua foice, e ceifa. Chegou a hora da colheita. A seara da terra está madura!” E aquele que estava sentado na nuvem lançou a foice, e a terra foi ceifada (vv. 15-16).

Há também três anjos nesta cena (v. 15.17.18) como na anterior (vv. 6.8.9). Uma dificuldade para interpretação é que um anjo dá a ordem a tal “figura humana”. Mas não significa subordinação do “filho do homem” ao anjo, porque um anjo é mensageiro de Deus e a ordem remete ao próprio Deus. Também pode se entender o grito como súplica de começar logo o julgamento, porque o sofrimento dos cristãos perseguidos já é demais, “a seara da terra está madura”.

Pode-se pensar na primeira foice lançada à terra para reunir o povo dos justos (como o filho do homem “reúne os seus eleitos” em Mc 13,27; cf. Mc 4,29 e Mt 13,24-30.36-43.); a segunda agirá para a condenação dos maus (vv. 17-20).

Então saiu do templo que está no céu mais um anjo. Também ele tinha nas mãos uma foice afiada. E saiu, de junto do altar, outro anjo ainda, aquele que tem o poder sobre o fogo. Ele gritou em alta voz para aquele que segurava a foice afiada: “Lança a foice e colhe os cachos da videira da terra, porque as uvas já estão maduras.” (vv. 17-18).

O segundo anjo tema foice para colheita das uvas. O terceiro sai do mesmo lugar “de junto do altar” do incenso no céu (cf. Ex 30,1-10), onde as almas (vidas imoladas) dos mártires se encontram clamando por justiça (6,9-11; 8,3-5). “Até quando, o Senhor santo e verdadeiro, tardarás a fazer justiça vingando nosso sangue contra os habitantes da terra?”. Aqui, a videira é imagem da humanidade hostil a Deus (diferente: Jo 15,1-6). Como nas visões das trombetas (8,6-9,21; 11,14-19), a execução do julgamento se realizará atendendo às orações dos fiéis. No julgamento, Deus se impõe aos seus inimigos a fim de que só a ele cabe todo poder e toda honra.

E o anjo lançou a foice afiada na terra, e colheu as uvas da videira da terra. Depois, despejou as uvas no grande lagar do furor de Deus (v. 19).

A vindima é clara: é uma versão fantástica de Is 63,1-6, do julgamento no qual Deus pisa sobre os povos no lagar. Nossa liturgia omitiu o v. seguinte: “O lagar foi pisado fora da cidade e dele saiu sangue até chegar aos freios dos cavalos, numa extensão de mil e seiscentos  estádios” (v. 20). A forma “foi pisado” indica a ação do próprio Deus; em 19,15, será o próprio Cristo “quem pisa o lagar do vinho do furor da ira de Deus”.  Este lago de sangue (1600 estádios correspondem a 32 km) aponta para a batalha final em 19,17-21. “1600” simboliza o número da terra inteira (4x4x100; quatro é o numero da terra em 7,1). “Fora da cidade” corresponde, como toda leitura de hoje, ao julgamento no “dia de Javé” situado no “vale de Josafá” (fora de Jerusalém) em Jl 4,2.12-14. Enquanto dentro da cidade, no “monte Sião”, os “resgatados da terra” estão salvos (vv.1-5; cf. Jl 3,5; 4,16). O extermínio das nações pagãs deve ser efetuado fora de Jerusalém (segundo Zc 14,2s. 12s; Ez 38-39; cf. Lv 4,12; Hb 13,11-12).

Com esta mensagem do julgamento, João quer motivar os cristãos de ficarem fieis a Jesus e não adorarem a besta (vv. 9-12; o imperador Domiciano exigia ser adorado como “Senhor e deus”) para não pertencerem àqueles que serão eliminados no juízo final.

Evangelho: Lc 21,5-11

Ouvimos o início do discurso “escatológico”, ou seja, “doutrina sobre as últimas coisas” (vida após a morte, fim do mundo, juízo final). Lc se serve de duas fontes: de Mc e de Q (uma coleção de palavras de Jesus, perdida como tal na história, mas preservada em partes dentro de Lc e Mt). Lc inseriu a escatologia de Q já durante a viagem de Jesus a Jerusalém (17,22-37) e copia o discurso final de Jesus de Mc 13 em Lc 21, enquanto Mt reuniu as duas fontes num discurso único (Mt 24-25). Em 17,22-37, Lc, utilizando uma das suas fontes (Q), já se referiu à parusia, ou seja, a “vinda” gloriosa de Jesus no fim dos tempos. Aqui, como Mc e a outra fonte, trata da ruína de Jerusalém (cf. 19,44), mas sem confundi-la com o fim do mundo (mesclado em Mt 24-25).

Algumas pessoas comentavam a respeito do Templo que era enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas. Jesus disse: ”Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (vv. 5-6).

Um salmo canta a beleza do monte Sião, onde se ergue o templo salomônico (Sl 48). Depois da destruição pelos babilônios (586 a.C.), os profetas Ageu e Zacarias ocupam-se com a reconstrução por ação de Zorobabel (520 a.C.). Na época de Jesus, durante 46 anos (Jo 2,20) o templo foi reformado por Herodes, de cuja magnificência restam mostras ou vestígios até hoje (como o muro das lamentações).

Em Mc 13,1-3, Jesus saiu do templo e sentou-se no monte das oliveiras falando a Pedro, Andre, Tiago e João. Mas Lc 21,5-7 omite estes detalhes dando impressão de que Jesus continua no templo falando à multidão. Para Lc, o anúncio apocalíptico é público, nada de segredos esotéricos. Lc destaca mais a beleza do templo, lugar central do seu evangelho que inicia e encerra no templo (Lc 1,8; 24,53) “enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas.” No entanto, “dias virão em que não ficara pedra sobre pedra. Tudo será destruído”.

O mesmo aconteceu já no ano 586 a.C. “O Senhor repudiou seu altar, desfez seu santuário… estendeu o prumo e não retirou a mão que derrubava” (Lm 2,5-9; cf. Sl 74). Não deixar pedra sobre pedra é fórmula estereotipada. Em Lc 19,41-44, o choro de Jesus, quando viu a cidade, já anunciou a guerra e a destruição pelos romanos que aconteceria em 70 d.C.

Mas eles perguntaram: “Mestre, quando acontecerá isto? E qual vai ser o sinal de que estas coisas estão para acontecer?” Jesus respondeu: “Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu! – e ainda: O tempo está próximo. – Não sigais essa gente! (vv. 7-8).

A pergunta sobre o sinal para saber quando chegará o fim, se refere á destruição do templo; a resposta afasta o horizonte até o tempo da Igreja, advertindo sobre seduções de impostores, abusando do título de messias-Cristo (“sou eu”). “O tempo está próximo” (ou “chega a hora”, “chegou o momento”); Ezequiel martela este tema de forma obsessiva (Ez 7,12; cf. Dn 7,22).

A Bíblia do Peregrino (p. 2526) comenta: Em tempo de crise surgem os exaltados e os astutos se aproveitam, como os falsos profetas (cf. Dt 13,2-6) e pretendentes de messias, p. ex. os casos de Teudas e Judas, referidos por Lucas em (At 5,36-37)….

Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim.” E Jesus continuou: “Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país. Haverá grandes terremotos, fomes e pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu” (vv. 9-11).

Enquanto Mc visou aqui o fim do mundo (mas cf. Mc 13,10), Lc parece pensar apenas no fim do templo (70 d.C.) que já aconteceu dez anos antes da redação do seu evangelho. “Guerras e revoluções” (como as revoltas em Roma entre 68-70, e o início da guerra judaica em 66 d.C.), “povo contra povo” (cf. Is 19,2; 2Cr 15,6), “terremotos, fomes” (cf. Is 14,30; Zc 14,4s; Ap 6,1-17) e – Lc acrescenta: “pestes”, “coisas (fenômenos) pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu”, Lc está pensando na erupção vulcânica do Vesúvio na Itália em 79 d.C. que criou uma nuvem gigantesca e enterrou as cidades Pompeia e Herculano? Ou usa sinais genéricos: fome, peste e espada são quase tópicos (Is 19,2-3; Jr 21,9-10)?

Mas apesar de tudo isso, “não fiqueis apavorados, … não será logo o fim.” (cf. 2Ts 2,2). Em tempo de crise, que não se deixem vencer pelo pânico (Jr 30,10). O aviso precedente deverá ressoar em cada situação semelhante.

O site da CNBB comenta: Não podemos pôr na realidade material o sentido final da nossa vida e a causa da nossa felicidade, pois o mundo material é transitório e só encontra o seu verdadeiro sentido enquanto é relacionado com o definitivo, ou seja, o mundo espiritual, e contribui para que a pessoa encontre nos valores que não são transitórios a causa da sua vida e da sua felicidade. Assim, devemos ser capazes de submeter os valores transitórios aos valores definitivos, pois somente eles podem nos garantir a nossa plena realização.

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