23 de setembro de 2017 – Sábado, 24ª semana

Leitura: 1Tm 6,13-16

A leitura da primeira carta a Timóteo chega hoje ao seu fim. Nossa liturgia omite a admoestação “aos ricos este mundo” e a recomendação final a Timóteo de “guardar o depósito” da fé frente à falsa ciência (cf. 6,17-21), mas termina com mais um hino desta carta.

Diante de Deus, que dá a vida a todas as coisas, e de Cristo Jesus, que deu o bom testemunho da verdade perante Pôncio Pilatos, eu te ordeno: guarda o teu mandato íntegro e sem mancha até à manifestação gloriosa de nosso Senhor Jesus Cristo (vv. 13-14).

Chamado “homem de Deus” (v. 11), como alguns profetas no Antigo Testamento, Timóteo recebe aqui as instruções finais (2Tm 2,22; 4,1-2). A profissão de fé de Timóteo (v. 12) tem como exemplo “bom testemunho da verdade” que Jesus pronunciou “perante Pôncio Pilatos” (cf. Jo 18,36s; Lc 21,12s): proclamação de sua realeza messiânica e sua missão de revelar a verdade. A menção de Pôncio Pilatos reforça o tom “oficial” deste testemunho, tipo da profissão de fé do cristão, ao batismo ou diante dos perseguidores. Escritas na terceira geração cristã, as cartas Pastorais (1-2Tm, Tt) dão recomendações como os cristãos devem se comportar no Império Romano (do qual Pilatos era representante).

Timóteo deve guardar seu “mandato” (mandamento) “íntegro e sem mancha” (ou: irrepreensível, imaculado), são eufemismos para o serviço fiel perseverante e sincero. O mandamento/mandato pode ser a lei geral da aliança (cf. 1,8-11) ou a missão especial de Timóteo recebida de Deus (4,13s).

Como Paulo, esta missão está ligada à vinda (parusia) de Cristo, sua “manifestação/aparição gloriosa” (cf. 2Tt 2,11.13). Este termo (usado em 2Ts 2,8 a propósito do ímpio) é adotado pelas Cartas Pastorais, de preferência à “vinda” (1Cor 15,23) e “revelação” (1Cor 1,7), para designar a manifestação de Cristo, seja no seu triunfo escatológico (aqui e em 2Tm 4,1.18; Tt 2,13; Hb 9,28), seja na sua obra redentora (2Tm 1,10;cf. Tt 2,11; 3.4). Será num tempo oportuno, ou seja, quando Deus, senhor do tempo e da história, julgar bom manifestar seu Filho (cf. Tt 1,3; At 1,7). A função de invocar o julgamento divino em relação a missão da pessoa (em especial dos líderes) é comum nas cartas (5,21; 2Tm 4,1; cf. 1Cor 4,1-5; 1Ts 2,4).

Esta manifestação será feita no tempo oportuno pelo bendito e único Soberano, o Rei dos reis e Senhor dos senhores, o único que possui a imortalidade e que habita numa luz inacessível, que nenhum homem viu, nem pode ver. A ele, honra e poder eterno. Amém (vv. 15-16)

O hino final é sem dúvida inspirado num hino litúrgico (cf. 1,17). Compreende sete fórmulas de inspiração bíblica, típica da doutrina monoteísta (1,17; 2,4s), transposta em linguagem helenística, contra todo culto prestado a homens e toda pretensão de compreender o mistério de Deus.

Estas aclamações provêm do repertório de orações em uso, nas sinagogas do mundo grego: “Soberano” (2Mc 12,15), “reis dos reis e senhor dos senhores” (Sl 136,3; Ap 17,14), “morada da luz” (Sl 104,2), “ninguém o viu” (Ex 33,20; Jo 1,18). A afirmação da realeza universal de Deus (cf. Dt 10,17; Sl 136,3; 2Mc 13,4) opõe-se ao culto pagão prestado aos imperadores; a afirmação de sua transcendência e de sua inacessibilidade afronta as pretensões gnósticas de “conhecimento” divino (cf. a falsa ciência em 6,20).

Evangelho: Lc 8,4-15

No evangelho de hoje, Lc inicia o ensinamento de Jesus em parábolas, fora do sermão da planície que já contem pequenas comparações (6,39-49). O discurso de parábolas em Mc 4 serviu de modelo para Mt e Lc. Mt preservou a unidade e o contexto do discurso, acrescentando mais parábolas ainda (cf. Mt 13). Lc, porém, transmitiu aqui só a parábola do semeador, sua explicação e as sentenças em seguida; a parábola do grão de mostarda será contada mais tarde no contexto da viagem de Jesus a Jerusalém (13,18-19, talvez por ter tido outra versão desta parábola na fonte Q, junto com a do fermento).

Reuniu-se uma grande multidão, e de todas as cidades iam ter com Jesus. Então ele contou esta parábola: (v. 4).

Além da grande multidão que se reuniu ao redor de Jesus, Lc acrescenta que ela vinha “de todas as cidades”, mas Lc elimina a cena em que Jesus entrou num barco para poder ensinar o povo na beira do mar. Em Lc 5,1-3 Jesus já tinha subido no barco de Pedro para ensinar e depois operar a pesca milagrosa, chamando Pedro para ser pescador dos homens (5,4-11). De fato, o conteúdo das parábolas é da agricultura, não é da pesca (cf. apenas Mt 13,47-50 tem uma para finalizar o discurso).

”O semeador saiu para semear a sua semente. Enquanto semeava, uma parte caiu à beira do caminho; foi pisada e os pássaros do céu a comeram. Outra parte caiu sobre pedras; brotou e secou, porque não havia umidade. Outra parte caiu no meio de espinhos; os espinhos cresceram juntos, e a sufocaram. Outra parte caiu em terra boa; brotou e deu fruto, cem por um.” Dizendo isso, Jesus exclamou: “Quem tem ouvidos para ouvir, ouça.”

Os discípulos lhe perguntaram o significado dessa parábola. Jesus respondeu: “A vós foi dado conhecer os mistérios do Reino de Deus. Mas aos outros, só por meio de parábolas, para que olhando não vejam, e ouvindo não compreendam.

A parábola quer dizer o seguinte: A semente é a Palavra de Deus. Os que estão à beira do caminho são aqueles que ouviram, mas, depois, vem o diabo e tira a Palavra do coração deles, para que não acreditem e não se salvem. Os que estão sobre a pedra são aqueles que, ouvindo, acolhem a Palavra com alegria. Mas eles não têm raiz: por um momento acreditam; mas na hora da tentação voltam atrás. Aquilo que caiu entre os espinhos são os que ouvem, mas, com o passar do tempo, são sufocados pelas preocupações, pela riqueza e pelos prazeres da vida, e não chegam a amadurecer. E o que caiu em terra boa são aqueles que, ouvindo com um coração bom e generoso, conservam a Palavra, e dão fruto na perseverança” (vv. 5-15).

A parábola do semeador é cópia de Mc 4,1-20 (cf. evangelho de 4ª feira da 3ª semana comum), mas Lc resume usando também palavras próprias. Em alguns momentos, porém, ele entra com mais detalhes, mostrando seu interesse específico:

As sementes que caíram a beira do caminho, estão sendo “pisadas”; o diabo tira a palavra “do coração deles, para que não acreditem e não se salvem” (vv. 5.12).

Entre as causas que sufocam a palavra, além das preocupações e da riqueza, Lc troca as “ambições que a tornam infrutífera” (Mc 4,19) pelos “prazeres da vida, e não chegam a amadurecer” (v. 14).

Para contar o êxito da terra boa, Lc resume os números da produção 30, 60 ou 100 por “cem por um” (v. 8) e capricha na descrição daqueles que, ouvindo “com um coração bom e generoso, conservam” a palavra e dão fruto “na perseverança” (v. 15). A perseverança é termo próprio de Lc (cf. 21,19) e muito familiar a Paulo (1Ts 1,3; 2Cor 1,6; 6,4; 12,12; Rm 2,7; 5,3.4; 8,25; 15,4-5; Cl 1,11); aqui designa a resistência aos perigos que ameaçam a palavra e a impedem a trazer frutos na vida das pessoas e na evangelização.

Jesus contou esta parábola em Mc 4 para mostrar que valia a pena continuar sua missão: apesar do desentendimento do seu povo e da própria família (Mc 3,21.31-34) e da hostilidade dos fariseus e herodianos, dos escribas da Galileia e de Jerusalém (Mc 3,6.22.30), seu trabalho de “semear a palavra” do reino não seria em vão, mas teria êxito exuberante (30, 60, 100 vezes; cf. as parábolas seguintes). Seu trabalho pode parecer uma perda, mas ao final trará frutos (cf. Jo 12,24). Em Mc, os discípulos entenderão isso só depois da cruz através da ressurreição (o segredo do messias que se revela só na cruz é uma característica em Mc).

Em Mt e Lc a parábola já é interpretada mais em vista do crescimento da Igreja, com destaque na formação dos discípulos (em Mt 13,23: “ouve a palavra e a entende”, em seguida a parábolas do joio, do tesouro e da perola) e na misericórdia e perseverança (depois da acolhida da pecadora e da lista das discípulas em Lc 7,36-8,3).

O site da CNBB comenta: Muitas vezes, quando estamos exercendo o trabalho evangelizador, ficamos angustiados porque não vemos os resultados que estávamos esperando, e isso acaba por se tornar para nós causa de desânimo. O Evangelho de hoje nos mostra que o mais importante é evangelizar, e que sempre devemos lançar as sementes da Palavra. O semeador do Evangelho de hoje não estava preocupado se as sementes estavam caindo em terreno bom. Nós também não devemos lançar as sementes apenas para os que podem responder de forma positiva. A evangelização é para todos e os resultados não dependem de nós, mas da Graça divina.

Voltar