22 de setembro de 2017 – Sexta-feira, 24ª semana

 

Leitura: 1Tm 6,2c-12

A leitura de hoje pode nos ajudar discernir religiões verdadeiras e falsas a partir da conduta dos seus dirigentes e seu amor ao dinheiro. A carta fala dos doutores que se infiltraram na comunidade e ensinam outras doutrinas.

Ensina e recomenda estas coisas. Quem ensina doutrinas estranhas e discorda das palavras salutares de Nosso Senhor Jesus Cristo e da doutrina conforme à piedade, é um obcecado pelo orgulho, um ignorante que morbidamente se compraz em questões e discussões de palavras (vv. 2c-4b).

A recomendação abrange toda a doutrina precedente (“estas coisas”). Seu critério decisivo é o ensinamento de Jesus Cristo, o Evangelho (“palavras salutares”), e a resposta de “piedade” ou religiosidade, que aqui vem ocupar o lugar tradicional da fé. A verdadeira piedade não é uma devoção superficial, sim a maneira prática de viver e testemunhar o verdadeiro seguimento do Evangelho e a “sã doutrina” que dele procede. A “sã doutrina” é especialidade destas cartas pastorais (1,10; 2Tm 4,3; Tt 1,9; 2,1; variantes: 1Tm 6,3; 2Tm 1,13; Tt 1,13; 2,2).

À procura de Deus, que no AT resumia toda a atitude do fiel de Javé (Dt 4,29; Sl 27,8; Jr 29,13-14; etc.) e que guardou seu valor no NT (Mt 6,33;7,7-8; At 17,27; etc.; cf. v. 11), o autor opõe aqui (cf. 1,4; 2Tm 2,16.23; Tt 3,9) a “procura de discussões e brigas de palavras” (nossa liturgia traduz: “morbidamente se compraz”), busca sutil e sem objetivo, ilimitada porque indiscreta, “doença” fatal à “sã” doutrina (cf. v. 3; 1,10) por uma curiosidade que pretende ir além do mistério da fé (cf. 2Jo 9): “obcecado pelo orgulho, um ignorante”.

Daí é que nascem invejas, contendas, insultos, suspeitas, porfias de homens com mente corrompida e privados da verdade que fazem da piedade assunto de lucro. Sem dúvida, grande fonte de lucro é a piedade, mas quando acompanhada do espírito de desprendimento (vv. 4c-6).

O texto mostra como perceber claramente quando uma doutrina é “doentia”: o desejo desenfreado de lucro, o amor “cobiça” ao dinheiro (v. 10). Qualquer doutrina que aceite essa prática, percorre infalivelmente o caminho contrário ao Evangelho, à fé e à salvação, pois se fundamenta numa idolatria, que é geradora de inveja, brigas, blasfêmias, corrupção e mentira.

“Pelos frutos os conhecereis” (Mt 7,20). A falsa doutrina leva tradicionalmente a vícios aqui alistados (não muito diferentes daqueles problemas que Paulo enfrentava em 1Cor). O autor atribui motivos mercenários (“assunto de lucro”) aos falsos doutores (cf. Jo 10,12s). Compara a “menta corrompida” deles com o “espirito de desprendimento”, o apreço cristão pela moderação e suficiência (vv. 6-8); essa comparação é parecida com a advertência “ninguém pode servir a dois senhores…” (Mt 6,24)

Porque nada trouxemos ao mundo como tampouco nada poderemos levar. Tendo alimento e vestuário, fiquemos satisfeitos (vv. 7-8).

Os cristãos da terceira geração (à qual pertence esta carta) vivem mais em comunidades nas cidades gregas do que na roça da Galileia. A exigência radical de Jesus de deixar tudo o que têm (cf. Mc 1,17; 10,28; Lc 14,33) não era mais a regra, no entanto o cristão devia estar satisfeito se tem o necessário (alimento, vestimenta) sem almejar luxo (cf. Mt 6,11p; Pr 30,8: “não me dês riqueza nem pobreza, concede-me minha porção de pão”).

“Ficar satisfeito” ou “contentar com que tem”, lit. com autarquia. Desde Platão, a autarquia era virtude recomendada por filósofos gregos; a autarquia designa o estado ou a qualidade daquele que se basta a si mesmo, que se domina a ponto de se contentar com o que tem; o autor corrobora seu valor, aludindo provavelmente a textos bíblicos (cf. Jó 1,21; Ecl 5,14; Sl 49,17). Pelo tema, aqui encaixaria o texto de Mt 6,19-21 sobre a riqueza. “Nada trouxemos ao mundo … nada podemos levar” (cf. as declarações expressivas de Ecl 5,15 e Jó 1,21).

Os que desejam enriquecer, caem em tentação e armadilhas, em muitos desejos loucos e perniciosos que afundam os homens na perdição e na ruína. A raiz de todos os males é a cobiça do dinheiro. Por se terem deixado levar por ela, muitos se extraviaram da fé e se atormentam a sim mesmos com muitos sofrimentos (vv. 9-10).

Os ataques aos falsos doutores são tradicionais e estereotipados, mas mostram claramente como o falso ensino está totalmente errado em seus motivos, fontes e consequências.

A Bíblia do Peregrino (p. 2857) comenta: O autor os caracteriza duramente em sua atitude de vaidade, nas consequências lamentáveis e na raiz de tudo, que é a cobiça. Trata-se de uma generalização convencional, um provérbio corrente na literatura profana; outros dirão que a raiz de todos os males é a soberba. Contudo, a análise é correta: o afã de lucro vicia também o ensinamento, como acontecia com os falsos profetas ou magistrados denunciados por Miquéias (Mq 3,1-3). O afã de enriquecer-se desacredita o ensinamento. No seu apostolado, Paulo quis demonstrar explicitamente seu desinteresse por alguma coisa (cf. 1Cor 9; 2Cor 11,7; At 18,3).

Tu que és um homem de Deus, foge das coisas perversas, procura a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza, a mansidão. Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna, para a qual foste chamado e pela qual fizeste tua nobre profissão de fé diante de muitas testemunhas (vv. 11-12). 

Timóteo contrasta com os falsos doutores. O verdadeiro doutor é aquele que foge da ambição e vive com sobriedade. Em vez de ir atrás de dinheiro e coisas perversas, ele deve procurar as virtudes que edificam a comunidade: “a justiça, a piedade, a fé, o amor, a firmeza (perseverança), a mansidão” (cf. 2Tm 2,22; 1Cor 13,4-7). Seu compromisso primeiro é com a verdade (testemunho, profissão de fé), a qual se manifesta no ministério de Cristo, relembrado numa doxologia (hino em vv. 15-16, leitura de amanhã).

“Homem de Deus” é título que alguns profetas têm (Dt 33,1; 1Sm 2,21; 1Rs 13,1; 17,24; 2Rs 4,7 etc.). “Fizeste tua nobre profissão de fé diante de muitas testemunhas”; não sabemos exatamente a que circunstância da vida de Timóteo o autor da carta faz alusão aqui: ao batismo ou sua consagração para o ministério (4,14)?

“Combate… conquista”, Paulo gostava de comparações esportivas ou militares (cf. 1Cor 9,24-27; Gl 5,7; Fl 3,14; 1Ts 5,8; Ef 6,11-17): “Combater o bom combate” reaparece no seu testamento em 2Tm 4,7. Um tarefa tão difícil tem como recompensa a “vida eterna” (cf. 2Tm 2,11; cf. o prêmio em 1Cor 9,24s; Fl 3,14).

Evangelho: Lc 8,1-3

Depois do encontro com a pecadora na casa do fariseu (7,36-50, evangelho de ontem), Jesus continua sua missão, andando e pregando pelas cidades e povoados da Galileia (cf. 4,43s; Mc 1,39; Mt 4,23; 9,35).

Jesus andava por cidades e povoados, pregando e anunciando a Boa Nova do Reino de Deus. Os doze iam com ele; (v. 1)

No seu caminho, Jesus vai formando uma comunidade nova, um povo de Israel renovado: os “doze” apóstolos representam as doze tribos de Israel (6,12-16; Gn 35,22b-26; Ex 1,1-4; 1Rs 4,1-7). Jesus cumpre sua missão em companhia de um grupo de discípulos, como farão mais tarde os missionários da Igreja (At 8,14; 11,26; 13,2-3…). Mas os doze só receberão a responsabilidade da missão a partir de 9,1s.

e também algumas mulheres que haviam sido curadas de maus espíritos e doenças: Maria, chamada Madalena, da qual tinham saído sete demônios (v. 2)

No movimento de Jesus não há somente homens reconhecidos pela sociedade. Entre os doze encontramos um publicano (cobrador de impostos para os romanos, cf. Mt 9,9; 10,3) e um guerrilheiro (terrorista ou zelota: Simão Cananeu; cf. Lc 6,12p), marginalizados pela sociedade do seu tempo, como eram as mulheres. Elas também são parte integrante do grupo que acompanha Jesus. A presença dessas mulheres em volta dele é um fato excepcional no mundo palestinense (cf. Jo 4,27).

Enquanto em Mc, evangelho mais velho e fonte para Mt e Lc, aparecem mulheres acompanhantes de Jesus só no final, na morte e no túmulo de Jesus (Mc 15,40-16,8), em Lc elas tem um destaque desde o início (cf. Maria, Isabel e Ana em Lc 1-2; Maria e Marta em 10,38-42). O primeiro lugar na lista das discípulas sempre ocupa a testemunha da ressurreição em todos os evangelhos: Maria Madalena. Como ela é chamada pelo nome do lugar (Magdala – madalena; cf. Nazaré –nazareno), pode se deduzir que não tinha família (marido, pai, filho) que se importava com ela. Ela se encontra ao pé da cruz (Mt 27,56p), no sepultamento de Jesus (Mt 27,61p) e no túmulo aberto (Lc 24,10p), onde ela será a primeira a ver o Ressuscitado (Jo 20,11-18; Mt 28,9s).

A ideia de que vários demônios podem possuir a mesma pessoa se encontra também em 8,27. 30 e 11,26. Isso deve ser uma representação judaica para significar o poder da influência de Satanás sobre o possesso (sobretudo com o número sete, que significa plenitude). Para Maria de Magdala, Lc não esclarece: é doença ou possessão? Ela é a pecadora anônima de 7,36-50 como às vezes se pensou e assim a tradição a identificou? Enquanto “certo fariseu” (7,36) foi identificado por “Simão” em 7,40-44, “certa mulher” (7,37) ficou sem nome, apenas conhecida como “pecadora” (7,37.39) a quem Jesus perdoou.

Joana, mulher de Cuza, alto funcionário de Herodes; Susana, e várias outras mulheres que ajudavam a Jesus e aos discípulos com os bens que possuíam (v. 3).

O cargo exato deste funcionário Cuza e a sua importância são mal definidos, como também a função de Manaém junto a Herodes em At 13,1. Vários têm visto uma relação entre a menção de Lc a esses personagens do séquito de Herodes e os dados que só ele reporta sobre o tetrarca e sua família (Lc 3,1; 13,31; 19,12-14; 23,7-15; At 4,27; 12). Joana, que se encontra também no túmulo vazio (24,10), teria sido uma informante para o evangelista?

As mulheres curadas servem a Jesus e a comunidade (já a sogra de Pedro em 4,39; cf. At 9,36-42: Tabita), como outras também, e não só com bens materiais (cf. Maria e Marta em 10,38-42; Priscila em At 18,2.18.26 etc.). Mas para motivar seus leitores greco-romanos, Lc destaca a presença e a partilha de pessoas abastecidas (cf. 19,1-10; At 4,36s).

O site da CNBB comenta: Assim como Jesus não parava, mas vivia caminhando de um lado para o outro anunciando a chegada do Reino de Deus, a sua Igreja não pode ficar parada. Ela deve ir sempre ao encontro do outro, abrir novas fronteiras no trabalho evangelizador para que todos possam ter a oportunidade de conhecer o Reino de Deus, assim como livremente optar por ele. Para realizar a sua missão, a Igreja deve, assim como o divino Mestre, envolver o maior número possível de pessoas, sem distinção entre elas, que queiram colocar a sua vida a serviço do Reino de Deus, como fizeram as mulheres, conforme nos narra o Evangelho de hoje.

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