23 de janeiro de 2017 – Segunda-feira, 3ª semana

 

Leitura: Hb 9,15.24-28

Ainda na parte central da sua exposição (7,1-10,18), o autor anônimo de Hb explicita como a nova aliança se realizou em Cristo.

Cristo é mediador de uma nova aliança. Pela sua morte, ele reparou as transgressões cometidas no decorrer da primeira aliança. E, assim, aqueles que são chamados recebem a promessa da herança eterna (v. 15).

A antiga aliança de Deus era com o povo de Israel, concluída no Sinai (cf. 8,9; Ex 24,3-8). A mudança de culto sacrifical era necessária para que o relacionamento entre os homens e Deus fosse firmado numa base melhor (cf. 7,12.18-19).

 “Cristo é o mediador de uma nova aliança” (v. 15a; cf. 8,6-7.13; 13,20; 1 Tm 2,5). Esta aliança é melhor do que a antiga e já foi predita pelos profetas (8,8-12; Jr 31,31-34). A aliança antiga com seu sacerdócio levita e sacrifícios de animais não foi capaz de salvar dos pecados. Só pelo sangue de Cristo, ou seja, “pela sua morte, ele reparou as transgressões cometidas no decorrer da primeira aliança” (v. 15b).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2249) comenta a palavra “mediador”: O termo assim atribuído a Cristo tem um valor quase técnico (9,15; 12,24; 13,20). Plenamente homem (2,14-18; cf. Rm 5,15; 1Cor 15,21; 1Tm 2,5), possuindo todavia a plenitude da divindade (Cl 2,9; Rm 9,5), Jesus é o intermediário único (Rm 5,5,15-19; 1Tm 2,5; cf. 1Cor 3,22-23; 11,3) entre Deus e a humanidade, que ele une e reconcilia (2Cor 5,14-20). Ele é o intermediário da graça (Jo 1,1-2). No céu, ele continua a interceder por seus fiéis (7,25).

Cristo é “o mediador de uma aliança bem melhor, baseado em promessas melhores” (v. 6; cf. vv. 7.13; 7,22; 9,15s; 13,20; 1Tm 2,5), em vez da Terra prometida, uma “herança eterna” (cf. 9,12: “redenção eterna”). A palavra grega pode ser traduzida por “aliança” ou por “testamento” (cf. Gl 5,15-17). “Com efeito, onde existe testamento, é necessário que se constate a morte do testador. Um Testamento só tem valor no caso de morte” (vv. 16-17a).

O profeta Jeremias já anunciou a nova aliança (Jr 31,31-34), mas não explicitou de que modo se fundaria. Nos vv. 16-23 (omitidos por nossa liturgia), o autor de Hb observa que, no Antigo Testamento, uma aliança entre Deus e os seres humanos se funda sobre um sacrifício de “sangue” (Ex 24,3-8), então uma nova aliança exige um novo sacrifício (cf. Mt 26,28p; 1 Cor 11,25). A “morte” de Cristo cumpre esta exigência.

O homem pecador necessitava de completa refundição de seu ser, o que só podia se realizar através da sua morte. Assim, era preciso que a morte tomasse sentido positivo, servindo para estabelecer nova relação entre o homem e Deus, bem como nova solidariedade entre os homens. E foi isso o que realizou a morte de Cristo, pois ele constituiu uma oferenda pessoal perfeita. Ela realizou definitivamente aquilo que o culto da primeira aliança só podia esboçar. Ela superou a distância que separava o homem de Deus, transportando a humanidade de Cristo para o nível celeste e introduzindo-a para sempre na intimidade de Deus (Vanhoye, p. 77).

Jesus não entrou num santuário feito por mão humana, imagem do verdadeiro, mas no próprio céu, a fim de comparecer, agora, na presença de Deus, em nosso favor (v. 24).

Jesus exerce seu sumo sacerdócio não no Templo de Jerusalém, “santuário feito por mão humana”, mas “no próprio céu” (v. 24, cf. 8,1-2.5; 9,11; 2Cor 5,1) para interceder “em nosso favor”. O Templo em Jerusalém foi destruído pelo exército romano em 70 d.C.  A redação de Hb (90 d.C.?) pode ser um reflexo do fim do culto neste templo.

E não foi para se oferecer a si muitas vezes, como o sumo sacerdote que, cada ano, entra no Santuário com sangue alheio. Porque, se assim fosse, deveria ter sofrido muitas vezes, desde a fundação do mundo. Mas foi agora, na plenitude dos tempos, que, uma vez por todas, ele se manifestou para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo (vv. 25-26).

No “Santuário” (santíssimo do Templo), “só o sumo sacerdote entra, uma vez por ano…” (no dia do perdão ou da “expiação,” Yom kippur, cf. Lv 16; e tem de repeti-lo a cada ano), “e não o faz sem oferecer sangue por seus pecados e pelos do povo” (9, 7).O Filho de Deus, porém, não precisa fazer sacrifícios repetidamente como os sacerdotes levitas os fazem com o sangue alheio dos animais, porque o sacrifício de si mesmo foi o bastante “para tirar o pecado da multidão” (v. 28), já que ele mesmo não tinha pecado (cf. 4,15; cf. Is 53,11s). Basta um Filho único de Deus (unigênito e preexistente “desde a fundação do mundo” (cf. 1,2; Jo 1,1; 1Pd 1,19s), e seu sacrifício único, “na plenitude dos tempos… uma vez por todas” (v. 26; cf. 10,10; Mc 1,15; Gl 4,4) para conseguir o que os ritos do AT buscavam sem obter: o pecado é perdoado, abre-se o acesso a Deus e a reconciliação se realiza.

O destino de todo homem é morrer uma só vez, e depois vem o julgamento (v. 27).

A Bíblia afirma que após a morte não haverá reencarnação das almas (esta crença é sustentada pelo hinduísmo, budismo e espiritismo), mas “o destino de todo o homem é morrer uma só vez, e depois vem o julgamento” (v. 27; cf. Rm 2,5-10; Jo 5,28s). Nós cristãos acreditamos em um só Deus, um só Senhor, um só Espírito, uma só fé, um só batismo (cf. Ef 4,4-6) e que cada ser humano é único, portanto não vai levar outra vida na terra após a sua morte, mas sua alma continua viva e seu corpo se transformará na ressurreição (cf. 1Cor. 15).

Do mesmo modo, também Cristo, oferecido uma vez por todas, para tirar os pecados da multidão, aparecerá uma segunda vez, fora do pecado, para salvar aqueles que o esperam (v. 28).

Assim Jesus ofereceu sua vida uma única vez, “uma vez por todas”, e este sacrifício foi eficaz e bastante “para tirar os pecados da multidão” (Is 53,12; Mt 26,28; Jo 1,19; 1Pd 2,24); na Oração Eucarística pronuncia-se sobre o cálice: “meu sangue derramado por vós e por todos para remissão dos pecados”, interpretando a “multidão” de Is 53,12 citado por Mt 26,28 como toda humanidade, baseando se em Paulo e João (por ex. Rm 5,15-19; Jo 6,51 etc.). Aliás, na missa não repetimos o sacrifício de Cristo, mas o atualizamos (tornamos presente através da memória). O que Cristo realizou há 2000 anos “uma vez por todas”, se torna eficiente por todos os tempos.

Agora Jesus ressuscitado está continuamente junto a Deus, intercedendo em favor dos homens. Ele voltará, “aparecerá uma segunda vez, fora do pecado”, não para um novo sacrifício, mas para dar aos fiéis a plenitude da salvação (v. 28; 1Ts 1,10 etc.).

Evangelho: Mc 3,22-30

Neste evangelho ouvimos de mais uma controvérsia de Jesus com os mestres da Lei. Os familiares de Jesus achavam que ele “está fora de si” (v. 21), os peritos de Jerusalém chegam a uma conclusão pior.

Os mestres da Lei, que tinham vindo de Jerusalém, diziam que ele estava possuído por Beelzebu, e que pelo príncipe dos demônios ele expulsava os demônios (v. 22).

Jesus já foi sentenciado pelos fariseus e herodianos na Galileia (3,6), mas agora vêm peritos, “mestres da lei”, da capital de Jerusalém em missão oficial (v. 22; cf. os enviados do templo para interrogar o Batista em Jo 1,19). Parece que trazem a sentença já confeccionada. A quem liberta os possessos declaram o primeiro possesso, aliado camuflado do chefe dos demônios. “Belzebu” é um dos nomes tradicionais do diabo (tomado do deus da cidade filisteia de Acaron em 2Rs 1,2-16 onde o nome Beel-Zebul, “senhor príncipe”, é transformado maliciosamente em Baal Zebub, “senhor das moscas”). A acusação dos mestres da lei é gravíssima e visa desacreditar pela base toda atividade de Jesus, declarando-o agente do rival (satanás) de Deus. É uma acusação absurda em simples lógica e se voltará contra os que a pronunciam.

Então Jesus os chamou e falou-lhes em parábolas: “Como é que Satanás pode expulsar a Satanás? Se um reino se divide contra si mesmo, ele não poderá manter-se. Se uma família se divide contra si mesma, ela não poderá manter-se. Assim, se Satanás se levanta contra si mesmo e se divide, não poderá sobreviver, mas será destruído. Ninguém pode entrar na casa de um homem forte para roubar seus bens, sem antes o amarrar. Só depois poderá saquear sua casa (vv. 23-27).

Jesus responde com dupla comparação (“em parábolas” v. 23): a unidade de um reino e de uma casa/família. Satanás tem seus agentes, seus instrumentos, sua morada e seguidores; insinua-se sua oposição ao reino de Deus (cf. 1,12-15) e a casa/família de Deus (cf. vv. 31-35). Não é que uma facção do reino de Satanás esteja lutando contra outra; o ataque vem de fora, de um mais forte que ele, que o amarrará e saqueará sua casa (Jesus já enfrentou satanás com sucesso no deserto, cf. 1,12-13). Quando Satanás for amarrado, também o domínio da morte o será (cf. Lc 10,18; Hb 2,14; Ap 20,1.10).

O ícone da ressurreição na Igreja Ortodoxa (anástasis) mostra a descida de Jesus entre os mortos: Ele liberta Adão e Eva (representantes da humanidade) dos seus túmulos, e Satanás fica amarrado sob a porta arrombada da mansão dos mortos.

Em verdade vos digo: tudo será perdoado aos homens, tanto os pecados, como qualquer blasfêmia que tiverem dito. Mas quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca será perdoado, mas será culpado de um pecado eterno.” Jesus falou isso, porque diziam: “Ele está possuído por um espírito mau” (vv. 28-30).

Atribuir a Satanás o que é ação de Deus é “blasfemar contra o Espírito Santo” (v. 29). No AT, blasfêmia contra Deus era considerada delito gravíssimo com pena de lapidação (cf. Ex 22,27; Lv 24,11-16; Eclo 23,12; cf. Mc 2,7). Quem se obstina diante dos sinais evidentes, fecha-se à ação de Deus, também ao perdão de Jesus pelo qual venceria Satanás. Quem recusa o perdão, não pode recebê-lo (cf. Jo 20,22-23), corta o galho em que está apoiado, “nunca será perdoado” (v. 29).

O site da CNBB resume: A inveja nos faz capazes de encontrar os motivos mais terríveis para condenar alguém que pratica o bem. Com Jesus não foi diferente. Os mestres da Lei viam tudo o que Jesus fazia e não podiam negar os fatos, mas quando deveriam aderir à proposta de Jesus, a inveja tomou conta dos seus corações. Como o poder de Jesus não podia ser contestado, resolveram contestar a origem de tal poder, afirmando que este não era a manifestação de uma realidade divina, e sim diabólica, atribuindo a Jesus o que de fato era a origem dos seus próprios pensamentos, uma vez que negavam como divina a ação do próprio Espírito Santo, e isso sim, é algo diabólico.

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