24 de setembro de 2016 – Sábado, 25ª semana

Leitura: Ecl 11,9-12,8

Ouvimos hoje o final do livro original de Eclesiastes (o epílogo 12,9-14 é um apêndice posterior). Neste, o autor incentiva a aproveitar o momento antes que chegue a velhice.

Alegra-te, jovem, na tua adolescência, e que o teu coração repouse no bem nos dias da tua juventude; segue as aspirações do teu coração e os desejos dos teus olhos; fica sabendo, porém, que de tudo isso Deus te pedirá contas. Tira a tristeza do teu coração, e afasta a malícia do teu corpo, pois a adolescência e a juventude são vaidade (11,9-10).

Ecl convida a se alegrar nos dias da juventude, que são passageiros e ilusórios. Deus pedirá contas de uma juventude desperdiçada, que não encontrou o momento certo para cada coisa (cf. 3,1-15, leitura de ontem).

O filósofo grego Epicuro (341-270 a.C.) destacou a importância do prazer e da alegria na vida. Ao invés de qualquer epicurismo licencioso e imoral (cf. Is 22,13; Sb 2,8; 1Cor 15,32), Ecl recomenda ao jovem que desfrute os bons tempos, sem esquecer, contudo, que deverá prestar contas a Deus (às vezes, este v. 9d é considerado uma adição). No final do apêndice (12,14), volta o tema do julgamento divino (cf. Jó 14,3). Deixar-se levar pelo coração e pelo que atrai os olhos nada tem ver com libertinagem: é um conselho que se une à busca da saúde do espírito e do corpo (“afasta a malícia do teu corpo”, v. 10).

“Os desejos dos teus olhos”, lit.: “o que os teus olhos veem”. Talvez seja parte de um provérbio sobre a juventude que Eclo cita aqui, acrescentando uma advertência sobre a brevidade da juventude.

“Vida longa” era tida como a recompensa prometida aos israelitas nos discursos em Deuteronômio (Dt 5,16.33; 11,9.21; 22,7, etc.), a suprema bem-aventurança garantida aos justos pelos sábios. Diante dessa valorização da velhice em Israel, Ecl a contempla com tristeza e melancolia. Para ele a velhice não constitui felicidade alguma, devida a uma série de fatores: pavor da morte, saudade da juventude (11,8-12,2), diminuição da saúde e das atividades (12,3-5) e expectativa do inevitável (12,5-7).

Segue-se uma admirável descrição da decrepitude que pode se comparar à do sábio egípcio Pta-hotep. O livro de Ben Sirac (Eclesiástico) também termina com o retrato do escriba (Eclo 39), seguindo, como aqui, de reflexões sobre a precariedade humana em face da morte (Eclo 40-41). No fundo, a longevidade constitui a derradeira decepção do homem (cf. 6,3-6).

Este belo poema, cheio de emoções e nostalgia, trata da velhice em termos mais ou menos metafóricos, mas às vezes é difícil entender o sentido exato. Seguindo a tendência rabínica, alguns comentaristas procuram interpretar as alusões obscuras à realidade como referências às diversas partes do corpo humano; mas essa interpretação fisiológica é duvidosa em vários detalhes.

Depois de uma introdução explícita (12,1), vem uma série cósmica de meteoros (v. 2) com valor simbólico; segue-se a visão de uma morada ou granja (vv. 3-4) com seus variados personagens; alusões obscuras entre duas franjas realistas (vv. 5), duas imagens domésticas preparam o enunciado final explícito (vv. 6-7), e encerra com um refrão (v. 8). Pode-se também ver no poema a descrição da velhice como o inverno da vida, mas um inverno diferente do da natureza, porque não é seguindo pela primavera.

Lembra-te do teu Criador nos dias da juventude, antes que venham os dias da desgraça e cheguem os anos dos quais dirás: “Não sinto prazer neles” (12,1);

É a única vez que o autor de Eclusa o termo Criador. Esta palavra, no texto estranhamente no plural, pertence ao vocabulário de Is 40-55 e aparece já em Gn 1,1. Pode haver aí um jogo de palavras entre borê, “criador”, e beer, “fonte, poço, túmulo”, bôr “poço” (v. 6).

Lembrar-se do Criador servirá para aceitar e aproveitar a sorte destinada e os tempos estabelecidos. Os tempos não são maus, é o ancião que não pode desfrutar deles.

Antes que se obscureçam o sol, a luz, a lua e as estrelas, e voltem as nuvens depois da chuva (12,2).

A velhice é como uma noite sem estrelas, um inverno sem sol (cf. 6,5). Sem nuvens não há chuva (cf. 11,3), nem vegetação primaveril, nem o renascer da natureza (cf. Ct 2,11; Esd 10,9; Lv 26,4).

Quando os guardas da casa começarem a tremer, e se curvarem os homens robustos; quando as poucas mulheres cessarem de moer, e ficarem turvas as vistas das que olham pelas janela se se fecharem as portas que dão para a rua; quando enfraquecer o ruído do moinho, e os homens se levantarem ao canto dos pássaros, e silenciarem as vozes das canções (12,3-4),

Desaparece o vigor dos homens; perdem as mulheres o brilho de sua beleza, não atraindo mais a quem passa (Pr 7,6). Por falta de guardas fortes, fecham-se as portas; por falta de mulheres suficientes, pára o moinho (cf. Jr 25,10). A menos que se trate de metáforas referentes a cada membro do corpo humano.

No quadro doméstico, o corpo é a “casa”, os “guardas” podem ser os braços, e os “robustos” ou valentes podem ser as pernas ou os ombros.

“As mulheres”, lit.: “aquelas que moem”; “uma a uma” ou “(porque elas são) muito pouco numerosas”, podem ser os dentes na velhice. A ação de moer é mastigar; se os dentes forem poucos, pára o moinho, cf. Jr 25,10.

Os olhos do velho, ficando “turvas as vistas das que olham pelas janelas”, porque se embaçam com o tempo. É uma casa que vai faltando vida.

As “portas que dão para rua” são os ouvidos, ou são os lábios? (cf. Eclo 22,27).

“Se levantarem ao canto dos pássaros” é a alusão ao sono leve dos anciões que levantam cedo; às vezes se propõe corrigir “se levantarem”, por “pararem”. “Silenciarem as vozes das canções”, lit. “as filhas do canto se enfraquecem” (cf. Is 29,4), “emudecem” ou “são humilhadas”.

E houver medo das alturas e sobressaltos no caminho, enquanto a amendoeira floresce, o gafanhoto se arrasta e a alcaparra perde o seu gosto, porque o homem se encaminha para a morada eterna, e os que choram já rondam pelas ruas (12,5).

A transmissão deste versículo é duvidosa. A “amendoeira” florida parece referir-se aos cabelos brancos do ancião; o “gafanhoto” arrastando-se seria a agilidade juvenil perdida, ainda que muitos comentaristas pensem que se refira aos órgãos sexuais; a “alcaparra” excitava o apetite (de comer ou sexual?), mas “perde o seu gosto”; pode-se traduzir também “é sem efeito”. Outros leem “dá seu fruto”, continuando a imagem do retorno da bela estação do ano: a vida abandona o homem no momento em que a natureza ressuscita. O gafanhoto “se arrasta”, se torna pesado, seja porque está bem alimentado (mais uma imagem da primavera), seja, ao contrário, porque o peso mais leve constitui um fardo para o velho.

O destino do todo homem é caminhar para a morte; a “morada eterna” é o Xeol (grego: hades) um lugar escuro onde os mortos não têm relação com Deus (3,20; 6,4s; 9,3-6.10; cf. Gn 37,35; Nm 16,30-30.33; Dt 32,22; 1Sm 28,12-19; Is14,9-11; 38,18; Ez 32,17-32; Sl 6,6; 30,10; 88,6.11-13; 89,49; 115,17). Contudo, o poder do Deus vivo se exerce mesmo nesta habitação desolada (1Sm 2,6; Sb 16,3; Am 9,2). A doutrina das recompensas e das penas de além-túmulo e a da ressurreição (preparadas pela esperança de Sl 16,10s; 49,16), só aparecem depois de Ecl, já no fim do Antigo Testamento (Sb 3,4s; 2Mc 7; 12,38; Dn 12,2s).

Antes que se rompa o cordão de prata e se despedace a taça de ouro, a jarra se parta na fonte, a roldana se arrebente no poço(12,6).

Cordão e taça, jarra e roldana são objetos domésticos que assumem valor simbólico. O cântaro que tira a água do poço da vida e a roldana que assegura o retorno da água do manancial, não são difíceis de entender, aludem ao problema de contenção do idoso. O cordão (ou fio), é de vestir ou de pendurar? A taça, é de beber ou de alumiar? Os gregos falavam do fio da vida que as deusas parcas (as deusas do destino) fiam e cortam (cf. Is 38,12).

Antes que volte o pó à terra, de onde veio, e o sopro de vida volte a Deus que o concedeu (12,7).

Referência ao relato de Gn 2-3: Deus fez o homem do pó (argila) da terra e deu-lhe o “sopro de vida” (Gn 2,7); depois do pecado o homem é condenado ao trabalho fatigante e à volta ao pó na morte (Gn 3,19).“O sopro de vida volte a Deus”; o que a Deus pertence, a saber, o princípio da vida, dado provisoriamente ao homem, a Deus retorna. Outros traduzem por “espírito” a palavra aqui traduzida por sopro.

Não implica sobrevivência nem imortalidade da alma, é simplesmente a imagem de Sl 104,29s (cf. Sl 90,3; 146,4; Jó 34,14; Ecl 3,20s; Eclo 40,11).A fé explícita na ressurreição só aparecerá em Israel depois dos tempos de Ecl (cf. Sl 31,6 citado em Lc 23,46; cf. Jo 19,30; 20,22); contudo, ele não se desanima. Não se entrega nem ao pessimismo nem à indiferença.

Aquele elemento, no homem, que veio da terra (pó) deve voltar para lá. Já que não há nada na terra que possa satisfazer ao (espírito do) homem, deve-se concluir que este não provém totalmente da terra e, por isso, aquilo que vem de Deus a ele retornará.

Vaidade das vaidades, diz o Eclesiastes, tudo é vaidade (12,8).

O refrão repete o começo (1,2; cf. leitura de quinta-feira passada), marcando todas as voltas da reflexão. Agora soa com mais força e convicção, quase como testamento do pensador.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1180) comenta: O livro termina como tinha começado, porém confirmado na convicção de que tudo é vaidade. Apontou ao homem sua miséria e grandeza, mostrando-lhe que este mundo não digno dele. Procura levar o leitor a seguir uma religião desinteressada, uma oração que seja adoração provinda de uma atitude consciente de que a criatura não é nada em face do mistério de Deus (cf. Sl 39).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 825) resume: Com os anos, a velhice impõe limite ainda maior aos prazeres da vida. Lembrar-se sempre do Criador é não perder de vista que os prazeres desta vida são presentes de Deus, que tudo cria para a felicidade e a simplicidade. A Deus voltará o sopro de vida com o qual vivemos. O clima sombrio do poema expressa o sentimento dos anciãos numa sociedade que começa a ser dominada pela concorrência e insegurança. O livro termina como começou, constatando que “tudo é ilusão” (12,8; cf. 1,2).

Evangelho: Lc 9,43b-45

No evangelho de hoje ouvimos o segundo anúncio da paixão diante dos discípulos (cf. o primeiro anúncio no evangelho de ontem).

Todos estavam admirados com todas as coisas que Jesus fazia. Então Jesus disse a seus discípulos: ”Prestai bem atenção às palavras que vou dizer: O Filho do Homem vai ser entregue nas mãos dos homens”(vv. 43b-44).

Seguindo sua fonte Mc 8-9, Lc narrou, entre o primeiro e o segundo anúncio, a transfiguração de Jesus e a cura de um epiléptico (cf. os sintomas em Lc 9,39.42). Causas desconhecidas de doenças eram atribuídas a espíritos maus. Conforme o conceito da época Jesus curou o epilético ameaçando o espírito impuro. O messias Jesus se mostra benéfico e, no entanto, será odiado. Lc não narra aqui uma travessia secreta pela Galileia (Mc 9,30s), mas enquanto “todos estavam admirados”, Jesus se dirige aos discípulos.

Anuncia pela segunda vez sua paixão (cf. 9,22.31.43s; 12,49s; 13,31-33; 17,25; 18,31-33; 24,7) contrastando a expectativa do povo com a necessidade do sofrimento do messias (cf. 24,26; At 17,3). O passivo divino “vai ser entregue” indica que corresponde ao desígnio de Deus, não é por acaso ou acidente da história.

Nesta segunda predição da paixão, contrariamente a Mt e Mc, Lc não relata aqui o anúncio da ressurreição de Jesus. É para significar que a incompreensão dos discípulos (v.45) é relativa à Paixão de Cristo. A tragédia da paixão se consumará entre irmãos: este “Filho de Homem” (em hebraico: Filho de Adão) será entregue “nas mãos dos homens” (como Abel e Caim em outra escala em Gn 4).

Mas os discípulos não compreendiam o que Jesus dizia. O sentido lhes ficava escondido, de modo que não podiam entender; e eles tinham medo de fazer perguntas sobre o assunto (v. 45).

A Bíblia do Peregrino (p. 2488) comenta: Os discípulos entendem a frase gramatical, mas não compreendem seu sentido. Esse destino anunciado não se enquadra com que eles esperavam de Jesus; não conseguem conciliar poder com fraqueza, que o dominador de espíritos malignos caia em poder de homens. As palavras são obscuras para quem não está disposto a compreender.

Lc mantém a incompreensão dos discípulos que Mc tanto frisava; aqui Lc até aumenta: “O sentido lhes ficava escondido, de modo que não podiam entender”. Como o sofrimento do messias é desígnio de Deus, assim também a incapacidade dos discípulos de entender o sentido. Só depois da ressurreição vão começar compreender (24,7.25-27). Para os judeus como para os pagãos eram difícil de entender o mistério da cruz (cf. 1Cor 1,18-25).

O site da CNBB comenta: Muitas pessoas encontram dificuldades para compreender o que Jesus nos fala, e essas dificuldades existem porque verdadeiramente não conhecem Jesus e não comungam as suas propostas e os seus valores. A única contribuição que podemos dar para que essas pessoas possam compreender Jesus é, auxiliados pela graça divina, nos lançarmos num verdadeiro trabalho missionário, juntamente com toda a Igreja, no sentido de possibilitar às pessoas um verdadeiro encontro com o Divino Mestre, a fim de que possam de fato conhecê-lo, compreender a sua Palavra e viver o seu Evangelho.

 

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