24 de maio de 2018, quinta-feira: Quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa

Leitura: Tg 5,1-6

O autor da carta continua dirigindo-se a homens de negócios e ricaços (cf. 4,13-17, leitura de ontem). Há ricos que são ricos às custas de outros: são os que os profetas denunciam com freqüência e veemência: “Ai dos que acrescentam casas a casas e juntam campos a campos, até não deixam espaço e viverem só eles no país” (Is 5,8), e também os livros sapienciais: Eclo 29,10 é uma exortação a emprestar mesmo a fundo perdido. Eclo 31,1-11 contrapõe o rico cobiçoso ao que não se perverte pela riqueza; duríssima é a denúncia de Eclo 34,18-22.

E agora, ricos, chorai e gemei, por causa das desgraças que estão para cair sobre vós (v. 1).

Depois de se dirigir a irmãos chamados a se converterem (1,10; 2,2), Tg investe agora contra pessoas ricas que não se convertem (cf. “ai de vós ricos” em Lc 6,24-26). A ameaça é apaixonada e o tom sarcástico. A perspectiva é escatológica: as “desgraças” que atingem os ricos situam-se na perspectiva do julgamento (5,7-9; cf. Mt 6,19; Is 5,8-10; Am 2,6s; 8,4-8; etc.).

Vossa riqueza está apodrecendo, e vossas roupas estão carcomidas pelas traças. Vosso ouro e vossa prata estão enferrujados, e a ferrugem deles vai servir de testemunho contra vós e devorar vossas carnes, como fogo! Amontoastes tesouros nos últimos dias (vv. 2-3).

Os tesouros dos ricos, já reduzidos a nada pelos vermes e a ferrugem (cf. Mt 6,19), vão “testemunhar” contra eles, no dia do juízo final. Mas já estamos “nos tempos do fim”. As riquezas se voltam contra seus possuidores numa espécie de vingança imanente. A riqueza gera um “fogo” que consumirá os corpos gordos.

Vede: o salário dos trabalhadores que ceifaram os vossos campos, que vós deixastes de pagar, está gritando, e o clamor dos trabalhadores chegou aos ouvidos do Senhor todo-poderoso (v. 4).

As riquezas injustas são fruto de extorsão ou exploração, de mandar trabalhar sem pagar a diária. É um tema frequente no AT: na legislação (Lv 19,13; Dt 24,14-15), no governo (Jr 22,3.13-17), num juramento de inocência (Jó 31,38-39). Mas Deus ouve o “clamor dos trabalhadores” oprimidos (cf. Ex 3,7; Dt 24,15; Gn 4,10) e fará justiça.

Vós vivestes luxuosamente na terra, entregues à boa vida, cevando os vossos corações para o dia da matança (v. 5).

Os corpos que engordam cevam-se para o “dia da matança”, ou seja, o dia do julgamento final. Alusão, talvez, às violências com que os ricos oprimiram os justos (cf. Sl 44,23; Sb 2,10-20; Jr 12,1-3). Essa matança evoca o abatimento de animais para alimentar festas e é imagem de opressão e perseguição do pobre pelo rico (cf. Sl 44,23 citado por Rm 8,36). “Vivestes luxuosamente na terra, entregues à boa vida…” (cf. a parábola do rico e Lázaro em Lc 16,19-31; cf. 12,19s).

Condenastes o justo e o assassinastes; ele não resiste a vós (v. 6).

O estilo de vida na riqueza injusta mata o próximo (cf. Eclo 34,22) e o justo que não resiste ao mal (cf. Mt 5,39). Este “justo” condenado e assassinado pode designar um grupo (cf. Sl 37; Sb 2,12-20), de preferência a Jesus (cf. Is 53,11; Lc 23,47; At 3,14; 7,52; 22,14; 1Pd 3,18; 1Jo 2,1).

A Bíblia do Peregrino (p. 2901), porém, tem outra interpretação: O v. deve ser lido em inclusão com 4,6, que tinha função programática. Desse modo, fica claro que o sujeito (implícito) do verbo resistir é Deus, e o sentido é coerente: 4,6 “Deus resiste aos soberbos”; 5,6 “não resistirá Deus contra vos?”

 

Evangelho: Mc 9,41-50

Jesus continua ensinando os discípulos, motivando-os para o valor dos pequenos, serviço generoso e tolerância (cf. evangelhos dos dias passados)

Quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa (v. 41).

 A generosidade se deve estender aos “pequenos” (Mt 10,42) e a todos que são “de Cristo”; mesmo um gesto pequeno como dar um copo de água, “não ficará sem receber a sua recompensa” (cf. Mt 10,42). Esta recompensa pode ser imanente (aqui em vida) ou escatológica (noutro mundo; cf. 10,30; Mt 5,46; 6,1; etc.).

E se alguém escandalizar um destes pequeninos que creem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço (v. 42).

Mc não fala só de crianças (cujo abuso, por ex. a pedofilia, é realmente um escândalo lamentável). Os “pequenos que creem” são os fracos e pobres, as pessoas simples e humildes na comunidade. “Escandalizar” quer dizer “fazer cair” (“escândalo” em grego é um obstáculo no caminho, uma armadilha), ou seja, fazer desistir da fé em Jesus e do seu seguimento (cf. 4,16s). A fé de pessoas simples depende de palavras e exemplos de líderes, e Jesus ainda fala aos Doze (v. 35)! Quem ameaça a fé destas pessoas simples através do seu mau exemplo, é ameaçado de morte certa por Jesus, mesmo no condicional: “melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço” (cf. Lc 17,1s).

Se tua mão te leva a pecar, corta-a! É melhor entrar na Vida sem uma das mãos, do que, tendo as duas, ir para o inferno, para o fogo que nunca se apaga. Se teu pé te leva a pecar, corta-o! É melhor entrar na Vida sem um dos pés, do que, tendo os dois, ser jogado no inferno. Se teu olho te leva a pecar, arranca-o! É melhor entrar no Reino de Deus com um olho só, do que, tendo os dois, ser jogado no inferno onde o verme deles não morre, e o fogo não se apaga (vv. 43-48).

Como é tal sério fazer outros perderem a fé, há de tomar cuidado para não vacilar a própria pessoa. Aquele que crê pode cair também por conta própria, por sua natureza: seu pé, sua mão, seu olho etc. podem levá-lo a pecar. Agir contra a própria natureza parece uma automutilação, mas Jesus exige isso em vista à vida eterna: “Corta-o! É melhor entrar na Vida, do que tendo os dois, ser jogado no inferno.” “Entrar na vida” corresponde “entrar no reino de Deus” (cf. v. 47; 10,15.23s; cf. Mt 5,20 etc.), ou “herdar/ganhar a vida eterna” (10,17;  Lc 10,25; etc.).

Estas palavras são exagero de poesia oriental ou devemos levar ao pé da letra? Orígenes, um teólogo do século III, se castrou a partir dessas palavras, mas depois descobriu que ainda estava com desejos sexuais na cabeça. E se você, querido leitor, tem maus pensamentos, a sua cabeça te leva a pecar, deve cortá-la? No sermão da montanha (Mt 5,29s; cf. 18,8s), Jesus alerta do perigo da cobiça, ou seja, de sentimentos e pensamentos que podem levar ao pecado. Não se deve considerar como pecado somente o ato cometido (adultério, assassinato, …), mas devemos estar atentos a começo no pensamento na cabeça ou no sentimento nos membros do corpo. Devemos cortar os maus pensamentos, não a cabeça. Orígenes, posteriormente, desenvolveu a interpretação alegórica da Bíblia (simbólica, não ao pé da letra). 

Mesmo sem praticar essas palavras ao pé da letra, não se deve desconsiderá-las, pois Jesus fala seriamente do inferno, “onde o verme deles não morre e o fogo não se apaga” (v. 48; citando Is 66,24). Mas tudo isso não é uma inversão da “Boa Nova” (evangelho) do reino de Deus numa “Péssima Nova” da ameaça do inferno? Certamente, Jesus anunciou um Deus bondoso e misericordioso, mas isso não significa automaticamente um final feliz para todos e para cada um(a).

Deus dá livre arbítrio ao ser humano: o filho pode dizer “não” ao Pai (Mt 21,9s), o servo pode inutilizar o talento a ele confiado (Mt 25,14-30; Lc 19,11-27), os convidados podem ignorar o convite (Lc 14,15-24). Deus respeita a decisão do homem livre e não o forca para ter comunhão nem para viver eternamente com ele. Apesar da bondade divina, o ser humano pode perder seu destino. Quem não reconhece que seu futuro depende das próprias decisões, subestima o valor da sua própria vida.

Nosso pensar, agir e omitir têm consequências positivas ou negativas para nossa vida e para nosso futuro. O perigo de não reconhecer o significado da nossa conduta não está só nas pessoas simples que a sociedade ignora. Está também nos líderes, nos Doze. Justamente pelo fato de estar na frente, diante dos olhos de todos com um cargo público e eclesial, eles podem fazer cair (lit. “escandalizar”) os pequenos mais do que os outros. Nossa conduta tem importância e faz a diferença.

Pois todos hão de ser salgados pelo fogo. Coisa boa é o sal. Mas se o sal se tornar insosso, com que lhe restituireis o tempero? Tende, pois, sal em vos mesmos e vivei em paz uns com os outros (vv. 49-50).

O significado do “fogo” de v. 49 já é outro do que o de v. 48 (do inferno), aqui é comparado com o sal, “coisa boa”. “Todos hão de ser salgado com fogo”, pode significar que todos vão passar pelo juízo divino, através da palavra de Deus (cf. Mt 3,11p: Jesus “batiza com o Espírito Santo e com fogo”).

Esta palavra de Jesus (desde v. 35) pode doer à nossa natureza egoísta de querer ser sempre o primeiro e se impor aos outros desconsiderando a confiança (fé) dos pequenos. Neste sentido, a palavra de Jesus pode doer como o “fogo”, causar dor de cabeça, mas igual ao sal, purifica, conserva e dá mais sabor à vida (também o fogo do purgatório é simbólico e benéfico, pois purifica). Mas não há de relaxar, tornar o sal insosso (Mt 5,13). “Tende, pois, sal em vós mesmos e vivei em paz uns com os outros” (v. 50). Assim termina este discurso aos Doze que começou com a briga (v. 34) e termina com a paz. O sal como tempero insubstituível é símbolo de refeição, comunhão e aliança (cf. Esd 4,14; At 1,4; Lv 2,13; Nm 18,19; 2Cr 13,5).

O site da CNBB comenta: É muito comum ouvirmos que isso ou aquilo é escandaloso e, normalmente, quando isso acontece, o fato está relacionado com questões de sexualidade. O escândalo é muito mais do que isso. Dar escândalo significa ser ocasião de pecado para as outras pessoas, independentemente da natureza ou da forma do pecado. Jesus nos mostra no Evangelho de hoje a importância que devemos dar para os nossos atos, para que eles sejam testemunho da nossa adesão ao Reino de Deus e não uma negação da nossa adesão que tenha como consequência o afastamento das pessoas. Não podemos nos esquecer de que a nossa fidelidade a Jesus no nosso dia a dia é a nossa grande arma no trabalho evangelizador.

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