23 de junho de 2016 – 12ª semana 5ª feira

Leitura: 2Rs 24,8-17

Nos últimos capítulos dos livros dos Reis (e das Crônicas) entra em cena o rei da Babilônia, Nabucodonosor. Este nome nos vem das versões grega e latina, mas na língua dos caldeus é Nabu-kudur-usur e no texto hebraico, Nebukadnesar. Seu pai Nabopolassar conquistou Nínive em 612 a.C. e derrubou o império assírio em 606, cumprindo a profecia de Naum. Nabucodonosor reinou de 605 a 562 e venceu o Egito na batalha de Carquemish (na fronteira da Síria e da Turquia) em 605 (cf. Jr 46,2), vitória que lhe garantiu o acesso a Síria e a Palestina (cf. v. 7). Ele porá fim ao reino de Judá com sua capital Jerusalém, cf. 24,2, “como o Senhor havia ameaçado pelos seus servos, os profetas” (cf. 17,23). Assim a redação deuternomista entende toda sua narração de Js a 2Rs: desde o tempo de Moisés, os profetas denunciaram os desvios sociais e religiosos no país, mas não foram ouvidos, agora vem o julgamento.

Em Jerusalém, o profeta Jeremias declarou que não haveria outra salvação a não ser reconhecer a vontade (castigo) de Deus no domínio babilônio (Jr 1,13-19; 4,15-19; 6,1-4 etc.- cf. 24,1-10; 37,1s) e que o templo em Jerusalém não era uma garantia mágica, capaz por si de proteger a cidade e o povo  (Jr 7 e 26). Os patriotas declararam Jeremias inimigo da pátria, desmoralizador das tropas, prendendo-o e tentando matá-lo. Dessa maneira, eles aceleraram o cumprimento da sentença divina.

Depois de ser submisso à Babilônia por três anos, o rei de Judá, Joaquim, revoltou-se por volta de 600. Mas Nabucodonosor mandou tropas aliadas, Joaquim morreu e foi substituído por seu filho Joaquim (cf. vv. 23,34-24,6). Como o texto da nossa liturgia confunde os dois nomes Joaquim e Joaquim, tomei a liberdade de corrigi-lo.

Joaquim tinha dezoito anos quando começou a reinar e reinou três meses em Jerusalém.  Sua mãe chamava-se Noesta, filha de Elnatã, de Jerusalém. E ele fez o mal diante do Senhor, segundo tudo o que seu pai tinha feito (vv. 8-9).

Os três meses do reinado de Joaquim eram de meados de dezembro de 598 a 16 de março de 597. Os patriotas (partido da resistência) esperavam que o filho continuasse a política paterna. No começo, o jovem cedeu aos ministros; mas quando o exercito babilônio assediou a Jerusalém, Joaquim se rendeu para salvar a vida e a cidade. O imperador fez represálias, impôs fortes tributos e nomeou um rei vassalo da família de Josias: Sedecias (cf. vv. 10-17).

Naquele tempo, os oficiais de Nabucodonosor, rei da Babilônia, marcharam contra Jerusalém e a cidade foi sitiada. Nabucodonosor, rei da Babilônia, veio em pessoa atacar a cidade, enquanto seus soldados a sitiavam. Então Joaquim, rei de Judá, apresentou-se ao rei da Babilônia, com sua mãe, seus servos, seus príncipes e seus eunucos. E o rei da Babilônia os fez prisioneiros. Isto aconteceu no oitavo ano do seu reinado (vv. 10-12).

Uma crônica babilônica informa que se trata do dia 16 de março de 597, que marca o término daquele “oitavo ano”, de acordo com a contagem judaica de 2Rs (cf. 25,8; Jr 52,12, em Jr 52.28s é cômputo babilônico: sétimo ano, não contando o ano incompleto da ascensão).

Jeremias profetizou a deportação do rei com sua mãe (Jr 22,24-26 em que Joaquim é chamado de Koniahu = Jeconias; quanto ao nome duplo, cf. v. 17). Os “eunucos” (homens castrados) faziam parte de cortes orientais para servir e vigiar as mulheres do rei e alcançaram altos cargos de confiança, às vezes são simples funcionários sem serem castrados (2Rs 8,6; Is 39,7; At 8,36 etc.; cf. Dt 23,2; Lv 21,20; Is 56,3-5).

Entre o primeiro grupo de deportados para a Babilônia foi um jovem sacerdote, Ezequiel, que receberia sua vocação profética no exílio onde anunciou a queda definitiva de Jerusalém (cf. Ez 17,12-18) e a esperança de restauração. Para ele, Joaquim continua sendo o rei legitimo, os anos continuam sendo contados segundo sua subida ao trono.

Nabucodonosor levou todos os tesouros do templo do Senhor e do palácio real, e quebrou todos os objetos de ouro que Salomão, rei de Israel, havia fabricado para o templo do Senhor, conforme o Senhor havia anunciado. Levou para o cativeiro Jerusalém inteira, todos os príncipes e todos os valentes do exército, num total de dez mil exilados, e todos os ferreiros e serralheiros; só deixou a população mais pobre do país (vv. 13-14).

O saque e a deportação são a realização da profecia de Isaías feita a Ezequias (cf. 20,17s). Os vv. 12 e 15 se seguem perfeitamente, portanto os vv. 13-14 devem ser um acréscimo posterior que antecipa fatos de segunda deportação (cf. Jr 27,22). Os vv. seguintes dão a versão original.

Deportou Joaquin para Babilônia, e do mesmo modo exilou de Jerusalém para a Babilônia a rainha-mãe, as mulheres do rei, seus eunucos e todos os nobres do país. Todos os homens fortes, num total de sete mil, os ferreiros e os serralheiros em número de mil, todos os homens capazes de empunhar armas, foram conduzidos para o exílio pelo rei da Babilônia (vv. 15-16).

Os vv. 13-14 e 15-16 são duplicatas que avaliam de modo um pouco diferente a extensão da primeira deportação. As cifras apresentadas diferem (v. 14: dez mil; v. 16: oito mil) e parecem exageradas em comparação com Jr 52,28 (três mil vinte e três). Com essas medidas, Nabucodonosor julgou dominada a resistência dos judeus, mas enganou-se.

Joaquim haveria de ficar trinta e sete anos na Babilônia , até a morte de Nabucodonosor (cf. 25,27), num cativeiro bastante suave.

E, em lugar de Joaquin, ele nomeou seu tio paterno, Matanias, mudando-lhe o nome para Sedecias (v. 17).

Este tio é o terceiro filho de Josias a subir ao trono, é irmão uterino de Joacaz que foi rei deposto pelo faraó Necão. Seu nome Matanias significa “dom de Deus”. Mudanças de nome são comuns em amizades (apelidos) ou por motivos religiosos (nome novo ao entrar numa comunidade ou num mosteiro) ou políticos (na coroação ou para expressar dependência; cf. Azarias – Ozias em 14,21; 15,13; Joacaz-Selum em 23,30; Jr 22,11; Eliacim-Joaquim em 23,34; talvez Jededias – Salomão em 2Sm 12,24s). Nabucodonosor respeitou os sentimentos religiosos do povo judeu, dando ao novo rei um nome javista. Sedecias significa “justiça (ou vitória) de Javé” ou “Javé, minha justiça”. Ou será um toque de ironia esse nome? (cf. Jr 23,6 o nome do messias será: “Javé, nossa justiça”).

 

Evangelho: Mt 7,21-29

Hoje temos no evangelho a conclusão do Sermão da Montanha (vv. 21-27) e sua reação no povo (vv. 28s). O cristão deve tomar decisões ao caminhar entre dificuldades e ambiguidades. Jesus o previne e oferece critérios para distinguir, usando e renovando as imagens tradicionais do caminho, da arvore (cf. evangelhos de ontem e antes de ontem) e da construção. A insistência do verbo “fazer” (nossa liturgia traduz também: “pôr em prática”) indica o sentido prático da instrução. Mt não quer excomungar os falsos profetas (vv. 15-20; cf. 7,1-5: não julgar), mas quer dar orientações para discernir, praticar a “justiça maior” (5,20) e não se precipitar ao juízo final de Deus sobre o trigo e o joio (cf. 13,24-30.36-43).

Nem todo aquele que me diz: “Senhor, Senhor”, entrará no Reino dos Céus, mas o que põe em prática a vontade de meu Pai que está nos céus. Naquele dia, muitos vão me dizer: “Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizamos? Não foi em teu nome que expulsamos demônios? E não foi em teu nome que fizemos muitos milagres?” Então eu lhes direi publicamente: “Jamais vos conheci. Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal (vv. 21-23).

Aqui se apresenta um horizonte escatológico (do fim, do juízo final) que o sermão inteiro da montanha adota. Porque nele está a “vontade do Pai” (6,10; cf. Sl 143,10) a ser cumprida, é o caminho estreito que leva a vida, enquanto “muitos” andam pelo caminho largo e se perdem (v. 13).

“Em nome de” significa: como enviados, representando ou invocando o Senhor; também o fazem os falsos profetas (cf. Jr 27,15). Se o ato de fé pela palavra não for acompanhado de ações, é vazio e sem sentido. Invocar Jesus como “Senhor” é profissão solene de fé (cf. At 2,36; Fl 2,11), mas não basta invocar só pela boca, nem duas vezes (“Senhor, Senhor”; cf. Lc 6,46). Para Paulo e João, confessar Jesus como Senhor é importante, mas o critério é o amor-caridade (1Cor 12,3; 13; 1Jo 3,10; 4,2).

Em Mt, “Senhor” é a invocação dos discípulos a Jesus, principalmente ao juiz do mundo (18 vezes no último discurso de 24,42-25,46). “Naquele dia” refere-se à parusia (volta triunfal de Cristo), o momento de prestar contas na ocasião da vinda do Senhor (24,36). A expressão “naquele dia” indica o dia do julgamento que manifestará a glória de Deus (Is 2,11) e para os homens o castigo (Is 10,3) ou a salvação (Is 49,8). Nem mesmo o ato de fé mais profundo da comunidade, que é o reconhecimento de Jesus como Senhor (como Javé, senhor do universo, cf. Fl 2,8-11), faz que alguém entre no Reino. Em Mt é na descrição do juízo final de 25,31-46 que são enumeradas as ações que qualificam o autêntico reconhecimento de Jesus como Senhor: as obras da misericórdia, ou seja, a prática do amor ao próximo.

Tampouco bastará a atividade carismática de profetizar ou fazer milagres. Para judeus e cristãos, milagres fazem parte da atividade profética e missionária (cf. 5,2; 10,1.7s; 11,20-24; 17,19s; 23,24). Mt não é contra, mas eles não bastam; há de praticar a justiça maior para entrar no Reino dos Céus (5,20).

A admoestação é grave e termina com uma sentença definitiva de condenação: “Afastai-vos de mim, vós que praticais o mal!” É uma adaptação do Sl 6,9, súplica de um doente. Na parábola das dez virgens que esperam pela a vinda do noivo (parusia) em 25,1-13 encontram-se semelhanças significativas: o contraste entre prudente e sem juízo (cf. a próxima parábola em 7,24-27), a invocação dupla “Senhor, Senhor” e a reposta do noivo (Cristo) que não deixa entrar: “Não vos conheço”.

Portanto, quem ouve estas minhas palavras e as põe em prática, é como um homem prudente, que construiu sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as enchentes, os ventos deram contra a casa, mas a casa não caiu, porque estava construída sobre a rocha. Por outro lado, quem ouve estas minhas palavras e não as põe em prática, é como um homem sem juízo, que construiu sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as enchentes, os ventos sopraram e deram contra a casa, e a casa caiu, e sua ruína foi completa!” (vv. 24-27).

Semelhante aos finais da lei da santidade (Lv 26) e do Deuteronômio (Dt 30,15-20), o término do sermão da montanha (já na sua fonte Q, cf. Lc 6,47-49) coloca os ouvintes diante de uma grande escolha, aqui em forma de parábola: construir a casa (o projeto de vida) sobre a rocha ou sobre a areia. Construir sobre a rocha é viver e agir de acordo com a justiça do Reino apresentada no sermão da montanha. Construir a casa sobre a areia é ficar na teoria, sem passar para a prática. Pode-se ler a comparação sobre o pano de fundo de Ez 13,10-14, que fala da construção fraca que é derrubada pelo aguaceiro.

Jesus apresenta com autoridade a sua mensagem como terreno firme sobre o qual se pode construir uma vida frente à fúria dos elementos. Os dois tipos são qualificados de “prudente” e “sem juízo” (insensato), termos sapiências (cf. Mt 11,18-19; 25,2; 1Cor 1,30): o sermão de Jesus oferece ao ser humano que cumpre a sabedoria autêntica, para que seja realmente homo sapiens (“homem sábio”; nome científica da nossa espécie).

Em Mt 16,18, Jesus construirá sua igreja sobre a rocha, ou seja, a fé firme de Simão Pedro (mesma palavra grega: Pedro=pedra=rocha), e “as portas do inferno nunca prevalecerão sobre ela”. Outro apóstolo, Paulo, interpretou a rocha de onde saiu água ser o próprio Cristo (1Cor 10,4 referindo-se a Ex 17,5-6; Nm 20,7-11). Para Mt, o importante é que estas palavras de Jesus nos ensinam a praticar (lit. “fazer”) a Lei e os mandamentos interpretados por Jesus neste sermão em vista de uma justiça maior (vv. 24.26; cf. 5,19-20; 28,20).

Quando Jesus acabou de dizer estas palavras, as multidões ficaram admiradas com seu ensinamento. De fato, ele as ensinava como quem tem autoridade e não como os mestres da lei (vv. 28-29).

Mt termina o primeiro dos cinco discursos de Jesus no seu evangelho com a reação do povo: Mais do que no início, salienta aqui que o povo todo é ouvinte deste sermão, não são apenas os discípulos (5,2), mas “as multidões” (v. 28). Está errado, portanto, a introdução que a liturgia costuma fazer no início do evangelho de hoje (e nos dias passados): “Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: …” Na montanha como novo Moisés (cf. Ex 19-34), Jesus apresenta sua versão da lei ao povo todo, e seu conteúdo se dirige aos todos os discípulos em potencial.

A autoridade de Jesus não se apoia em citações de doutores fariseus, não progride por casuística sutil; expõe com limpidez e exige sem concessões, não se baseia em tradições ou sistemas, e sim na sua própria pessoa. Ele vive praticando o que ensina aos outros. Sobre a admiração do povo que considera o ensinamento de Jesus diferente dos doutros da lei (v. 29), Mt já leu em Mc 1,22.27p como reação do povo na sinagoga de Cafarnaum. Mt a copia e transfere para o final do primeiro discurso de Jesus, mas sem relatar o exorcismo nesta sinagoga (que poderia causar um mal-estar para seus ouvintes judeu-cristãos: um espírito impuro na sinagoga?!), continuando depois com outras curas (cf. evangelho de amanhã).

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