23 de Dezembro de 2019, Segunda-feira: Completou-se o tempo da gravidez de Isabel, e ela deu à luz um filho (v. 57).

Leitura: Ml 3,1-4.23-24

O livro de Ml só contém três capítulos. Foi escrito por um autor anônimo, mas o livro é chamado de “Malaquias”, porque este termo em hebraico maleaki significa “meu mensageiro/anjo” e foi tirado de 3,1 (o NT o cita e aplica a João Batista: Mc 1,2; Mt 11,10; At 13,24s). É o último livro dos 12 profetas menores e o último no Antigo Testamento da Bíblia cristã (que o interpreta em vista de João Batista; na Bíblia hebraica dos judeus, o último livro é 2Cr).

As profecias de Ageu e Zacarias sobre o templo reconstruído não se cumpriram como se esperava (cf. Ag 2,7-9; Zc 8,12s). As críticas e denúncias do culto e a defesa dos pobres (3,5, omitido pela nossa liturgia) indicam que o livro de Ml foi escrito por sacerdotes levitas (portadores de Dt 12-26; trazidos por Josias a Jerusalém em 2Rs 23,8s) em oposição aos sacerdotes de Sadoc (saduceus) atuando no templo.

Há dois grandes temas neste livro: 1. As faltas cultuais dos sacerdotes (1,6-2,9) e a falta dos fiéis em relação ao dízimo do templo (3,6-12), 2. O escândalo causado por matrimônios mistos e divórcios (2,10-16). Este conteúdo permite determinar a data deste livro profético: posterior ao restabelecimento do culto no templo reconstruído (515 a.C.) e anterior à proibição dos casamentos mistos na reforma de Neemias (445 a.C.).

O livro contém seis discursos ou oráculos, apresentados em forma de diálogo com o povo. No último capítulo, à pergunta do povo “onde está o Deus da justiça?” (2,17), o profeta responde anunciando um “dia de Javé” (Yhwh, pronunciado em português “Javé” ou traduzido por “Senhor”; cf. Am 5,18-20; Jl 2,1-2.10-11; Sf 1,14-18; Is 2,6-22) que purificará os sacerdotes (3,1-5), devorará os maus e assegurará o triunfo dos justos (3,13-21).

Eis que envio meu anjo, e ele há de preparar o caminho para mim; logo chegará ao seu templo o dominador, que tentais encontrar, e o anjo da aliança, que desejais. Ei-lo que vem, diz o Senhor dos exércitos; e quem poderá fazer-lhe frente, no dia de sua chegada? (v. 1).

À primeira vista, parecem ser duas personagens: o soberano que envia e o mensageiro (anjo) enviado. Obviamente, o dominador que chega a seu templo é o Senhor Deus, mas o anjo que prepara o caminho pode ser identificado com o anjo da aliança?

Há quatro sujeitos neste v. 1: o anjo que prepara o caminho, o dominador que chega a seu templo, o anjo da aliança que entra junto, e o Senhor dos Exércitos que fala.

O Senhor (Javé) diz que enviará “meu anjo”, ou “meu mensageiro” (a mesma palavra em hebraico: maleaki), que preparará o caminho (cf. Is 40,3; Ex 23,20), este dia, para o “anjo (=mensageiro) da aliança, que desejais”.

Ao seu templo chegará o “dominador” (hebraico “adon”, senhor); este nome de Deus insiste em seu senhorio universal (Zc 4,14; cf. Mq 5,1). A chegada do “anjo/mensageiro da aliança” ao templo coincide com a de Javé, portanto, não é o precursor que chega antes para preparar o caminho. “Mensageiro da aliança” é aquele quem faz as negociações, mas nunca foi dado a Moisés semelhante título. Trata-se de uma designação misteriosa do próprio Javé com referência implícita ao anjo do Êxodo (Ex 3,2; 23,20-23; cf. Ex 14,19; Gn 16,7-13; 21,17; 22,11, 31,11; Jz 2,1; Mt 1,20; 2,13.19; 28;2; At 12,7). Mt 11,10 convida para interpretá-lo em relação a Cristo.

O “Senhor (Javé) dos exércitos” (1,4.6.8-10 etc.) não só se refere aos exércitos de Israel em ordem de batalha (Jó 10,17; 1Sm 17,45s; Ex 12,51), mas também às constelações das estrelas (Gn 2,1; Is 40,26) e finalmente a todos os elementos e poderes do universo. Este título apareceu pela primeira vez ligado ao ritual da arca da aliança em Silo e entrou com ela em Jerusalém (1Sm1,3.11; 4,4; 2Sm 6,18; 7,8.27 etc.). Foi retomado pelos grandes profetas (salvo Ezequiel), pelos profetas do pós-exílio (como Malaquias; principalmente Zacarias) e nos Salmos (cf. Is 6,3.5; Sl 24,10; 46,8).

O “dominador” e o “anjo a aliança” (v. 1) são a mesma pessoa ou duas pessoas distintas?

A Bíblia do Peregrino (p. 2311) comenta: Primeiro vem o arauto a prepara o caminho (Is 40,3; 57,14; 62,10); depois, virá em pessoa o procurado ou desejado, que pode ser Deus mesmo ou o Messias. Deus mesmo: conforme o Seguindo Isaías, Ez 43; Ag 2,7-9 e Ml 3,5. O messias: interpretando textos como Is 42,6; 49,8; 55,3, e conforme Hb 9,15 o lê.

Nesta ambivalência podemos reconhecer traços de Jesus e de João Batista. Enquanto o anjo/mensageiro precursor “prepara o caminho para” o Senhor (v. 1), a chegada do dominador (Senhor) coincide com a do anjo/mensageiro da aliança (cf. vv. 1-2a). Pode-se entender João como precursor e Jesus como dominador e mensageiro da nova aliança, o messias “desejado” (cf. Mt 11,10). Esta leitura de Ml 3 é lida novamente na festa da “Apresentação do Senhor” (antigo nome: Nossa Senhora das Candeias, ou da Luz) em 02 de fevereiro, em que se comemora a vinda de Jesus menino ao templo de Jerusalém (Lc 2,22-38).

E quem poderá resistir-lhe, quando ele aparecer? Ele é como o fogo da forja e como a barrela dos lavadeiros; e estará a postos, como para fazer derreter e purificar a prata: assim ele purificará os filhos de Levi e os refinará como ouro e como prata, e eles poderão assim fazer oferendas justas ao Senhor. Será então aceitável ao Senhora oblação de Judá e de Jerusalém, como nos primeiros tempos e nos anos antigos (vv. 2-4).

O precursor João Batista anunciará o julgamento na ocasião da vinda próxima do Senhor (“no dia da sua chegada”) que será como fogo (Mt 3,7-12). Jesus também falará do fogo que ele mesmo veio trazer (Lc 12,49).

O julgamento no dia do Senhor compara-se ao fogo da fundição e purificação dos metais “ouro e prata” (vv. 2-3; cf. Is 1,22.25; Jr 6,28-30; Ez 22,17-22). Assim o Senhor “purificará os filhos de Levi” (os sacerdotes do templo; v. 3) e “será então aceitável ao Senhor a oblação de Judá e Jerusalém, como nos primeiros tempos” (v. 4). Esta era messiânica verá também o restabelecimento moral e a renovação social em favor dos pobres e oprimidos (cf. v. 5) e culminará no sacrifício perfeito a Deus, em todas as nações “do nascer ao pôr do sol” (1,11).

Eis que eu vos enviarei o profeta Elias, antes que venha o dia do Senhor, dia grande e terrível; o coração dos pais há de voltar-se para os filhos, e o coração dos filhos para seus pais, para que eu não intervenha, ferindo de maldição a vossa terra (vv. 23-24).

Os vv. 23-24 são um acréscimo posterior identificando a vinda deste “mensageiro” (v. 1) com a volta do profeta Elias que foi arrebatado ao céu (2Rs 2,11-13; cf. Eclo 48,9-10).

Assim no final de Ml (final dos livros proféticos) se reúnem Moisés (v. 22, omitido pela leitura de hoje) e Elias (vv. 23-24), a lei e a profecia em bom concerto; até que se reúnem no monte da transfiguração como testemunhas que confirmam o Messias (Mc 9,2-13). A tarefa de Moisés é proclamar a lei; mas converter, “voltar” o coração, compete ao profeta. A lei é uma lembrança, a profecia uma esperança. Moises não voltará, Elias sim.

A especulação sobre a volta de Elias se alimenta do relato do seu arrebatamento ao céu (2Rs 2,11-13) e desta nota de Malaquias. Ben Sirac recolhe a lenda como coisa aceita (Eclo 48,9s) e os evangelhos explicam seu sentido (Mt 11,15; 17,10). A tarefa de Elias será reconciliar as gerações (filhos, pais) divididas (cf. Lc 1,17), para que a terra não seja destruída. O final de Malaquias se destaca do seu contexto com valor permanente.

O NT (Novo Testamento) declara que Elias veio na pessoa de João Batista (cf. Lc1,17.76; Mt 11,14; 17,10.13; Mc 9,11-13). “Anjo” em grego é a mesma palavra de “mensageiro”, por isso, em algumas imagens (ícones) João Batista é representado com asas de anjo.

 

Evangelho: Lc 1,57-66

O evangelista Lucas conta a infância de Jesus em paralelo com a de João Batista. Por isso, o nascimento de João também se apresenta como acontecimento maravilhoso pelas circunstâncias: a mãe idosa e estéril, o nome inesperado do filho, a fala do pai recuperada.

Lc não escreve para judeus, mas para gregos, romanos ou outros que não conhecem a religião em que Jesus nasceu. Ele quer apresentá-la de maneira simpática usando muitas alusões e expressões do AT (Antigo Testamento), principalmente da história dos patriarcas, ex. Abraão e Sara tinham o mesmo problema de velhice e esterilidade que Zacarias e Isabel tinham; o anjo Gabriel falou as mesmas palavras a respeito do que o anjo do Senhor a Abraão (Lc 1,37; cf. Gn 18,14).

Completou-se o tempo da gravidez de Isabel, e ela deu à luz um filho (v. 57).

“Quando chegou o tempo”: a expressão pode recordar o parto de Rebeca (Gn 25,24) e a promessa feita a Abraão (Gn 18,10).

Os vizinhos e parentes ouviram dizer como o Senhor tinha sido misericordioso para com Isabel, e alegraram-se com ela. No oitavo dia, foram circuncidar o menino, e queriam dar-lhe o nome de seu pai, Zacarias (vv. 58-59).

Os festejos com parentes e a alegria dos vizinhos são como na tradição patriarcal (Gn 30,13). A procura do nome pelas vizinhas é como em Rt 4,17. Raramente atribuía-se a uma criança o nome do seu pai, mais vezes o nome do avô, isto pode sugerir a idade avançada de Zacarias.

No Antigo Testamento (AT), o nome é dado ao nascer (Gn 4,1; 21,3; 25,25-26…); aqui aparece o costume posterior do helenismo e do judaísmo que o dá no dia da circuncisão, no oitavo dia (Gn 17,12; Lv 12,3; Lc 2,21). Para os judeus, a circuncisão é o que para os cristãos será o batismo, sinal-sacramento da aliança-pertença ao povo de Deus (no NT, Paulo não a acha mais necessária, basta o batismo como sinal de fé; cf. At 15-16, em que aparecerá também o batismo de famílias inteiras, então também de crianças).

A mãe porém disse: “Não! Ele vai chamar-se João.” Os outros disseram: “Não existe nenhum parente teu com esse nome! ”(vv. 60-61).

No AT, os nomes sempre tem significado. “Zacarias” (em hebraico ZacarYa, cf. Zc 1,1; Ne 12,16; cf. Mt 23,35; Lk 11,51) vem da palavra “memória”, então significa “o Senhor (Yhwh, Javé) lembra”. “João” (em hebraico Yohanan) vem da raiz “misericórdia, piedade” e significa “O Senhor se compadece, agracia, é misericordioso”, o que corresponde mais ao milagre que aconteceu com este casal: A maternidade da anciã e o parto feliz foram um ato insigne da “misericórdia” de Deus, como já disse o v. 58: “o Senhor tinha sido misericordioso para com Isabel”.

Com a discussão sobre o nome, o narrador destaca sua importância: “piedoso-misericordioso” é um título clássico de Deus (Ex 34,6; Jl 2,13; Jn 4,2; Sl 86,15 etc.). Apesar da sua pregação ameaçadora (3,7-9.17p), João anunciará que Deus tem piedade e perdoará, se o povo se converter (3,10-14), e não se lembrará mais dos pecados. A misericórdia é um tema central no evangelho de Lc (cf. 7,36-50; 10,29-37; 16,19-26; 23,42s, …).

Então fizeram sinais ao pai, perguntando como ele queria que o menino se chamasse. Zacarias pediu uma tabuinha, e escreveu: “João é o seu nome.” No mesmo instante, a boca de Zacarias se abriu, sua língua se soltou, e ele começou a louvar a Deus (vv. 62-64).

No AT, o nome da criança é dado ora pela mãe (Gn 29,32-35; 30,6.24; 35,18; Jz 13,24; 1Sm 1,20; 4,21; 2Sm 12,24…) ora pelo pai (Gn 16,15; 17,19; 35,18; Ex 2,22…). Os vizinhos querem a confirmação do pai. “Fizeram sinais ao pai”, a surdez associa-se à mudez. A mesma palavra grega pode significar “surdo” (7,22) ou “mudo” (11,14).

Zacarias estava mudo porque duvidava no anúncio de Gabriel (v. 20). Agora, ao obedecer à palavra do anjo a respeito do nome (1,13), manifesta sua fé e recupera a fala, porque tudo se cumpriu, e começa a “louvar a Deus” (final costumeiro de milagre em Lc: “dar glória a Deus” cf. 2,20; 5,25s; 7,16; 13,13; 17,15.18; 18,43; cf. 19,37; At 4,21; “louvor”: 18,43; 19,37; At 3,8s). Como antes sua esposa ao saudar Maria (vv. 41-45), agora ele pode dar graças e profetizar no Espírito Santo (o cântico chamado Benedictus em vv. 67-79, evangelho de amanhã).

Todos os vizinhos ficaram com medo, e a notícia espalhou-se por toda a região montanhosa da Judéia (v. 65).

A cura instantânea de Zacarias é para todos um sinal (Ez 24,27; 33,22) que provoca “medo”, o temor de Deus. O espanto é a reação habitual diante dos milagres (8,25.56; 9,43; 11,14; At 3,10) e das outras manifestações divinas (24,12.41; At 2,7).

E todos os que ouviam a notícia, ficavam pensando: “O que virá a ser este menino?” De fato, a mão do Senhor estava com ele (v. 66).

A Bíblia do Peregrino (p. 2455) comenta: É a versão teológica de nossa frase “uma criança que promete”, porém, é Deus que promete. A “mão de Deus” sobre as pessoas simboliza proteção sobre os fieis (Sl 80,18; 139,51; 1Cr 4,10; At 11,21) e a ação divina sobre os profetas (1Rs 18,46; 2Rs 3,15; Is 41,20; Ez 1,3; 3,14.22; 8,1…).

O site da CNBB resume: O nascimento de João Batista nos mostra a atuação de Deus na história e que nem sempre entendemos esta atuação ou os nossos projetos são os mesmos dele. Quando existe discordância entre a vontade de Deus e a nossa vontade, nós nos tornamos limitados e incapazes de viver plenamente na graça divina e de comunicar esta graça aos nossos irmãos e irmãs, mas quando a nossa vida é conforme a vontade de Deus, a graça divina atua em nós, a mão do Senhor está conosco e a nossa boca se abre para anunciar suas maravilhas e proclamar os seus louvores.

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