23 de setembro de 2016 – Sexta-feira, 25ª semana

Leitura: Ecl 3,1-11

Na leitura de hoje, Coélet (Eclesiastes) apresenta a prova do tempo. Desaparece a ficção salomônica (1,12-2,26), e uma visão universal ocupa a cena.

A Bíblia do Peregrino (p. 1492) comenta: Não se apresenta na forma de experiência nem de tom pessoal (até o v. 10). Como se tivesse passado pelo palco um desfile mudo. Nisto se apóia a força dessa procissão implacável: quatorze duplas, cada par bem unido, a série é heterogênea. Há individuais e coletivas, de sentimento e de ação, o homem as realiza ou as sofre. Toda essa variedade tem algo em comum: o caráter polar, de extremos e oposições, seu desenrolar no tempo. Do nascimento à morte – primeira dupla – o homem está colocado no tempo, que o recebe, o empurra, o envolve e o expulsa para recomeçar com outra geração (conforme dizia 1,3).

Tudo tem seu tempo. Há um momento oportuno para tudo que acontece debaixo do céu (v. 1).

Seguem-se quatorze partes de oposições que abrangem todo o agir humano, no seu duplo aspecto positivo ou negativo. Metade de nossa existência é negativa e voltada para a morte. Metade das ocupações do homem é sinistra, metade de suas ações são gestos de luto. A morte já deixou a sua marca sobre a vida. Esta é uma sequência de atos desconexos (vv. 1-8), sem metade (vv. 9-13) a não ser a morte, que, por sua vez, não tem sentido (vv. 14-22).

Tempo de nascer e tempo de morrer (v. 2a).

Nascer e morrer são os limites da existência, dos quais o homem normalmente não pode dispor.

Tempo de plantar e tempo de colher a planta. Tempo de matar e tempo de salvar; tempo de destruir e tempo de construir (vv. 2b-3).

“Matar” ou deixar morrer. Pode referir-se à guerra ou a sentenças de morte dentro da lei. Como o autor não especifica, é terrível pensar que os assassinos têm seu tempo determinado (cf. Lc 12,20; cf. em Lc 14,28-32: construir e guerrear). Em Jr 1,10, o jovem profeta é constituído “para arrancar e para destruir, para exterminar e para demolir, para construir e para plantar.”

Tempo de chorar e tempo de rir; tempo de lamentar e tempo de dançar (v. 4).

Jesus lamenta a indiferença da sua geração em Lc 7,32p (cf. o contraste em Lc 6,21.25).

Tempo de atirar pedras e tempo de as amontoar; tempo de abraçar e tempo de se separar (v. 5).

O sentido da primeira dupla é duvidoso. Sabemos que os antigos usavam pedras para contar e para tirar sortes; em tempo de guerra podiam assolar um campo cobrindo-o de pedras (2Rs 3,19.25). A tradição rabínica pensa que trata de relações sexuais.

Tempo de buscar e tempo de perder; tempo de guardar e tempo de esbanjar. Tempo de rasgar e tempo de costurar; tempo de calar e tempo de falar (vv. 6-7).

Corresponde a Eclo 20,6: “Há quem se cala por não ter resposta e há quem se cala por conhecer o momento.”

Tempo de amar e tempo de odiar; tempo de guerra e tempo de paz (v. 8).

O amor não é mais duradouro (forte, cf. Ct 8,6) do que o ódio. Mas a série termina positivamente com a “paz”, na Bíblia esta palavra shalom significa mais do que o silêncio das armas, mas bem-estar, prosperidade, felicidade (cf. Nm 6,26; Sl 120,6s; 122,8s; 125,5; 128).

Que proveito tira o trabalhador de seu esforço? Observei a tarefa que Deus impôs aos homens, para que nela se ocupassem (vv. 9-10).

O autor volta a sua pergunta inicial (1,3; cf. leitura de ontem) e volta a falar da sua experiência pessoal, na primeira pessoa singular (“Eu”, cf. 1,12). “A tarefa que Deus impôs aos homens”(cf.1,13; 2,26).

As coisas que ele fez são todas boas no tempo oportuno. Além disso, ele dispôs que fossem permanentes; no entanto o homem jamais chega a conhecer o princípio e o fim da ação que Deus realiza (v. 11).

Parece ser um comentário a Gn 1,3 (“Deus viu tudo que tinha feito; e era muito bom”) com a especificação de Eclo 39,16.34 (esta, por usa vez, pode ser uma tentativa de retificação de certas páginas pessimistas de Ecl). Deus deu às coisas seu momento, mas à mente humana o tempo sem limites; como o homem se aproxima do tempo sem poder dominá-lo, seu pensamento o aflige e tortura.

“Ele dispôs que fossem permanentes” (v. 11b). Outros traduzem “Colocou no coração do homem o conjunto do tempo”,lit. a duração. Outros traduzem “eternidade” ou “mundo”. Não o conceito abstrato, simples coordenada do movimento, mas a soma de tudo, o conjunto dos acontecimentos e o sentido da história. Ecl talvez explore aqui a ambiguidade da raiz hebr., que significa tanto “escondido, em segredo”, como “mundo, eternidade”. Além da beleza do universo, Deus permite ao homem perceber, pela sua inteligência, o sentido da história (visão, no caso, limitada e parcial). Se traduzir “Deus pôs a eternidade em seu coração”, há de levar em conta que esta frase não tem o sentido que ela vai assumir, mais tarde, no vocabulário cristão; aqui apenas quer dizer: Deus deu ao coração (pensamento) do homem o conjunto da duração, permitindo-lhe refletir sobre a sequência dos fatos e dominar o momento presente. Mas o autor acrescenta que essa concepção engana: ela não revela o sentido da vida (v. 11c).

A Bíblia do Peregrino (p. 1493) comenta os vv. 9-15: O autor se detém agora nos dois mais conhecidos, ação e a reflexão. Diante do inevitável vaivém dos opostos, que atitude o homem pode tomar? Agir para dominar o curso dos acontecimentos, para alterá-lo? Ou tratar de abrangê-los e compreendê-los com o pensamento? O primeiro é inútil, pois o homem não pode acrescentar, diminuir ou mudar o que Deus determinou. O segundo é fatal, pois o homem, impulsionado a superar os limites do seu próprio tempo, descobre que não pode abranger a totalidade do tempo, e assim se perde entre o afã ilimitado de conhecer e os limites do seu conhecimento. Único remédio é abandonar a ambição de agir e conhecer, contentando-se com os bens da vida simples, concedidos por Deus, que se repete o veredicto de vaidade (cf. 1,2-9; leitura de ontem).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 810) resume: Não há nada de novo debaixo do sol e tudo se repete. O desafio é realizar a ação certa no momento certo, com Deus sempre faz (v. 11), ele que “pôs a eternidade no coração do homem”, dando-lhe a capacidade de acreditar que a vida vai além dos inexplicáveis problemas e acontecimentos da existência. Temer a Deus, portanto, é reconhecê-lo como o Criador que dá sentido à vida. A ação de Deus, certa para cada tempo, permite compreender algo das ações apropriadas a cada tempo no trabalho humano.

A nossa liturgia não nos transmite mais a reposta à pergunta repetida sobre o sentido da vida e do trabalho (v. 9; cf. 1,3; 2,22): “E compreendi que não há felicidade para o homem a não ser a de alegrar-se e fazer o bem durante a sua vida. E, que o homem coma e beba, desfrutando do produto de todo o seu trabalho, é dom de Deus” (vv. 12-13; cf. 2,24).

 

Evangelho: Lc 9,18-22

O evangelho de hoje é uma peça-chave no evangelho mais antigo de Marcos (Mc 8,27-31): o primeiro dos discípulos, Pedro, professa sua fé em Jesus “Messias” (Cristo), mas Jesus, para evitar uma interpretação triunfalista, anuncia sua morte pela primeira vez. Lucas copia de Mc, mas a morte de Jesus já foi profetizada de modo enigmático no templo por Simeão na história da infância (Lc 2,34, cf. a tentativa de homicídio em Nazaré, 4,28-30)

Jesus estava rezando num lugar retirado, e os discípulos estavam com ele (v. 18a).

Comparando com os outros sinóticos (Mc 8,27-33; Mt 16,13-23), a versão lucana chama atenção por sua brevidade e também pelo contexto de oração em que se coloca. Em Lc, Jesus sempre reza diante de momentos decisivos (3,21; 5,16; 6,12; 9,18,29s; 11,1; 22,41p). Aqui talvez para indicar que além da confissão dos apóstolos por meio de Pedro se esconde uma profundidade insondável.

Segundo Mt 16,13 e Mc 8,27, a cena se passa na região de Cesareia de Filipe (Jo 6,59 situa cena semelhante em Cafarnaum). Lc se limita a notar o isolamento de Jesus com seus discípulos (“num lugar retirado”). Em Lc e Mc, como em Jo 6,67-71, este episódio decisivo se segue a multiplicação dos pães com cinco pães; em Mc e Mt, um pouco depois da segunda de sete pães para 4000 pagãos. Mc 6,45-8,26 e Mt 14,22-16,12 inserem, entre as duas multiplicações, uma viagem bastante longa em território pagão. Mas Lc concebe dois volumes, o Evangelho e os Atos dos Apóstolos, por isso omite esta viagem e reserva o anúncio do Evangelho aos pagãos para o segundo volume (cf. At 1,8).

Então Jesus perguntou-lhes: “Quem diz o povo que eu sou?” (v. 18b).

Jesus pergunta numa espécie de resumo de sua atividade até agora apresentando o futuro. Propõe a pergunta fundamental, “quem sou eu”, em dois tempos, para que a resposta dos discípulos se destaque sobre as opiniões do povo (v. 20). A pergunta é desafiadora (não simples curiosidade ou inquietação, como a de Herodes; cf. 9,7-9, o evangelho de ontem), e se dirige a todos.

Eles responderam: “Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou.” Mas Jesus perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “O Cristo de Deus” (vv. 19-20).

Cada um tem de dar sua resposta. O povo, com todo seu entusiasmo, não ultrapassa o nível profético ou de João Batista. Jesus repete a pergunta, agora a opinião dos discípulos é exigida. A eles foi dado conhecer o segredo do reinado de Deus (cf. 8,10p). Pedro responde como cabeça de todos os discípulos: “O Cristo de Deus”; a palavra grega Cristo (de crisma) significa “Ungido” (em aramaico: messias): primeiro título de Saul, rei ungido de Israel, depois título do monarca descendente de Davi (Sl 2,2.6; 18,51; 132,17; Lm 4,20). Na boca de Pedro, significa o Messias esperado e anunciado pelos profetas.

Lc repetirá esse título “Cristo de Deus” em 23,35. Ele já mostrou Jesus proclamado “Cristo” pelos anjos (1,32-33; 2,11), por Simeão (2,26.30) e pelos demônios (4,41), mas Pedro é o primeiro dos discípulos a dar este título a Jesus.

Mesmo sem o acréscimo de Mt (“Filho de Deus vivo”, Mt 16,16), essa confissão de Pedro é de grande importância e assinala uma guinada decisiva na carreira terrestre de Jesus. Enquanto a multidão se desvia em suas cogitações a respeito dele e se afasta cada vez mais, seus discípulos reconhecem pela primeira vez, de maneira explícita, que ele é o Messias (cf. 2,26). Daí por diante, Jesus vai consagrar seus esforços a formar esse pequeno núcleo dos primeiros crentes e a purificar sua fé.

Mas Jesus proibiu-lhes severamente que contassem isso a alguém. E acrescentou: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia”(vv. 21-22).

Como o segredo de messias em Mc, Lc liga estreitamente o silêncio que Jesus impõe aos seus discípulos sobre a sua dignidade messiânica ao anúncio de seu sofrimento e morte próxima. Só quando Jesus tiver ressuscitado, os Doze o proclamarão publicamente como Messias (At 2,36; cf. Mc 9,9p). Por ora, não deve divulgá-lo, para evitar interpretações equivocadas (ex. um messias nacionalista contra os romanos, guerreiro como Davi).

Não basta declarar e aceitar que Jesus é o messias; é preciso rever a ideia a respeito do messias, o qual, para construir a nova história, enfrenta os que não querem transformações. Por isso, ele “deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, sumos sacerdotes e doutores da Lei.” Estas três categorias são as três ordens que constituem o Sinédrio, o supremo conselho e tribunal dos judeus, que condenará Jesus a morte. Sua ressurreição será a sua vitória. E quem quiser acompanhar Jesus na sua ação messiânica e participar da sua vitória, terá que percorrer caminho semelhante: renunciar a si mesmo e às glórias do poder e da riqueza (9,23-26).

Lc não relata a intervenção de Pedro para afastar Jesus da morte (Mc 8,32-33; Mt 16,22-23), mas ele insistirá em 9,45 e 18,34 sobre o fato de que os discípulos não compreenderam esse anúncio (cf. 24,19-24). Esse anúncio será seguido de vários outros (9,44; 12,50; 17,25; 18,31-33; cf. 24,7.25-27).

O site da CNBB comenta: Jesus não é simplesmente um personagem histórico ou um mero objeto da razão humana, é uma pessoa viva, e uma pessoa só pode ser verdadeiramente conhecida através do encontro e do relacionamento. Só conhece verdadeiramente Jesus quem realiza na sua própria vida a experiência do Ressuscitado presente e atuante na sua história pessoal e comunitária, quem descobre que Cristo não é o sobrenome de Jesus, mas quem ele é verdadeiramente: o Messias, o Ungido de Deus, a segunda Pessoa da Santíssima Trindade, o Deus Encarnado, o Redentor de toda a humanidade. Mas é preciso que a descoberta de tudo isso seja de forma existencial, de modo que essas verdades não sejam um conjunto de palavras teóricas e vazias, mas manifestam o que Jesus significa nas nossas vidas.

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