24 de agosto de 2017 – Quinta-feira – São Bartolomeu Apostolo

 

Bartolomeu é um dos doze apóstolos e identificado com Natanael de Caná (cf. Evangelho de hoje). Segundo a tradição, ele sofreu o martírio na Armênia (país que se tornou o primeiro estado com a religião cristão em 300 d.C. e em 1915, sofreu um genocídio até hoje negado pelos turcos). No painel da Capela Sixtina que mostra o juízo final, Bartolomeu é retratado  segurando a sua pele (que foi tirada no martírio) com a feições do próprio pintor Miguelângelo (1540).

Leitura: Ap 21,9-14

A leitura faz alusão à visão anunciada no evangelho de hoje: “Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (Jo 1,51). Nos capítulos finais do Apocalipse de S. João, a nova relação que existe entre Deus e os homens é apresentada como “novo céu e nova terra” (v. 1; cf. Is 65,17-25). A Nova Jerusalém é a cidade que Deus vai construir como dom (vem “do céu”, v. 2) para os seres humanos. Na leitura de hoje, João descreve a nova humanidade como cidade perfeita e deslumbrante.

Um dos setes anjos… veio até mim e disse-me: “Venha! Vou lhe mostrar a esposa, a mulher do Cordeiro.” E me levou em espírito até um grande e alto monte. E mostrou para mim a Cidade Santa, Jerusalém que descia do céu, de junto de Deus, com a glória de Deus (vv. 9-11a).

A descrição da cidade-noiva (21,9-22,5) é inspirada em grande parte na última seção de Ezequiel, caps. 40-48. Mas não se encontra em Ez que visão desta cidade é a visão da noiva, a “esposa/mulher do Cordeiro” (cf. 5,6-13; 19,7; Jo 1,29; 3,29)

O Antigo Testamento (AT) preparou generosamente esse símbolo com a imagem de Yhwh esposo e a comunidade ou a capital esposa (Os 2; Is 1,21-25; 5,1-7; 49; 54; 62; Jr 2,1; 3,1-5; 31,21-22; Ez 16; Br 4-5).

No Cântico dos Cânticos há imagens da amada como cidade: “formosa como Jerusalém” (Ct 6,4); “teu pescoço é a torre de Davi” (Ct 4,4); “sou uma muralha, e meus peitos são os torres” (Ct 8,10). Ezequiel foi conduzido à cidade construída sobre a montanha (Ez 40,2-3); João, do alto de uma montanha, contempla a cidade descendo do céu, porque é criação de Deus. Ela não tem resplendor próprio, mas o recebe da glória de Deus (cf. Br 5,1-4; 2Cor 3,18): “A glória de Deus a ilumina e sua lâmpada é o Cordeiro.” (v. 23). Esta imagem mostra a beleza e santidade da Aliança com Deus.

Seu esplendor é como de uma pedra preciosíssima, pedra de jaspe cristalino. Ela está cercada por alta e grossa muralha, com doze portas. Sobre as portas há doze Anjos. Cada porta tem um nome escrito: os nomes das doze tribos de Israel. São três portas no lado do oriente, três portas ao norte, três portas ao sul e três portas no lado do poente. A muralha da cidade tem doze pilares. E nos pilares está escrito o nome dos doze apóstolos do Cordeiro (vv. 11b-14).

A nova humanidade é a esposa, o reverso da prostituta. A cidade-prostituta Babilônia foi destruída em cap. 18 (ela significa Roma em 18,9). João apresenta Jerusalém celeste com traços da antiga Babilônia histórica: quadrada (v. 16), atravessada por uma avenida ao longo do rio e com jardins (22,1-2). Sugere, assim, que a Jerusalém celeste é a Babilônia, prostituta purificada e transformada pelo Evangelho, ou recorre ao paraíso (Gn 2,10)?

Parece interessar muito ao autor a “muralha” da cidade, com suas portas (Ez 48,30-35) e alicerces, disposição e materiais (Is 54,11-12) e suas dimensões (Ez 40,3-5). As formas e medidas são perfeitas: Ela é quadrada e cúbica, como o Santo dos santos no Templo. Sua perfeição é inimaginável (doze mil). Ela é uma cidade universal, aberta para toda a humanidade (vv. 24-25; portas voltadas para os quatro pontos cardeais, v. 13). Nela impera o numero “doze” de tribos e apóstolos (cf. os 12×12=144 mil em 7,4): doze mil estádios de lado, 144 (12×12) côvados e espessuras da muralha: doze pedras preciosas (vv. 11b.18-20) que recordam as no peitoral do sumo sacerdote (Ex 28,15-21): doze anjos guardam os acessos (v. 12; cf. Gn 3,24). Já para Paulo, os apóstolos são o fundamento (pilares) da Igreja e Jesus Cristo é a pedra principal (cf. Gl 2,9; Ef 2,20).

 

Evangelho: Jo 1,43-51

Os primeiros três discípulos foram chamados por outras pessoas para encontrarem e seguirem a Jesus (cf. vv. 33-42). João Batista indicou Jesus “Cordeiro” a dois de seus discípulos; um ficou anônimo (pode ser o autor do evangelho, o “discípulo amado” de 21,20-24; cf. 13,23-25; 18,15; 19,26s; 20,2-8; 21,7) e o outro, André, avisou seu irmão Simão a quem Jesus logo mudou o nome para Cefas (Pedro).

Deixando o lugar onde João batizava, Jesus decide partir para a Galileia (nos outros evangelhos só voltou para lá depois que João Batista foi preso, cf. Mc 1,14p). Lá ele mesmo chama um homem com a palavra “Segue-me” (21,19; cf. Mc 1,17p; 2,14p). Era Filipe, da mesma cidade de Pedro e André, Betsaida, onde o rio Jordão emboca no mar da Galileia (vv. 43-44). Talvez por seu nome grego (Filipos quer dizer: quem gosta de cavalos), Filipe é ligado aos gregos; reaparecerá em 6,5-7 (alimentar a multidão na Decápole); 12,21s e 14,8s (“ver” Jesus e o Pai)

Filipe encontrou-se com Natanael e lhe disse: “Encontramos aquele de quem Moisés escreveu na Lei, e também os profetas: Jesus de Nazaré, o filho de José” (v. 45).

Filipe, por sua vez chama Natanael que era de Caná (v. 45; 21,2), onde acontecerá o próximo episódio. Parece que Jesus foi convidado ir aos lugares de origem dos discípulos (a Betsaida por Pedro e André; e depois a Caná por Natanael em 2,1).

Na lista dos apóstolos nos evangelhos sinóticos (Mt 10,3; Mc 3,18; Lc 6,14) não encontra-se o nome Natanael, mas “Filipe” é o quinto nome, “Bartolomeu” é o sexto. Provavelmente devido a esta sequência, a tradição da Igreja identificou Bartolomeu com Natanael.

Como André em v. 41 (“encontramos o messias”), também Filipe convida logo com uma profissão de fé: “Encontramos aquele de quem Moises escreveu na lei e também os profetas, Jesus de Nazaré, o filho de José” (cf. Dt 18,15-18; Is 7,14; 9,6; 53; Jr 23,5; Ez 34,23).

Diferente de Mc 1,9, o quarto evangelista fala de Jesus histórico só aos poucos: o nome (“Jesus Cristo”) é mencionado apenas no final do hino em v. 17; aqui em v. 45 a cidadezinha “Nazaré” (que aparecerá no título da cruz em 19,19) e o nome completo “filho de José” (cf. 6,41). Falará da mãe de Jesus em 2,1-5 e 19,25-27, mas sem dizer o nome dela “Maria”. Mc falou de Maria, mas não de José (Mc 6,3). João falou da região “Galileia” em v. 43, mas só em 8,41 dirá que Jesus veio de lá. O lugar de nascimento “Belém” aparece apenas num questionamento em 7,41.

Natanael disse: “De Nazaré pode sair coisa boa?” Filipe respondeu: “Vem ver!” (v. 46).

O preconceito de Natanael a respeito do povo da roça de Nazaré é geral (cf. Jo 7,40-52; Lc 4,15-29): “De Nazaré pode sair coisa boa?” Filipe convida: “Vem ver” (v. 46; como Jesus convidou no v. 39). O conhecimento de Jesus nasce do encontro com ele e da escuta da sua palavra. Natanael parece desconfiado, mas sério na procura; como Tomé diante da ressurreição (20,24-29).

Jesus viu Natanael que vinha para ele e comentou: “Aí vem um israelita de verdade, um homem sem falsidade”. Natanael perguntou: “De onde me conheces?” Jesus respondeu: “Antes que Filipe te chamasse, enquanto estavas debaixo da figueira, eu te vi” (vv. 47-48).

Jesus conhece misteriosamente todos que dele se aproximam (v. 48; 2,24-25; 4,15-19). O significado da figueira pode ser uma alusão rabínica ao estudo das Escrituras (cf. Os 9,10; 1Rs 5,5).

Natanael respondeu: “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel”. Jesus disse: “Tu crês porque te disse: Eu te vi debaixo da figueira? Coisas maiores que esta verás!” E Jesus continuou: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do Homem” (vv. 49-51).

A figura de Natanael deve ser entendida sobre o pano de fundo do patriarca Jacó-Israel (cf. Gn 28; 32; Os 12): O nome de “Jacó” soa ao ouvido hebreu popular como “falso, traiçoeiro”; ele viveu fiel ao seu nome armando ciladas para seu irmão (Gn 27,36; Os 12,4) e por isso tinha de fugir. A caminho, numa visão noturna contemplou uma escada ou rampa, que uniu terra e céu e pela qual subiam e desciam mensageiros divinos (Gn 28,10-22). Voltando para se reconciliar com seu irmão, em nova visão noturna ele lutou com Deus, que lhe mudou o nome para “Israel” (Gn 32,29). Natanael é “israelita de verdade, um homem sem falsidade” (v. 47).

Logo ele reconhece Jesus como messias (rei), “Rabi, tu és o Filho de Deus, tu és rei de Israel” (v. 49; cf. 2Sm 5,1-3; 7,14; Sl 2,7; Mc 1,1.10 etc.; Mt 3,17; 4,2 etc.), depois de André (v. 41) e Filipe (v. 45) e bem antes da confissão de fé de Pedro e de Marta (6,69; 11,27; cf. Mt 14,33;16,16p), mas supera as anteriores porque Natanael usa o termo chave em João: “Filho de Deus” (cf. vv. 12.18.34 etc.).

No v. 51, Jesus responde com uma revelação dirigida ao grupo: “vereis o céu aberto”. O próprio Jesus é a verdadeira rampa que une o céu e a terra (“Filho de Deus”, “Filho do Homem”, cf. Dn 7,13s), o mediador das mensagens celestes e orações humanas, “a palavra que se fez carne” (1,14).

Natanael deve “ver” o Pai agir e habitar no Filho (cf. 14,9). Natanael-Bartolomeu será unido a ele inclusive na paixão, será humilhado, exaltado na cruz e introduzido na glória de Deus (segunda a tradição sofreu o martírio na Armênia). “Vem ver”; quem vem a Jesus, “verá coisas maiores”, verá o céu aberto e subirá com aquele que desceu do céu, o Filho enviado do Pai (cf. 3,13-15; 6,37-38; 14,1-9; cf. At 7,56; Mc 14,62p).

Há um canto de Pe. Marcelo Rossi que lembra este trecho bíblico: “… anjos subindo e descendo sobre o altar.”

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