25 de Abril de 2021, 4º Domingo da Páscoa: Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas (vv. 14-15).

Tempo de Páscoa 4º Domingo Ano B

 

1ª Leitura: At 4,8-12

Depois de curar um paralítico (3,1-100, Pedro e João, sempre mais corajosos, perseveraram no templo, anunciando às multidões a ressurreição de Cristo e sua implicação para a vida do mundo e dos homens e mulheres.

No dia seguinte são chamados diante do tribunal do sinédrio, o mesmo que tinha condenado Jesus (Lc 22,66-70): “Estavam presentes o sumo sacerdote Anãs e também Caifás, João, Alexandre e todos os que pertenciam às famílias dos sumos sacerdotes” (cf. Lc 3,2; Jo 18,13). Os sumos sacerdotes pertencem ao partido dos “saduceus” que aceitam só os primeiros cinco livros da Bíblia, ou seja, a Lei de Moisés (Torá, Pentateuco). Não acreditam na ressurreição, nem nos profetas nem em anjos, enquanto os fariseus sustentam uma e outra coisa (cf. 23,6-8; Lc 20,27-38). Pela pregação do apóstolo, estas autoridades civis e religiosas se sentem ainda responsabilizadas pela condenação e morte de Jesus (3,13-15.17).

“Com que poder ou em nome de quem vós fizestes isso?” interrogam (v. 7). O leitor já sabe, mas a pergunta dá oportunidade de professar o poder da fé no nome de Jesus e no Espírito Santo (vv. 6.16; cf. 1,8; 2,38).

Então, Pedro, cheio do Espírito Santo, disse-lhes: “Chefes do povo e anciãos: hoje estamos sendo interrogados por termos feito o bem a um enfermo e pelo modo como foi curado. Ficai, pois, sabendo todos vós e todo o povo de Israel: é pelo nome de Jesus Cristo, de Nazaré, – aquele que vós crucificastes e que Deus ressuscitou dos mortos – que este homem está curado, diante de vós. Jesus é a pedra, que vós, os construtores, desprezastes, e que se tornou a pedra angular. Em nenhum outro há salvação, pois não existe debaixo do céu outro nome dado aos homens pelo qual possamos ser salvos” (vv. 8-12).

Pedro, “cheio do Espírito Santo” (cf. 2,4; 6,3.5; 9,17; 13,9; Lc 1,41.67; 2,25-27; 11,11-12; 21,15), declara solenemente: “Estamos sendo interrogados por termos feito o bem…” (cf. 10,38). “É pelo nome de Jesus, de Nazaré, que este homem está curado” (v. 10). Mas não só! Jesus será a salvação de todos os homens. “Em nenhum outro há salvação, pois não existe do céu outro nome dado aos homens pelo qual possamos ser salvos” (v. 12)

Como o nome de um morto pode ter tanto poder?  Assim os saduceus devem se perguntar e reconhecer que Jesus está vivo. Pedro interpreta o Sl 118,22: “Jesus é a pedra que vós construtores desprezaram e que se tornou a pedra angular.” (v. 11; Lc 22,17). O novo templo não será mais administrado pelos saduceus, o novo templo é o Cristo ressuscitado e sua comunidade inspirada (Mc 14,58; 15,29; Jo 2,19-22; 1Cor 3,16-17; 6,19). O poder do Espírito que ressuscitou Jesus dos mortos, enche a Igreja e a pessoa do apóstolo, age com poder no mundo, elevando-o de suas misérias e doenças para um patamar de liberdade e santidade.

2ª Leitura: 1Jo 3,1-2

Ao autor da primeira carta de João preocupam os critérios para discernir: “nisto conhecemos,… sabemos que,… consta-nos,…”. Como um cristão autêntico é reconhecido? Ele cumpre os mandamentos (2,3-5; 3,24), não peca, mas pratica a justiça (2,29; 3,10), ama o irmão (3,10.19; 4,6.7.9.12), confessa Jesus como Messias/Cristo (4,2) e possui o Espírito (2,27; 4,13). Como Deus é justo (1, 9; 3,7), quem pratica justiça “nasceu dele”, então é filho dele. V. 29 introduz o próximo capítulo sobre os “filhos de Deus” e os “filhos do diabo” (3,1-10); esse dualismo (contraposição) é típico dos escritos joaninos (cf. luz e trevas, Deus e o mundo, Cristo e Anticristo, verdade e mentira etc.).

Vede que grande presente de amor o Pai nos deu: de sermos chamados filhos de Deus! E nós o somos! Se o mundo não nos conhece, é porque não conheceu o Pai (3,1).

Para os primeiros cristãos, a fé em Cristo era uma coisa tal nova e transformadora igual a uma nova criação (cf. 2Cor 5,17) ou uma geração pelo próprio Deus (Jo 1,12-13; 3,6). Esta filiação é dom, “grande presente de amor”.

No projeto inicial da criação (Gn 1,28), a fecundidade é fruto do amor conjugal, assim a nossa filiação brota do “amor” de Deus (3,1). O mundo é incapaz de descobrir, em Deus, o Pai que em seu Filho nos revela seu “amor” (4,8-9), tampouco pode conhecer os cristãos na sua condição de filhos de Deus (cf. Jo 15,21; 16,3; 17,25).

No AT, Deus é Pai do povo inteiro e do rei que o representa (cf. Ex 4,23; Sl 2,7). No NT, paternidade/filiação é uma revelação central (Jo 1,12; Rm 8,14-17): o filho se assemelha naturalmente a seu pai (Gn 5,3) e pode também parecer quando imita sua conduta.

Caríssimos, desde já somos filhos de Deus, mas nem sequer se manifestou o que seremos! Sabemos que, quando Jesus se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque o veremos tal como ele é (3,2).

Em v. 2 temos a tensão escatológica, ou seja, entre “já é” e “ainda não”, “o que será”. Na segunda vinda (manifestação, parusia) de Cristo, o olhar (a visão) nos transformará (cf. Sl 34,6): “o veremos tal como ele é” (na sua natureza verdadeira e divina).


Evangelho: Jo 10,11-18

No evangelho de Jo, Jesus faz várias auto-declarações em que se apresenta como doador de vida com as palavras: “Eu sou…”. Depois de “Eu sou o pão da vida” (que desceu do céu; cf. 6,35.41.48.51), “Eu sou a luz do mundo” (8,12) e “Eu sou a porta” (10,7.9), mais uma que é lido neste Domingo do Bom Pastor, dia mundial de oração pela vocações.

A origem desta auto-representação está no costume antigo de enviar mensageiros para se poder comunicar com outras pessoas à distância (cf. o anjo Rafael em Tb 5,11-13; 12,15). O mensageiro enviado apresenta a si mesmo ao destinatário. Este costume se aplica aos anjos, mensageiros de Deus e ao próprio Deus Javé (Gn 15,1; Gn 28,13; 35,11; 46,3; Ex 3,6.13s; 6,2; 20,1 etc.). “Eu sou” é o nome divino revelado a Moises (Ex 3,14: Javé, na tradução grega: “Eu sou aquele que sou”). Em Jo se aplica também a Jesus, porque nele Deus se faz definitivamente presente (cf. Jo 8,28.58; 13,19 e também 6,35; 18,5.8). Para Jo, Jesus é o mensageiro (“enviado”) de Deus porque representa a Palavra de Deus em pessoa (o verbo que se fez carne, cf. 1,1.14) e ele traz a plenitude da vida (“abundância”, em 10,10).

Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá a vida por suas ovelhas (v. 11).

No Oriente Antigo e no AT (Antigo Testamento), “pastor” é metáfora tradicional (v. 6 o chama “parábola”, termo que inclui também a comparação), foi aplicada a chefes, ao rei, ao messias, ao próprio Deus (cf. Sl 23; 80; 95,7). Tem seu antecessor ilustre na pessoa de Davi, o rei pastor (Sl 78,70-72; 1Sm 16); os profetas o empregam criticando também os maus pastores (Is 40,11; 44,28; Jr 23,1-4; Ez 34; Zc 11). Em Jr 3,15 e 23,4-8, Deus prometeu que daria “pastores segundo o seu coração” e um messias (rebento de Davi) que salvaria seu povo e o reconduziria do todos os países à sua pátria. Em Ez 34,11ss, Deus mesmo seria o pastor do seu povo, mas também daria um novo Davi como pastor (Ez 34,22s).

Designando a si mesmo “bom pastor”, Jesus toma o título real, messiânico, divino e o desenvolve no discurso em três variações: o pastor e os ladrões (vv. 1-6), a porta do redil (vv. 7-10), o dono e o assalariado (vv. 11-18). A novidade não é só que o bom pastor irá promover justiça e paz em vez de abandonar, explorar ou matar as ovelhas, mas que ele “dá a vida por suas ovelhas” (v. 11). É a “vida em plenitude” (v. 10), ou seja, a vida eterna que Jesus dá (3,16.36; 5,40; 6,33.35.48.51; 14,6; 20,31, em abundância, cf. 10,10; Ap 7,17; Mt 25,29p; Lc 6,38). A vida que ele dá, é também sua própria vida (vv. 16s).

O mercenário, que não é pastor e não é dono das ovelhas, vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge, e o lobo as ataca e dispersa. Pois ele é apenas um mercenário e não se importa com as ovelhas (vv. 12-13).

Quem dará sua vida pelos pecados do povo, é o “servo de Deus” na profecia de Is 52,13-53,12, mas o servo Jesus (cf. At 3,13; 4,27.30; 8,32-35; Mt 8,17; 26,28; Jo 1,29; etc.) também é o “dono”. Ladrões e lobo são os inimigos do rebanho que o pastor o defende com seu bastão e seu cachorro (cf. Ez 34,8; Sl 23,4; Mt 10,6.16p). Na hora do perigo, o empregado abandona (cf. Jr 23,1s; Zc 11,17) para salvar sua vida.

Eu sou o bom pastor. Conheço as minhas ovelhas, e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas (vv. 14-15).

As ovelhas conhecem a voz do bom pastor e o seguem (vv. 3-5;27). Na Bíblia, “conhecer” não é só um ato racional, mas é experimentar e estar presente (vv. 14s; cf. 14,17.20; 17,3.21s; 2Jo 1s; Deus conhece seu povo, cf. Ex 3,7.14; Sl 139). Tal conhecimento passa a ser “amor” (15,9; cf. cf. Os 6,6; Gn 4,1.17.25 etc.; Lc 1,34; 1Jo 1,3). Conhecer da parte de Deus e de Jesus é também “eleição” (cf. 15,15s; Rm 8,29s; 1Cor 8,2s; 13,12; Gl 4,9). Só o Filho conhece o Pai e nos dá a conhecê-lo (1,18; 3,11; 17,6; cf. Mt 11,25-27p).

Tenho ainda outras ovelhas que não são deste redil: também a elas devo conduzir, escutarão a minha voz, e haverá um só rebanho e um só pastor (v. 16).

As “outras ovelhas” são os pagãos (outros povos) que não serão excluídos. Jesus morrerá também por eles (cf. 11,52). Esta inclusão não conduzirá os pagãos para dentro do redil judaico (cf. Ez 37,21s; Mi 2,12; Jr 23,3; 31,10), mas junta ambos associando judeus e pagãos, formando um só rebanho (cf. Ef 2,11-21 na metáfora da construção).  Pedro terá este ministério da unidade na rede da Igreja (cf. o anexo da redação eclesial: Jo 21,11.15-18: Cuida das minha ovelhas). O desejo de união ecumênica se expressa também em 17,20-23 (cf. Ef 4,4).

Por esta tendência à unidade, uns peritos consideram este discurso escrito pela redação final (“eclesial”) que acrescentou os caps. 15-17 (cf. “permanecer” e não se separar em 15,1-8) e o cap. 21 destacando Pedro com pastor legítimo da Igreja (apesar do seu fracasso na paixão, é chamado novamente em 21,15-17 três vezes: “Cuida das minhas ovelhas”). A comunidade fundada e orientada pelo “discípulo amado” (ele está na origem deste evangelho, cf. 21,20-24; chamado João pela tradição) viveu inicialmente isolada (talvez na Transjordânia) e hostilizada pelos fariseus que queriam dominar o rebanho/povo (cf. 9,22; 12,42; 16,2), mas depois tinha que migrar (talvez a Éfeso) e se integrar na Igreja de Pedro (dar preferência; cf. a corrida em 20,3-10), manter a união em vez de se dispersar e separar (cf. 1Jo 2,19).

É por isso que o Pai me ama, porque dou a minha vida, para depois recebê-la novamente.  Ninguém tira a minha vida, eu a dou por mim mesmo; tenho poder de entregá-la e tenho poder de recebê-la novamente; esta é a ordem que recebi do meu Pai” (vv. 17-18).

O Pai ama o filho e deu tudo na mão dele (3,35), porque é obediente e faz a vontade dele (8,29). Esta obediência inclui a doação da própria vida, mas esta morte leva à ressurreição e elevação a sua direita (cf. Fl 2,5-11; Is 52,13-53,12).

O Filho tem a vida dentro de si (3,35s; 5,26). Ninguém a tira dele (7,30.44; 8,20; 10,39). Jesus dá sua vida livremente (10,18; 14,30; 19,11), por isso, no quarto evangelho, ele é soberano também na paixão e na morte (12,27; 13,1-3; 17,19; 18,4-6; 19,28). Portanto, a morte de Jesus não é acidente nem derrota, mas ação livre cumprindo a ordem (missão) recebida do Pai.

O site da CNBB resume: Deus afirmou, através do Profeta Jeremias, que ele daria ao seu povo pastores segundo o seu coração e, mais tarde, pela boca do Profeta Ezequiel, que ele mesmo seria o pastor do seu povo. O Evangelho de hoje nos mostra que Deus está cumprindo a sua promessa, pois o Filho, segunda Pessoa da Santíssima Trindade, é quem afirma: “Eu sou o bom pastor”. É o próprio Deus que se coloca a serviço das pessoas com a finalidade de reuni-las num único rebanho. E hoje a Igreja, o Corpo Místico de Cristo, é a continuadora da obra do Pastor, de modo que nela o ser humano é convidado a participar da divina missão do pastoreio.

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