23 de Janeiro de 2019, Quarta-feira: Jesus entrou de novo na sinagoga. Havia ali um homem com a mão seca (v. 1).

Leitura: Hb 7,1.15-17

Na terceira parte da sua exposição (5,11-10,39, o autor anônimo de Hb mostra que sacerdócio de Cristo é muito diferente do antigo sacerdócio. A figura bíblica de Melquisedec (Gn 14,18-20; Sl 110,4) anuncia um sacerdócio superior aí sacerdócio levítico (7,1-28; cf. 5,6.10; 6,19). Esse é um ponto novo que não se havia tocado, de modo explícito, na segunda parte (3,1-5,10).

Melquisedec, rei de Salém, sacerdote de Deus Altíssimo, saiu ao encontro de Abraão, quando esse regressava do combate contra os reis, e o abençoou. Foi a ele que Abraão entregou o dízimo de tudo. E o seu nome significa, em primeiro lugar, “Rei de Justiça”; e, depois: “Rei de Salém”, o que quer dizer, “Rei da Paz” (vv. 1-2).

Melquisedec é figura misteriosa que entrou na história de Abraão. Quando Abraão voltava da sua campanha vitoriosa com os 318 aliados e familiares para resgatar seu sobrinho Ló, apareceu Melquisedec, um rei e ao mesmo tempo sacerdote. Era costume no Antiguidade, atribuir ao rei também funções sacerdotais. Ele levou pão e vinho e abençoou Abraão em nome de “Deus Altíssimo”, e a ele Abraão entregou o primeiro dízimo na Bíblia (cf. Gn 14,17-20).

O nome Melqui-sedec é hebraico e significa “rei da justiça” (cf. Melqui-or, significa rei da liz) e lembra os sacerdotes sadocitas em Jerusalém com quem Davi fez aliança. Assim os sadocitas representavam outra ordem de sacerdócio além dos descendentes de Aarão (cf. 2Sm 8,17; 15,24s.35s; 19,12–15; 1Rs 8.32-39; 1Cr 12,29; 15,11; 24,31; Ez 40,46; Eclo 51,12; cf. os saduceus no NT, cf. Mt 3,7; 16,1.11 etc.). O hebraico shalom, pronunciado em grego “salém”, quer dizer paz; Jeru-Salém, cidade “da paz”. Assim Melquisedec prefigura o rei Davi (da tribo de Judá), que também se atribuiu funções sacerdotais (2Sm 6,14s), e finalmente o messias-Cristo (v. 17; Sl 110,1.4).

O autor de Hb não faz uma exegese do texto de Gn 14,17-20, mas relaciona-o com o oráculo de Sl 110 e da posição atual de Cristo glorificado. Assim descobre em Melquisedec um precursor de Cristo.

Sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem início de dias, nem fim de vida! É assim que ele se assemelha ao Filho de Deus e permanece sacerdote para sempre (v. 3).

Os grandes personagens na Bíblia são sempre mostrados com sua origem e genealogia. A origem familiar tinha importância decisiva para o sacerdócio. No retorno do exílio babilônico, “procuraram seus registros genealógicos, e não os achando, foram excluídos do sacerdócio como impuros” (Esd 2,62). Moisés e Aarão eram da tribo de Levi (cf. Ex 2,1; 28,1; 1Cr 5,27-29; 6,34s).

De Melquisedec, porém, não se fala nada a respeito dos pais ou descendentes, mas o patriarca Abraão o reconhece e recebe a benção, “sem duvida, quem é abençoado é inferior àquele que o abençoa” (v. 7). Nossa liturgia omitiu os vv. 4-14 que falam do dízimo que Abraão entregou a Melquisedec, salientado outra vez a superioridade do Melquisedec sobre Abraão e, em consequência, sobre os sacerdotes da tribo de Levi, descendente de Abraão.

Isto se torna ainda mais evidente, quando surge um outro sacerdote, semelhante a Melquisedec, não em virtude de uma prescrição de ordem carnal, mas segunda a força de uma vida imperecível. Pois diz o testemunho: “Tu és sacerdote para sempre na ordem de Melquisedec” (vv. 15-17).

Isso leva a uma conclusão: Melquisedec é sacerdote de modo maior do que os outros sacerdotes; ele não está ligado à classe sacerdotal dos descendentes de Aarão (da tribo da Levi), nem à descendência de Abraão. Seu sacerdócio é muito mais amplo, é universal e eterno, assim prefigura o sacerdócio de Jesus que surgiu, como messias, da tribo não sacerdotal de Judá (cf. v. 13s). “Não em virtude de uma prescrição de ordem carnal, mas segundo a força de uma vida imperecível” (v. 16), ou seja, não por sucessão hereditária, mas graças à transformação gloriosa da ressurreição (cf. Rm 1,3s), Cristo, “semelhante a Melquisedec”, é um “rei (messias) da justiça e da paz” (cf. v. 2) e também “sacerdote para sempre na ordem de Melquisedec” (v. 17; Sl 110[109],4; cf. salmo responsorial de hoje).

Evangelho: Mc 3,1-6

Ouvimos a última das cinco controvérsias em seguida com os fariseus na Galileia (cf. Mc 2 e os comentários dos dias passados) e mais uma vez sobre a questão do sábado.

Jesus entrou de novo na sinagoga. Havia ali um homem com a mão seca (v. 1).

Jesus entra “de novo na sinagoga”, provavelmente em Cafarnaum onde já havia curado um possuído na sinagoga; outra vez encontra-se ali um doente (v. 1; cf. 1,21), desta vez “um homem com a mão seca”, sem vida, sem movimento, sem possibilidade de agir.

Alguns o observavam para ver se haveria de curar em dia de sábado, para poderem acusá-lo (v. 2).

Esta narrativa não obedece ao esquema habitual de relatos de milagre (encontro com sintomas, obstáculo, gesto ou palavra milagrosa, demonstração da cura, aclamação do povo), porque o interesse aqui está mais na controvérsia do que na cura.

Jesus disse ao homem da mão seca: “Levanta-te e fica aqui no meio!” (v. 3).

Jesus chama o doente: “Levanta-te e vem para o meio” (v. 3; cf. o lema da CF 2006 sobre pessoas com deficiência). Jesus coloca os doentes e necessitados no centro da atenção da sociedade que costuma marginalizá-los.

E perguntou-lhes: “É permitido no sábado fazer o bem ou fazer o mal? Salvar uma vida ou deixá-la morrer?” Mas eles nada disseram (v. 4).

Jesus desafia os rivais (v. 2 não diz quem são; só v. 6) e coloca a questão ética: “Fazer o bem ou fazer o mal, salvar uma vida ou deixá-la morrer?” (cf. Dt 30,15). Os rabinos permitiam infringir a lei do sábado para prestar socorro alguém em perigo de morte: aqui não é o caso. Mas Jesus estende o princípio a qualquer cura e a qualquer boa ação feita no dia de sábado, pois não curar equivale matar, sacrificar a saúde de um infeliz, não fazer o bem equivale a fazer o mal. Jesus tende a pôr o sábado a serviço do homem (2,27), do bem e da vida (cf. Jo 5,17-18). Os adversários, porém, pensam que se deve sacrificar o homem à instituição, mas por falta de argumento “eles nada disseram” (v. 4c).

Jesus, então, olhou ao seu redor, cheio de ira e tristeza, porque eram duros de coração; e disse ao homem: “Estende a mão.” Ele a estendeu e a mão ficou curada (v. 5).

Mc anotou com frequência o olhar de Jesus “ao seu redor” (v. 5; cf. v. 34; 10,23; 11,11; cf. Lc 6,10), desta vez “cheio de ira e tristeza”. Jesus parece unir uma cólera divina (frequente no AT, cf. Sl 95,11 etc.), por causa da dureza do coração dos adversários, a uma compaixão humana (cf. 1,41 na tradução da Bíblia Pastoral). Mais uma vez, Jesus cura um deficiente apenas com sua Palavra (cf. 2,1-12p; Mt 8,8p) e “a mão fica curada” (v. 5d).

Ao saírem, os fariseus com os partidários de Herodes, imediatamente tramaram, contra Jesus, a maneira como haveriam de matá-lo (v. 6).

Em vez da admiração e aclamação do povo, Mc anota a reação negativa, a decisão de matar o benfeitor Jesus. Os fariseus não podiam empreender uma ação contra Jesus sem o poder político de Herodes Antipas (seu pai era Herodes Grande que matava os recém nascidos em Belém, cf. Mt 2). Antipas era governador da Galileia e da Pereia; foi ele quem mandou prender João Batista (1,14; 6,17) e, conforme Lc 13,31, era hostil a Jesus (cf. Mc 8,15; Lc 23,8-12). Os herodianos tornarão a encontrar-se com os fariseus em 12,13, desta vez em Jerusalém para apanhar Jesus numa pergunta sobre o imposto a César. Lá também os sumos sacerdotes, anciãos e doutores da lei vão procurar o poder político, o governador da cidade, Pôncio Pilatos, para conseguirem matar Jesus (15,1).

O site da CNBB resume: A vivência legalista e proibitiva da religião é uma das maiores manifestações da dureza de coração que pode acontecer na vida das pessoas. Quando isso acontece, as pessoas não são capazes de descobrir os valores que devem marcar o nosso relacionamento entre nós mesmos e entre nós e o próprio Deus, e a religião acaba por se tornar um mero cumprimento de obrigações e de ritos, numa verdadeira bruxaria. Esta forma de religião acaba por ter como um dos seus principais fundamentos a relação de poder, o autoritarismo e a estratificação social a partir da fé das pessoas. É por isso que as autoridades do tempo de Jesus procuram descobrir a maneira como haveriam de matá-lo.

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