23 de Outubro de 2020, Sexta-feira: Hipócritas! Vós sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu. Como é que não sabeis interpretar o tempo presente?

29ª Semana do Tempo Comum  

Leitura:Ef 4,1-6

Ouvimos hoje início da segunda parte (cap. 4-6) da carta aos Efésios, uma exortação aos batizados.

O alicerce e raiz do amor (“conhecer o amor de Cristo”, cf. 3,17-19) tem como finalidade conservar a unidade do Corpo de Cristo que é a Igreja (4,1-16; cf. 1,22s; Cl 2,19; 3,15; 1Cor 12,12).

Eu, prisioneiro no Senhor, vos exortoa caminhardes de acordo com a vocação que recebestes: (v. 1).

“Eu, prisioneiro”(“no Senhor” pode ser ligado a “eu vos exorto”); a carta aos Efésios faz parte das cartas do cativeiro (Ef, Fl, Cl, Fm). Paulo está preso (Ef 3,1; 4,1; 6,20; cf. Fm 9.10.13.27; Cl 4,3.10.18) e rodeado dos mesmos companheiros, encarrega Tíquico de idêntica missão (Cl 4,7-8; Ef 6,21-22). Enquanto Fl e Fm foram escritos pelo próprio Paulo, as cartas Ef e Cl apresentam estilo e teologia diferentes e uma situação posterior. Por isso os peritos consideram estas duas cartas Deuteropaulinas, ou seja, que foram escritas por discípulos de Paulo (talvez por Epafras, cf. Cl 1,7; 4,12) em nome dele (por volta de 80 d.C.).Estes autores não queriam falsificar, mas homenagear o mestre Paulo e desenvolver sua doutrina apostólica, como era costume de época (outro exemplo é o livro de Isaias, escrito em três etapas, ou seja, por autores diferentes).

O chamado ou “vocação” é o começo de tudo (Is 42,6; 43,1; 49,1; cf. Cl 3,12). Em grego, os verbos “chamar e “exortar” tem a mesma raiz. “Caminhar de acordo com a vocação” corresponde à tarefa de 2,10, “as boas obras que Deus preparou de antemão para que nós as praticássemos”

Com toda a humildade e mansidão,suportai-vos uns aos outros com paciência, no amor.Aplicai-vos a guardar a unidade do espíritopelo vínculo da paz (vv. 2-3).

A exortação inicia com virtudes que acompanham ou favorecem o “amor”(Cl 3,12-15; Fl 2,1-4; 1Cor 13; cf.Pr 19,11; 2,23; Sl 131,2; Eclo 3,17). Em Cl 3,15, o amor (caridade) é o “vínculo da perfeição”.

“Guardar a unidade do espírito”, unidade espiritual ou o bem da unidade que o Espírito produz. Com efeito, a ação de Deus em Jesus Cristo unifica e plenifica toda a realidade (1,22s; Cl 1,20). O aspecto central da vida cristã é a unidade. Os cristãos devem ser exemplos vivos dessa unidade, que supera as divisões humanas.A exigência da concórdia na comunidade é o reflexo da reunificação do universo (Cl 1,20) e da incorporação dos judeus e pagãos no único povo de Deus (Ef 2,11-22) e de muitos membros com dons diversos no único Corpo de Cristo (1Cor 12,12).

Há um só Corpo e um só Espírito,como também é uma só a esperançaà qual fostes chamados.Há um só Senhor, uma só fé, um só batismo,um só Deus e Pai de todos,que reina sobre todos,age por meio de todos e permanece em todos (vv. 4-6).

Os vv. 4-6 formam uma breve aclamação litúrgica em que predomina um ritmo ternário: na origem, havia provavelmente uma confissão de fé batismal, sem dúvida modificada pelo autor.

“Um só Corpo” se refere à Igreja (cf. 1Cor 10,16s; 12,12s: Batismo e Eucaristia).  Em Cl e Ef, a “esperança” assume um significa do novo, menos o fato de esperar do que o próprio conteúdo da espera (cf. 1,18; Cl 1,5; Hb 6,19; 1Pd 1,4), a “fé” no “Senhor” (Jesus Cristo, morto e ressuscitado) é professada no “batismo”.

A insistência em “um só, uma só”, lembra a confissão cotidiana de Israel, o Shemá: “Ouve, Israel: O Senhor, nosso Deus é somente um” (Dt 6,4; citado em Mc 12,29; cf. Ml 2,10: “Um só Pai e um mesmo Deus”; na imagem do pastor cf. Jo 10,16). A influência desta passagem no símbolo de Nicéia, onde se afirmou o dogma da santíssima Trindade (três pessoas em Um só Deus), é evidente, aqui na sequência inversa: Espirito, Senhor (Jesus Cristo), Deus Pai.

“Um só batismo”;não se deve excluir certos aspectos polêmicos, como existem hoje também, por ex. certas igrejas protestantes batizam de novo, alegando que o batismo de crianças não seja valido. Mas já foi o apóstolo Paulo que batizava famílias inteiras (cf. At 16,15.33), e com muita probabilidade inclusive crianças, porque para Paulo, o batismo substitui a circuncisão dos meninos judeus, (cf. Gn 17; At 15-16).

O v.6 termina com uma doxologia (fórmula de louvor) inspirada na filosofia estóica: “de todos, que reina sobre todos, age por meio de todos e permanece em todos”.

Evangelho:Lc12,54-59

Nos evangelhos de hoje e amanhã, Lc apresenta uma sequência sobre a urgência da conversão: um apelo a discernir os sinais presentes (vv. 54-56), uma parábola sobre a necessidade de colocar em ordem a própria alma antes do julgamento (vv. 57-59), um comentário sobre os fatos de atualidades que convidam a se converter (13,1-5), uma parábola sobre o último prazo concedido para dar fritos (13,6-9).

Desde 12,31, Jesus falava sobre a crise que haveria de chegar.No evangelho de hoje, mudam os destinatários: Jesus volta a falar agora à multidão, não só aos discípulos (cf. 12,1).A multidão representa agora Israel inteiro que se faz cego e não quer enxergar os “sinais dos tempos” (Mt 16,2s; o Concílio Vaticano II referiu-se várias vezes a este termo, cf. GS 4, § 205; cf. § 232; 1170; 1204; 1385; 1575). Os tempos messiânicos chegaram e urge compreender isso, pois o julgamento está próximo.

Jesus dizia às multidões: “Quando vedes uma nuvem vinda do ocidente, logo dizeis que vem chuva. E assim acontece. Quando sentis soprar o vento do sul, logo dizeis que vai fazer calor. E assim acontece(vv. 54-55).

De fato, o momento de decisão está chegando e os sinais o anunciam. No correr do tempo uniforme há estações agrárias que o lavrador distingue. Em Israel, a chuva vem do oeste (do mar; cf. 1Rs 18,44); os ventos do sul e do leste trazem uma onda de calor (vindo do deserto).

Hipócritas! Vós sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu. Como é que não sabeis interpretar o tempo presente? Por que não julgais por vós mesmos o que é justo? (vv. 56-57).

No decorrer do tempo histórico há ocasiões e conjunturas prenhes de consequências. O mais importante é saber distingui-las. Os que sabem interrogar o aspecto da atmosfera para suas tarefas agrícolas não sabem interpretar a época da história para o destino transcendente. Sua conduta é uma farsa (significado de “hipócrita”; cf. 6,42; 13,15; Jó 34,30; 36,13).

O “tempo presente”(kairós)não é um tempo qualquer, mas o último (última oportunidade) em que é preciso “julgar o que é justo” e decidir (cf. At 4,19).

Quando, pois, tu vais com o teu adversário apresentar-te diante do magistrado, procura resolver o caso com ele enquanto estais a caminho. Senão ele te levará ao juiz, o juiz te entregará ao guarda, e o guarda te jogará na cadeia. Eu te digo: daí tu não sairás, enquanto não pagares o último centavo”(vv. 58-59).

Em Mt 5,25-26, o “último centavo” recebia do contexto uma aplicação social: como os irmãos da comunidade devem reconciliar-se e normalizar suas contendas. Em Lctem alcance escatológico: o julgamento de Deus está próximo. É preciso apressar-se para pôr tudo em ordem. Enquanto Jesus está com seus contemporâneos (e conosco através do seu Espírito e seus embaixadores, cf. 2Cor 5,18-6,2), é tempo de possível reconciliação; mas quando chegar a hora do julgamento, será tarde demais.

O explícito, “eu te digo”, reforça a advertência: paga tua dívida agora, o julgamento está chegando, reconcilie-se com Deus enquanto podes.

O site da CNBB comenta: Devemos saber reconhecer o tempo em que estamos vivendo. Vivemos os últimos tempos, o tempo pós-pascal. Tempo de edificação do Reino de Deus na história dos homens. Tempo de fazer com que o mistério da cruz e da ressurreição produzirem frutos de fraternidade, justiça e solidariedade. Tempo de presença do Espírito Santo na vida de todos, tempo de crescimento no amor e na verdade. Tempo de reconciliação, de construção da paz e da vida nova. Tempo de sentir os apelos do reino que se manifestam na história, apelos para nos comprometermos com os pequenos, apelos para celebrarmos o Deus atuante na história.

 

 

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