25 de Agosto de 2020, Terça-feira: Guias cegos! Vós filtrais o mosquito, mas engolis o camelo (v. 24).

21ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: 2Ts 2,1-3a.14-17

A segunda carta aos Tessalonicenses corrige algumas expectativas exageradas naquela comunidade a respeito da parusia (segunda volta de Cristo no fim dos tempos) que a primeira carta poderia ter provocada. Por isso, alguns peritos pensam num discípulo do apóstolo como autor desta carta usando o nome de Paulo para mostrar sua fidelidade ao mestre (pseudepigrafia).

No que se refere à vinda de nosso Senhor Jesus Cristo e à nossa união com ele, nós vos pedimos, irmãos: não deixeis tão facilmente transtornar a vossa cabeça, nem vos alarmeis por causa de alguma revelação, ou carta atribuída a nós, afirmando que o Dia do Senhor está próximo. Que ninguém vos engane de modo algum (vv. 1-3a).

A parusia (a “vinda de nosso Senhor Jesus Cristo” no final dos tempos) já foi descrita na primeira carta (1Ts 4,13-5,11). Não se previa a data exata da Vinda, mas sublinhou sua proximidade: “O dia do Senhor virá como um ladrão noturno” (cf. Mt 24,43p); é preciso vigiar porque o tempo é breve (1Cor 7,26-31; 2Cor 6,2). O próprio Paulo ainda pensava na possibilidade de estar vivo quando acontecer esta vinda do Senhor (cf. 1Ts 4,15; 1Cor 15,51s). Sua vinda é nossa “(re)união” com ele: encontro desejável e libertador (cf. 1Ts 4,17).

“Alguma revelação, ou carta atribuída a nós”; pode-se ligar esta última expressão aos três termos em v. 2: “revelação”, “carta”, “afirmação”. Nossa liturgia a relacionam apenas ao termo “carta” e aí veem então a possibilidade de uma alusão a uma carta falsa. O apóstolo Paulo provavelmente deixou entrever a possibilidade da vinda próxima do Senhor, tanto nas suas instruções orais como nas suas cartas (cf. 1Ts 2,19; 3,13; 4,15-17; 5,4; 1Cor 7,29-31; 15,51s). Mais tarde os tessalonicenses acreditam que já viviam este período privilegiado da história da salvação (cf. 2Cor 6,2: “Eis agora o dia da salvação”).

Pelo aumento de dificuldades e perseguições, uma onda de boatos deve ter se espalhados, anunciando que estava próxima a vinda gloriosa de Jesus. Isso causou confusão e espanto, como as notícias que volta e meia anunciam o fim do mundo. O autor da carta desmente tais boatos: “O Dia do Senhor está próximo”; outros traduzem o perfeito grego com valor de presente, “já chegou, já está aqui”. Mc 13,7p também convida os cristãos a não se deixar “enganar” e atemorizar. Esta recomendação parece própria dos apocalipses.

Na escatologia (doutrina sobre as últimas coisas, pós-morte, fim do mundo, juízo final etc.), muitas vezes temos a tensão entre “já” e “ainda não”. O reino de Deus “já” chegou com Jesus (cf. Mc 1,15), mas “ainda não” se realizou em plenitude: o mal no mundo será vencido somente “no último dia”, ou seja, na parusia (volta triunfal de Cristo, cf. Mc 13p; Ap). Também no quarto evangelho temos a escatologia presente que parece ter sido corrigida por uma redação posterior para evitar o mesmo mal-entendido (cf. Jo 5,24s.28s).

Respondendo, certamente, a novas questões, a segunda carta retoma aqui a questão do destino dos vivos e dos mortos (cf. 1Ts 4,13-17; 1Cor 15). Ela se limita a precisar que a vinda do Senhor não é iminente e será precedida por sinais reconhecíveis (cf. vv. 3b-12, omitidos pela nossa liturgia): antes deste dia do Senhor acontecer, surgirá “a apostasia, o homem da impiedade, o filho da perdição, o adversário” (vv. 3b-4). Não sabemos o significado destes termos apocalípticos; podem-se comparar ao rei perseguidor (Antíoco Epífanes IV em Dn 11,36), à besta-fera (o imperador romano que exige adoração em Ap 13), ao anticristo (cf. 1Jo 2,18.22; 4,2s).

Depois de afastar as ideias errôneas, o autor mostra as consequências práticas de sua concepção. A passagem é muito rica: o pensamento é trinitário (cf. 2Cor 13,13; cf. 1Ts 4,6-8): “Deus vos escolheu para serdes salvos mediante a santificação do Espírito e a fé na verdade” (v. 13).

Deus vos chamou para que, por meio do nosso evangelho, alcanceis a glória de nosso Senhor Jesus Cristo (v. 14).

A glória pertence exclusivamente ao Cristo ressuscitado, mas ele chama os fiéis a compartilhar desde agora, participando com ele da mesma vida, animada pelo Espírito Santo.

Assim, portanto, irmãos, ficai firmes e conservai firmemente as tradições que vos ensinamos, de viva voz ou por carta (v. 15).

Para resistir as seduções e tribulações, é preciso manter se firme na fé e conservar “as tradições” orais (“viva voz”) ou epistolares (“por carta”). O significado da palavra “tradição” é menos preciso que o nosso termo técnico. As tradições são as verdades concernentes à fé cristã, recebidas da Igreja primitiva e depois ensinadas às várias comunidades. Pode-se pensar na primeira carta do apóstolo aos Tessalonicenses, mas também em outras cartas que Paulo teria o ensejo de fazer chegar aos tessalonicenses. Tampouco se pode excluir a própria 2Ts.

A Bíblia de Jerusalém (p. 2224) comenta: As tradições ensinadas por Paulo durante a sua estadia, ou por escrito, depois de sua partida (cf. 2,2.5; 3,6; 1Ts 3,4; 4,2.6; 5,27), contêm a mensagem evangélica (cf. 1Ts 2,13) e os princípios fundamentais da vida cristã (cf. 1Ts 4,1; 1Cor 11,2.23-25).

Nosso Senhor Jesus Cristo e Deus, nosso Pai, que nos amou em sua graça e nos proporcionou uma consolação eterna e feliz esperança, animem os vossos corações e vos confirmem em toda a boa ação e palavra (vv. 16-17).

“Consolo eterna” é uma expressão estranha. Se o consolo é eficaz, deve cessar depois de alcançar seu objetivo. Deve referir-se ao efeito, “consolo definitivo” (um dos significados do adjetivo grego e semítico), vinculado à “esperança”. Aqui aparece esta virtude teologal que antes foi substituída pela perseverança (1,3s).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1452) comenta: Após deixar os injustos e mentirosos entregues à sua própria condenação, a carta se volta aos irmãos amados do Senhor (vv. 13.15), em tom de orações e ações de graças (1Ts 1,4-5; 3,11-13). Modelo da comunidade é a Trindade, presente em Deus nosso Pai (v. 16), em nosso Senhor Jesus Cristo (vv. 14.16) e no Espírito da santidade (v. 13). Também estão presentes as virtudes da fé na verdade (v. 13), da esperança pela graça (v. 16) e de tudo o que se faz e se diz vista do bem (v. 17). Nesse clima de evangelho, a comunidade não precisa temer o julgamento de Deus, mas sim agradecer e confiar, porque está no caminho da salvação.  

Evangelho: Mt 23,23-26

Continuamos ouvindo o discurso de Jesus sobre os fariseus e mestres da lei, mas dirigido “às multidões e seus discípulos” (v. 1). A parte central contém sete lamentações introduzidas com “ai de vós”. Ontem ouvimos três (vv. 16-22), hoje a quarta e quinta. Os “ais” não expressam tanto uma maldição, mas uma dor profunda ou uma indignação que chega às raias da ameaça profética (cf. 11,21; 18,7; 24,19; 26,24).

Ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós pagais o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, e deixais de lado os ensinamentos mais importantes da Lei, como a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vós deveríeis praticar isto, sem contudo deixar aquilo (v. 23).

O quarto “ai” é contra a inversão dos valores. O que é mais importante na Lei? A lei só prescreve o dízimo do azeite, vinho, trigo que depois foi aplicado à colheita toda (Nm 18,11-13; Dt 14,22-23; Lv 27,30) e, por um exagero dos rabinos, estendido às plantas mais insignificantes. Será que o dízimo de ervas e temperos seja mais importante do que “a justiça, a misericórdia e a fidelidade” (seria melhor traduzir “fidelidade” por “fé”, porque a palavra grega em Mt sempre se refere a fé em Deus; cf. Jr 5,1; Rm 3,3; Gl 5,22)? Os fariseus e doutores da lei, porém, em nome de coisas pequenas sacrificam o importante também exigido pela lei e pelos profetas. Não é preciso esforçar-se para ver aqui a descrição de um tipo humano, presente também em nossas igrejas atuais, não apenas entre os fariseus de então.

Como em 7,12 e 22,40 temos aqui certo resumo da lei. Todas as outras leis devem ser medidas por estes três critérios da ética: justiça, misericórdia e fé/fidelidade (cf. Zc 7,9; Is 1,17; Jr 22,3; Am 5,24; Mq 6,8; Pr 21,21). Podemos supor que a comunidade de Mt ainda estava sob certa jurisdição judaica. O Cristo em Mt já citou duas vezes (9,13; 12,7) a frase de Os 6,6 em que a misericórdia é destacada como um dos valores supremos (e será o critério decisivo no juízo final em 25,31-46). Com a regra sapiencial de “fazer isso sem deixar aquilo” (cf. Ecl 7,18), Mt deixa claro que não é contra o dízimo, ao contrário, mas o dízimo deve ser expressão de  justiça, misericórdia e fé (fidelidade) e não ser colocado acima destes valores.

Guias cegos! Vós filtrais o mosquito, mas engolis o camelo (v. 24).

Uma sentença proverbial ironiza esta atitude de se deter só com coisas insignificantes e não discernir e perceber as coisas grandes e importantes. O mosquito era considerado como criatura minúscula (cf. a semente de mostarda entre as plantas em 13,31s; cf. o tamanho do camelo na comparação de 19,24p). Na lei da pureza, toda criatura pequena que se move no chão é abominável e não podia ser comida. Por isso filtravam-se as bebidas para tirar os mosquitos. Mas aqui se trata de uma metáfora (cf. 7,5: o cisco e a trave no olho) para caracterizar os fariseus e letrados como “guias cegos” (cf. vv. 16.26; 15,14).

Aí de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós limpais o copo e o prato por fora, mas, por dentro, estais cheios de roubo e cobiça. Fariseu cego! Limpa primeiro o copo por dentro, para que também por fora fique limpo (vv. 25-26).

O quinto “ai” refere-se a prescrições de pureza (Lv 6,21; 11,33; Mt 15,11p), das quais passam  metaforicamente a pureza interior. Também aqui identificamos um tipo humano que só preza a aparência exterior e não o ser interior. A advertência ao fariseu cego significa que ele afaste o mal do seu coração (“por dentro”) e da sua vida. “Roubo e cobiça por dentro” são acusações fortes e combinam de certo modo com a situação de uma refeição farta (“o copo e o prato por fora”).

Estas acusações contra os fariseus vêm da situação específica da comunidade judeu-cristã na época de Mt (cerca de 80-85 d.C.), mas nos convidam para uma autocrítica (em v. 1 Jesus fala aos discípulos). A hipocrisia pode se encontrar também nos irmãos (cf. 7,5). Valorizar mais a aparência (por fora) do que a essência (por dentro) é uma tentação para pessoas e para a instituição da própria Igreja.

O site da CNBB comenta: O Evangelho de hoje é a continuação do de ontem, de modo que a nossa reflexão também é uma continuidade da de ontem. Um dos meios através dos quais tornamos a nossa religião superficial e unilateral é o formalismo religioso, que faz com que sejamos capazes de cumprir até mesmo os menores preceitos, mas tiram da nossa vida o mais importante que são os ensinamentos fundamentais para a nossa vida como a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Ser verdadeiramente cristão significa ser capaz de viver os valores do Reino e não simplesmente o cumprimento de rituais e a capacidade de falar coisas bonitas e poéticas a respeito de Deus.

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