24 de Setembro de 2020, Quinta-feira: Então Herodes disse: “Eu mandei degolar João. Quem é esse homem, sobre quem ouço falar essas coisas?” E procurava ver Jesus (v. 9).

25ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Ecl 1,2-11

Hoje e nos próximos dias ouvimos trechos de um livro do AT parecido à filosofia pós-moderna questionando os grandes ideais e colocando o sentido da vida numa felicidade que é viver o presente. O nome “Eclesiastes” é tradução grega do hebraico “Coélet”, o homem da assembleia (assembleia em hebraico é qahal, em grego ekklésia). Coélet pode ser nome próprio ou ainda indicar a função de que reúne uma comunidade e lhe fala. De um lado significa o mestre ou orador; de outro, o representante da assembleia, o público personificado e quem cansado do ensinamento clássico, aproveita o ensejo para fazer uso da palavra.

O vocábulo Coélet funciona como nome e como função, sem ou com artigo: compare-se com Esd 2,55 (soféret) ou Is 40,9 (mebasséret). A tradução etimológica seria “assembleísta”, e poderia designar aquele que dirige a palavra.

Obs.: Nossa palavra portuguesa “Igreja” (cf. o espanhol iglesia) vem do grego ekklésia (assembleia convocada) que traduz o hebraico qahal (“assembleia” de Javé). Às vezes, este livro Ecl é confundido com Eclo (Eclesiastico, chamado também pelo nome do seu autor Ben Sirac) que tem seu nome por causa da “aprovação eclesiástica”, ou seja, é um dos sete livros do AT que a Igreja Católica aprovou como parte das Sagradas Escrituras, enquanto os judeus e protestantes não o aprovaram como parte da Bíblia.

A Bíblia Pastoral introduz o livro de Ecl:

O aparente pessimismo do Eclesiastes ou Coélet pode desconcertar o leitor. Na verdade, porém, trata-se de um livro profundamente crítico, lúcido e realista sobre a condição do povo na Palestina, por volta do século III a.C. A Palestina era então colônia do império grego dos Ptolomeus, ao qual devia pagar pesados tributos, que eram arrecadados pela família dos Tobíadas, que controlava o comércio, a economia e a política interna. O autor escreveu durante esse tempo de exploração interna e externa (250 a.C.), que não deixava esperanças de futuro melhor para o povo. Num mundo sem horizontes, ele fez um balanço sobre a condição humana, buscando apaixonadamente uma perspectiva de realização.

Quais os caminhos para realizar a vida e a felicidade? O autor desmonta as ilusões que um determinado sistema de sociedade apresenta como ideal (riqueza, poder, ciência, prazeres, status social, trabalho para enriquecer etc.) e coloca uma pergunta fundamental: “Que proveito tira o homem de todo o trabalho com que se afadiga debaixo do sol?” (1,3).

Em vez de cair no desespero, o autor descobre duas grandes perspectivas: Primeiro, descobre Deus como Senhor absoluto do mundo e da história, devolvendo a Deus a realidade de ser Deus. Depois, descobre o Deus sempre presente, fazendo o dom concreto da vida para o homem, a cada instante e continuamente. Isso leva o homem a descobrir que a própria realização é viver intensamente o momento presente, percebendo-o como lugar de relação com o Deus que dá a vida. Intensamente vivido, o momento presente se torna experiência da eternidade, saciando a sede que o homem tem da vida. Todavia, para que se possa de fato viver o presente é preciso usufruir o fruto do próprio trabalho (2,10; 2,24; 3,13.22; 5,18-20; 9,9). E aqui temos uma pergunta crucial: Que presente de vida resta para o povo, quando ele é impedido de usufruir do resultado do trabalho com que se afadiga debaixo do sol?

O Eclesiastes ou Coélet denuncia portanto as consequências de uma estrutura social injusta. O povo não tem presente, quando é impedido de usufruir do fruto do próprio trabalho. Consequentemente, fica sem vida, que lhe foi roubada não por esta ou aquela pessoa, mas por todo um sistema social dependente que, para privilegiar uma minoria, acaba espoliando a nação inteira. E aqui, o autor mostra que isso se trata, em primeiro lugar, de um pecado teológico: Deus dá a vida para todos; se ela é roubada, o roubo é um desvio na própria fonte da vida.

O Eclesiastes é convite para destruir e construir. Destruir uma falsa concepção a respeito de Deus e da vida, muitas vezes justificada por concepções teológicas profundamente arraigadas. Depois, construir uma nova concepção de vida, que é dom gratuito de Deus, para que todos a partilhem com justiça e fraternidade. Só então todos poderão ter acesso à felicidade, que consiste em usufruir a vida presente que, intensamente vivida, é a própria eternidade.

Nossa liturgia omitiu o título do livro, acrescentado posteriormente: “Palavra de Coélet, filho de Davi, rei em Jerusalém” (v. 1). Apresenta o autor Coélet (“Eclesiastes”) como se fosse o rei Salomão, “filho de Davi”, segunda a tradição que via nesse rei o incentivador e modelo da sabedoria (1Rs 5,9-14).

”Vaidade das vaidades”, diz o Eclesiastes, “vaidade das vaidades! Tudo é vaidade” (v. 2).

Esta expressão abre e fecha o livro original (12,8). Por influência do latim consagrou-se como “vaidade das vaidades”, ou “vazio”, muitas vezes lida em sentido moral, traindo o original hebraico: o ser humano não consegue compreender a totalidade das coisas e situações, porque tudo é vazio, escapa e desaparece como fumaça.

O termo hebraico hébel, traduzido aqui por “vaidade”, seguindo as versões tradicionais, significa, antes de tudo, “sopro”, “hálito”, “fumaça”, “vapor”, pertencendo ao repertório das imagens (água, sombra, fumaça, etc.) que na poesia hebraica descrevem a fragilidade humana; é a mesma palavra do nome Hébel (Abel, Gn 4,2).Entretanto, no uso de Ecl, o termo perdeu o seu sentido concreto, evocando apenas o ser ilusório das coisas e, por conseguinte, a decepção que elas proporcionam ao homem. Por translação, significa o que não tem substância, o vazio, oco, nada.

“Vaidade das vaidades” é uma espécie de superlativo – como “cântico dos cânticos” significa “o melhor cântico”. Poderíamos traduzir: sopro ligeiro, suspiro leve, ou então, vazio completo, total falta de sentido, nada de nada, ilusão das ilusões.

Que proveito tira o homem de todo o trabalho com o qual se afadiga debaixo do sol? (v. 3).

A Bíblia do Peregrino (p. 1489) comenta: A pergunta é muito sapiencial. O “assembleísta”, em nome de toda a assembleia humana, vai fazer um balanço da vida humana, gastos e ganhos em sua correlação. Mas parece que o v. 2 antecipou a resposta, provocando uma ressonância irônica ou convidando a não criar ilusões.

A palavra “proveito” é própria do Ecl, significa “benéfico, vantagem, lucro” e ocorre 10 vezes na obra (1,3; 2,11.13; 3,9; 5,8.15; 7,12; 10,10.11). Mostra como o autor usa a linguagem comercial para criticar a mentalidade da economia trazida pela dominação grega: a ilusão da segurança encontrada no acúmulo de bens e riquezas.

A palavra “trabalho” em hebraico ‘amal, evoca, na maioria das vezes, um trabalho penoso semelhante ao de um escravo (cf. Dt 26,7), donde a fadiga, o sofrimento. Esta palavra é muito frequente: em forma de substantivo, ela aparece vinte vezes; em forma verbal, treze vezes.

A pergunta do v. 3 é um programa para todo o livro, o ritmo repetitivo da natureza e da história cansa e não traz nada de novo. O determinismo do cosmo, o quadro monótono da vida humana, provoca em Eclesiastes o tédio, oposto à admiração e adoração que se manifestaram em Jó 38-41 ou Sl 104.

Os vv. 3-11 colocam a questão: para que trabalhar e progredir na vida? A resposta é negativa, já que a natureza está sempre recomeçando, num movimento cíclico que gera tédio e indiferença. Na repetição cansativa que é a vida, o autor propõe investigar o sentido da existência, ou seja, o que o ser humano ganha com todas as suas fadigas.

Antes de entrar no assunto, nos faz ler esse breve poema em duas estrofes (vv. 4-7.8-11), que estabelece a tonalidade do livro. É um olhar que abrange audaciosamente todo o horizonte (“debaixo do sol”) e todas as gerações humanas para estabelecer o princípio da desilusão. Repetindo palavras e construções, reproduz estilisticamente a monotonia do que existe.

Uma geração passa, outra lhe sucede, enquanto a terra permanece sempre a mesma. O sol se levanta, o sol se deita, apressando-se para voltar ao seu lugar, donde novamente torna a levantar-se. Dirigindo-se para o sul e voltando para o norte, ora para cá, ora para lá, vai soprando o vento, para retomar novamente o seu curso. Todos os rios correm para o mar, e contudo o mar não transborda; voltam ao lugar de onde saíram para tornarem a correr (vv. 4-7).

Nesta primeira estrofe apresenta-se um quarteto: a terra imóvel, o sol ardente, o vento, os rios. É o mesmo sol cada manhã, o mesmo vento que gira, os mesmos rios que fluem e o mesmo mar que os recebe. Cada “geração” humana é a única coisa que não dura, embora a nova seja igual à anterior. Terra, sol, ventos e mares podem representar os quatros elementos primordiais da cosmologia grega. Desmitizados, são eles aqui simples criaturas, incapazes de decifrar o mistério do universo e do homem.

Na própria Bíblia, compara-se, por exemplo, a visão triunfal e heroica do sol em Sl 19, ou então a visão do Senhor que vem como sol que desponta e ilumina (Is 60 e 62; Sl 57) ou com a grande descrição do sol e do vento em Eclo 43. Ecl contempla um sol cansado, forçando a repetir seu trabalho a cada dia. Compara-se o prestígio que tem o “vento” no AT, como sopro de Deus (espírito criador): Gn 1,2; Sl 104,30 etc. Ecl contempla um vento preso entre céu e terra. Parece supor que, chegada ao oceano, a água dos rios desce para o oceano interior e o atravessa para voltar a sair nos mananciais (na verdade, o calor do sol produz o vapor dos mares que se transforma em nuvens que trazem a chuva nas montanhas alimentando os nascentes dos rios).

Tudo é penoso, difícil para o homem explicar. A vista não se cansa de ver, nem o ouvido se farta de ouvir. O que foi, será; o que aconteceu, acontecerá: não há nada de novo debaixo do sol. Uma coisa da qual se diz: “Eis aqui algo de novo”, também esta já existiu nos séculos que nos precederam. Não há memória do que aconteceu no passado, nem também haverá lembrança do que acontecer, entre aqueles que viverão depois (vv. 8-11).

A Bíblia do Peregrino (p. 1489) comenta: Na segunda estrofe está o homem com a sua história, que assim pode ser chamada: apesar de tanto suceder, é como se nada sucedesse. Em toda a peça não aparece Deus, nem como criador nem como diretor da história. O olhar do homem está encerrado “debaixo do sol”. A montagem paralela de natureza e história serve aqui para naturalizar a história. No cosmo, os mesmos sujeitos desempenham o mesmo papel, na história humana, novos sujeitos desempenham o mesmo papel.

Toda a tarefa do AT e a maestria de seus escritores é transformar fatos e experiências em palavra. Ecl (Coélet) tenta também, e desde o começo comenta seu próprio fracasso: “Tudo é penoso, difícil para o homem explicar” (cf.Dt 29,3). Outra tradução: “Todas as coisas são cansativas”, enfadonhas, devido à sua monotonia. Poder-se-ia entender também: “Tudo é tão tedioso que nem se pode mencionar”.

Evangelho: Lc 9,7-9

Os apóstolos acabaram de ser enviados para primeira missão em Israel (cf. evangelho de ontem). Para preencher o tempo da missão deles antes de voltarem, Lc (seguindo Mc 6,14-17) entra aqui com essa breve notícia sobre Herodes Antipas, governador da Galileia, preparando a profissão de Pedro que se baseia na mesma pergunta: “Quem é Jesus?” (cf. vv. 18-20, evangelho de amanhã).A lembrança de Herodes, nesse ponto, durante a atividade dos doze, projeta uma sombra agourenta.

O tetrarca Herodes ouviu falar de tudo o que estava acontecendo, e ficou perplexo, porque alguns diziam que João Batista tinha ressuscitado dos mortos. Outros diziam que Elias tinha aparecido; outros ainda, que um dos antigos profetas tinha ressuscitado (vv. 7-8).

Herodes Antipas era um dos filhos do rei Herodes Magno (cf. Mt 2) cujo reinado foi dividido entre seus filhos: Herodes Antipas ficou como governador da Galileia e Pereia-Transjordânia (Lc3,1). Lc e Mt 14,1 usam o termo correto “tetrarca”, corrigindo Mc 6,14 (“rei”).

Ele faz a si mesmo a pergunta fundamental: quem é esse Jesus? (cf. v. 9) Conhece, de ouvido, diversas respostas: o povo precisa enquadrar Jesus, identifica-o com o Batista ressuscitado ou com algum profeta redivivo, ou com Elias que não morreu e haveria de voltar (Eclo 48,10) como foi anunciado em Ml 3,23 (cf. Mt 17,10; Mc 9,11). Em Mt 14,2 e Mc 6,16, o próprio Herodes crê que, em Jesus, “João Batista tinha ressuscitado dos mortos”. Mas para Lc e seus leitores greco-romanos, este monarca helenista deve ser demasiado cético para admitir tal possibilidade (cf. o ceticismo grego a respeito da ressurreição em At 17,32; 25,19.22; 26,24-29).

Então Herodes disse: “Eu mandei degolar João. Quem é esse homem, sobre quem ouço falar essas coisas?” E procurava ver Jesus (v. 9).

Na moldura, não há um vazio para o messias esperado. Herodes Antipas não crê em tais boatos, quer vê-lo pessoalmente (23,8). Bastaria vê-lo sem ter fé? Não se esclarece seu ministério simplesmente com uma inspeção.

Lc já informou sobre a prisão de João Batista em 3,19s (Mc 1,14p; cf. Lc 7,18; Mt 11,2), mas não narra mais o assassinato de João Batista com todos os seus detalhes (Mc 6,17-29p). Só indiretamente, pela boca do criminoso Herodes (cf. 3,20), ouvimos do martírio: “Eu mandei degolar João” (cf. Mc 6,16). E já se querendo lançar sobre a próxima vítima, “procurava ver Jesus” (v. 9). Aqui Lc prepara o futuro encontro entre o rei-governador Herodes e o rei verdadeiro, o messias Jesus, em Jerusalém (23,8-12).

O site da CNBB comenta: Vemos o surgimento de diferentes formas de misticismo e as diferentes religiões estão se multiplicando por todos os lados. Para nos defender, afirmamos que existem falsos profetas que ficam enganando o povo para ganhar dinheiro e fazer da religião meio de vida. À luz do Evangelho de hoje, podemos analisar este fato. As pessoas falam muitas coisas a respeito de Jesus, embora muitas vezes porque desconhecendo verdade, e esse desconhecimento se dá porque não evangelizamos como devemos e também porque conhecemos a nossa fé de modo superficial, mas não admitimos a nossa ignorância e manifestamos nossa opinião como verdade de fé, basta ver o acúmulo de bobagens que cristãos de meia tigela veiculam na Internet, em sites que afirmam ser católicos, mas que na verdade são caóticos e escondem Jesus.

Voltar