24 de Janeiro de 2019, Quinta-feira: Jesus é capaz de salvar para sempre aqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus. Ele está sempre vivo para interceder por eles (7,25).

Leitura: Hb 7,25-8,6

De maneira enfática, o autor anônimo de Hb conclui seu discurso sobre Melquisedec como modelo de sacerdócio universal e eterno. Ele se baseia na relação do episódio em Gn 14,17-20 (superioridade de Melquisedec sobre Abraão e, em consequência, sobre seus descendentes incluindo os levitas como Aarão) com o oráculo messiânico de Sl 110,4 (“Tu és sacerdote para sempre na ordem de Melquisedec”) e a posição atual de Cristo glorificado (cf. comentário de ontem).

Em Gn 14,18-20 não se fala da genealogia de Melquisedec; em Sl 110,4 se afirma a eternidade desse sacerdote (“sem início… sem fim”, Hb 7,3). Ausência de genealogia sacerdotal (imprescindível para os levitas, cf. Esd 2,62) e perpetuidade do sacerdócio – esses dois traços caracterizam “a ordem de Melquisedec” que prefigura o sacerdócio superior de Cristo.

Jesus é capaz de salvar para sempre aqueles que, por seu intermédio, se aproximam de Deus. Ele está sempre vivo para interceder por eles (7,25).

Garantido, no salmo 110, por um juramento divino, o seu sacerdote é incontestável superior ao sacerdócio hereditário (7,20-22): trata-se de um sacerdócio perpétuo – “Cristo, uma vez ressuscitado dentre os mortos, já não morre” (Rm 6,9) – ao passo que o dos sacerdotes judeus (levitas) era limitado pela morte. Os descendentes de Aarão, “os filhos de Levi se tornaram sacerdotes em grande número, porque a morte os impedia de permanecer no cargo. Jesus, porém, não deixará de ser sacerdote, porque permanece vivo para sempre” (7,23-24). Por isso, “Jesus é capaz de salvar para sempre” (7,25). O papel central de sacerdote é ser mediador entre Deus e os seres humanos: “por seu intermédio” transmitir a benção de Deus (salvar, perdoar, instruir) e “interceder” por aqueles que “se aproximam de Deus” (cf. 4,14).

Tal é precisamente o sumo sacerdote que nos convinha: santo, inocente, sem mancha, separado dos pecadores e elevado acima dos céus (7,26).

Em 3,17; 4,14-5,10, o autor de Hb apresentou a solidariedade do sumo sacerdote Jesus com os seres humanos: “Convinha que se tornasse em tudo semelhante aos irmãos” (3,17), “capaz de se compadecer das nossas fraquezas, pois ele foi provado em tudo como nós, com exceção do pecado” (4,15); “embora fosse Filho, aprendeu a obediência pelo sofrimento” (5,8).

Agora apresenta outro polo indispensável do sumo sacerdote: para que “seu intermédio” seja “eficaz” tem que ter uma ligação íntima com Deus, ser “santo, inocente, sem mancha, separado pecadores e elevado acima dos céus” (7,26; cf. 4,14).

Ele não precisa, como os sumos sacerdotes oferecer sacrifícios em cada dia, primeiro por seus próprios pecados e depois pelos do povo. Ele já o fez uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo (7,27).

Os outros sacerdotes judeus continuavam sendo homens mortais, imperfeitos e pecadores. Jesus é sem pecado e não precisa oferecer sacrifícios por seus próprios pecados, seu sacrifício é inteiramente pelos outros, completo, “uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo”. A próxima seção desenvolverá essa ideia (8,1-9,28).

A Lei, com efeito, constituiu sumos sacerdotes sujeitos à fraqueza, enquanto a palavra do juramento, que veio depois da Lei, constituiu alguém que é Filho, perfeito para sempre (7,28).

A Lei de Moisés constituiu sacerdotes fracos e mortais, enquanto “a palavra do juramento, que veio depois da Lei” é Sl 110,4: “Jurou o Senhor: “Tu és sacerdote eternamente segundo a ordem de Melquisedec” constituindo “alguém que é Filho, perfeito para sempre”, isto é o Messias em Sl 110,3 grego: “Tu és príncipe … eu te gerei” (cf. Sl 2,7; 2Sm 7,14).

Enquanto a consagração dos sacerdotes levitas não tinha eficácia (7,18), o sumo sacerdócio de Cristo supera a dos outros, é “perfeito”. Na tradução grega do Antigo Testamento, que o autor de Hb usa, os ritos para conferir o sacerdócio não são chamados “consagração” nem “ordenação”, mas “aperfeiçoamento”, isto é “ação que torna perfeito ou dá perfeição”. O autor de Hb considera esta palavra muito bem escolhida porque o papel de mediação eficaz do sumo sacerdócio exige que seja a pessoa mais perfeita que se possa imaginar, sem causar desgosto a Deus. O que a Bíblia esboçava ao falar de Melquisedec se cumpriu em Jesus: um sacerdote eterno que é Filho de Deus e, desse modo, tem com Deus a relação mais íntima que se possa imaginar. Sua consagração não foi ineficaz, mas uma “ação que torna perfeito” (cf. 5,9)

Albert Vanhoye comenta (pág. 69): A frase de Hb 7,28 nos dá oportunidade para uma observação que também vale para as outras seções da terceira parte. Pode-se observar que, para criticar o sacerdócio do Antigo Testamento, ao autor se apoia sobre o próprio Antigo Testamento. Assim, se ele nega o valor do Antigo Testamento de um determinado ponto de vista, ele reconhece um valor de outro ponto de vista: ou seja, ele reconhece o seu valor profético e nega o seu valor de instituição. O que ele mostra é que o Antigo Testamento como profecia anuncia a revogação do Antigo Testamento como Lei. Ou, em outros termos, mostra que o Antigo Testamento como revelação prediz o fim do Antigo Testamento como instituição. É exatamente essa a posição de são Paulo, tal como ele a expressou, por exemplo, em Rm 3,21: “Agora, porém, independentemente da lei (fim do Antigo Testamento como instituição), se manifestou a justiça de Deus, testemunha pela Lei e pelos profetas (valor do Antigo Testamento como revelação).”

O tema mais importante da nossa exposição é este: temos um sumo sacerdote tão grande, que se assentou à direita do trono da majestade, nos céus. Ele é ministro do Santuário e da Tenda verdadeira, armada pelo Senhor, e não por mão humana (8,1-2).

Em 8,1-9,28, o autor expõe o tema central do seu sermão: repassando ponto por ponto as instituições judaicas, apresenta a grande novidade de Cristo que supera em dignidade os sacerdotes levitas e realiza o verdadeiro sacrifício que desclassifica os outros cultos.

O culto realizado por Jesus é o próprio ato de pessoa que se entrega com a totalidade de si (7,27) e se empenha para sempre “à direita do trono da majestade, nos céus” (v. 1; cf. 9,24; Sl 110,1), como ressuscitado “na Tenda verdadeira, armada pelo Senhor, não por mão humana” (cf. 9,11; 2 Cor 5,1).

Todo sumo sacerdote, com efeito, é constituído para oferecer dádivas e sacrifícios; portanto, é necessário que tenha algo a oferecer. Na verdade, se Cristo estivesse na terra, não seria nem mesmo sacerdote, pois já existem os que oferecem dádivas de acordo com a Lei (8,3-4).

Jesus na sua vida terrestre não pertencia à classe dos sacerdotes, “pois já existem os que oferecem dádivas de acordo com a lei” (v. 3). O autor completará este pensamento em 9,24.

Cf. comentário de segunda-feira: Hb é o único escrito no NT que declara Jesus sumo sacerdote. Na época, ninguém levava a ideia de Jesus como sacerdote. Ele não pertencia à classe dos sacerdotes (o sacerdócio do AT era hereditário), era operário e depois visto como profeta e mestre (cf. Mc 4,38; 6,15; 8,27-29). Nas suas palavras e ações rejeitava as preocupações com a pureza ritual (Mc 15-17p; 7,1-23) e recusou-se a dar valor absoluto ao repouso sagrado no dia de sábado (Mt 12,1-13; Jo 5,16-18; 9,16; cf. Mt 9,13; 12,7). Nem o fato de Jesus sacrificar a própria vida foi considerada sacerdotal, porque não aconteceu num lugar santo; foi o contrário, a execução de um condenado pelo sumo sacerdote em oficio, Caifás, chefe do sinédrio em Jerusalém (Lc 3,2; Mc 14,60s; Jo 18,13.24). A morte na cruz foi vista como maldição (cf. Dt 21,23; Gl 3,13), ao contrário da benção que se atribuía ao cumprimento de um sacrifício ritual.

Estes celebram um culto que é cópia e sombra das realidades celestes, como foi dito a Moisés, quando estava para executar a construção da Tenda. “Vê, faze tudo segundo o modelo que te foi mostrado sobre a montanha”. Agora, porém, Cristo possui um ministério superior. Pois ele é o mediador de uma aliança bem melhor, baseada em promessas melhores (8,5-6).

O culto dos sacerdotes instituídos na Tenda e depois no Templo é “cópia e sombra das realidades celestes” (v. 5; cf. 9,23; 10,1), do “modelo” que foi mostrado a Moisés no monte Sinai (cf. Ex 25,8-9) e que Salomão transformou num santuário de pedras (1 Rs 5-8). Mas Cristo é “ministro do santuário e da tenda verdadeira, armada pelo Senhor e não por mão humana” (v. 2; cf. 9,11-24; 2Cor 5,1). A aliança antiga (AT) é uma sombra provisória da nova (NT). Cristo é “o mediador de uma aliança bem melhor, baseado em promessas melhores” (v. 6; cf. vv. 7.13; 7,22; 13,20; 1Tm 2,5).

Igual ao filosofo Platão, o autor vê a realidade terrestre como imagem imperfeita, cópia e sombra do mundo verdadeiro e celeste das ideias mais puras e perfeitas. Na cidade de Alexandria do Egito, o filósofo judeu Filon (15 a.C. a 45 d.C.) usava as ideias de Platão para dar um sentido mais simbólico (alegórico) ao Antigo Testamento (AT). Em Alexandria foi escrito o livro mais novo do AT, a Sabedoria (Sb), também com influência da filosofia grega. Como autor possível de Hb, Lutero apontou para Apolo (cf. 1Cor 1,12; 3,4-11.22; Tt 3, 13) cuja descrição em At 18,24-28 se encaixa bastante ao perfil do autor de Hb: origem judaica, educação helenista em Alexandria onde atuava o filósofo judeu Filon, conhecimento das Escrituras e reputação de eloquência. Mas isso não basta para atribuir a carta a Apolo, pois estas características podem ser encontradas em outras pessoas apostólicas da época.

Evangelho: Mc 3,7-12

Depois das cinco controvérsias com os adversários na Galileia (das quais ouvimos nos dias passados), Jesus enfrentará muitas outras, mas antes quer se retirar para depois escolher os doze apóstolos (cf. evangelho de amanhã).

Jesus se retirou para a beira do mar, junto com seus discípulos. Muita gente da Galiléia o seguia. E também muita gente da Judéia, de Jerusalém, da Iduméia, do outro lado do Jordão, dos territórios de Tiro e Sidônia, foi até Jesus, porque tinham ouvido falar de tudo o que ele fazia (vv. 7-8).

Jesus se retira para a beira do mar; na verdade o que é chamado “mar” é o lago de Genesaré (15 km), por onde passa o rio Jordão. Nesta beira do lago, Jesus chamou os primeiros discípulos, quatro pescadores (Simão Pedro e André, Tiago e João; cf. 1,16-20) e um coletor de impostos, Levi (cf. 2,13-14).

Agora, não só eles seguiram, também “muita gente” da Galileia, da capital Jerusalém e de várias regiões vizinhas. A fama de Jesus reuniu pessoas de todo o território de Israel/Palestina que corresponde aos limites da terra prometida que Josué conquistou e Davi e Salomão governavam. Salomão tinha relações diplomáticas com as cidades pagãs do litoral da Fenícia (hoje Líbano), Tiro e Sidônia (cf. 7,24;  Mt 11,21-22;1Rs 5,15). Faltam na lista do território só os samaritanos que não aparecem por sua rivalidade religiosa com os judeus (cf. Mt 10,5; Lc 4,51-56; 10,33; Jo 4; At 1,8; 8).

Com esta visão global do ministério de Jesus e atração que ele exercia sobre as multidões, Mc expressa um contraste com a hostilidade das autoridades (2,1-3,6), sugere o ajuntamento de todo o Israel em volta do Messias (“Filho de Deus”, v. 11) e prepara a instituição dos “doze” apóstolos em seguida (vv. 13-20) cujo número representa as doze tribos de Israel (cf. 1 Rs 4,7).

Então Jesus pediu aos discípulos que lhe providenciassem uma barca, por causa da multidão, para que não o comprimisse. Com efeito, Jesus tinha curado muitas pessoas, e todos os que sofriam de algum mal jogavam-se sobre ele para tocá-lo. Vendo Jesus, os espíritos maus caíam a seus pés, gritando: “Tu és o Filho de Deus!” Mas Jesus ordenava severamente para não dizerem quem ele era (vv. 9-12).

Jesus entra numa barca “por causa da multidão, para que não o comprimisse” (v. 9; cf. 4,1; Lc 5,3). A barca tornar-se-á um símbolo da Igreja (cf. as travessias em 4,35-41; 6,45-52). No segundo resumo das curas físicas e espirituais de Jesus (cf. 1,32-34), os doentes querem tocá-lo (cf. a mulher hemorrissa em 5,25-34)

Aos espíritos maus, que têm conhecimento sobrenatural da identidade de Jesus (”Filho de Deus”), ele sempre ordena manter o segredo (vv. 11-12, cf. 1,24.34; 5,7), porque só na cruz se revela que tipo de Messias é Jesus (cf. 15,39): não um guerreiro como Davi derramando o sangue dos inimigos, mas como o Servo de Deus, dando seu próprio sangue, sua vida própria “em resgate por muitos” (cf. 8,31; 9,31; 10,33.45; 14,24; cf. Is 42,1-4; 53; Mt 26,28).

O site da CNBB resume: O evangelho de hoje é uma continuação dos evangelhos anteriores e nos mostra que, se por um lado, as autoridades religiosas da época de Jesus não concordavam com o seu modo de agir e com os seus ensinamentos, por outro lado, a multidão cada vez mais aderia aos seus ensinamentos e procurava em Jesus a solução para os seus problemas, naturais ou espirituais. A visão institucionalizada da fé é importante porque nos ajuda a viver comunitariamente o nosso relacionamento com Deus, mas pode ser perigosa enquanto pode submeter o próprio Deus aos critérios da razão humana ou legitimar, em nome de Deus, relacionamentos e costumes meramente humanos que podem até ser opressores e excludentes.

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