25 de Janeiro de 2021, Segunda-feira – Festa da Conversão de São Paulo: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura! Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado (vv. 15-16).

Festa da Conversão de São Paulo 

Leitura: At 22,3-16

A conversão de são Paulo foi um evento tal importante para Igreja que mereceu uma festa própria no calendário litúrgico. Na própria Bíblia, o evangelista Lucas narrou três vezes a mesma história no seu segundo volume, nos Atos dos Apóstolos: Na primeira vez, é o narrador que conta a conversão (9,1-18), na segunda (22,1-21) e terceira vez (26,1-23) ouvimos dela num discurso de Paulo, cada um adaptado a seus ouvintes.

Em nossa leitura, Paulo se dirige aos judeus em Jerusalém que queriam matá-lo quando estava o templo. O tribuno romano o tinha recolhido na fortaleza Antônia ao lado Templo e deu permissão para Paulo falar nos degraus a sua defesa à multidão enfurecida (cf. 21,27-40).

(Naqueles dias, Paulo disse ao povo): Eu sou judeu, nascido em Tarso da Cilícia, mas fui criado aqui nesta cidade. Como discípulo de Gamaliel, fui instruído em todo o rigor da Lei de nossos antepassados, tornando-me zeloso da causa de Deus, como acontece hoje convosco (v. 3).

Paulo apresenta-se como “judeu, nascido em Tarso da Cilícia” (na atual Turquia), pertence então aos judeus helenistas (cf. 6,1) que nasciam fora de Israel e aprendiam a cultura e língua grega (a mais difundida da época na qual escreve suas cartas). Além disso, Paulo ainda era cidadão romano (22,25-29), um privilégio que só os habitantes de Roma obtinham ou outras pessoas por mérito. Paulo o tinha herdado do seu pai que talvez tivesse fabricado tendas para o exército romano (cf. 18,3). Com a religião judaica, a cultura grega e a cidadania romana, Paulo tornar-se-á a pessoa mais preparada para evangelizar no Império Romano.

Os pais deram lhe o nome do primeiro rei de Israel, “Saul(o)” (v. 7. cf. 9,4; 26,14), porque a família era da tribo de Benjamim (cf. Rm 11,1; Fl 3,5), a mesma do rei Saul (cf. 13,21; depois esta tribo se misturou com a tribo de Judá). Acrescentou-se ao nome hebraico (Saulo) um apelido greco-romano (“Paulo”, significa “pequeno”, talvez devido à estatura baixa), não só depois da conversão, mas era costume da época ter dois nomes assim (cf. Tomé – Dídimo em Jo 11,16; 20,24; 21,2; etc.).

Paulo diz que foi “criado aqui nesta cidade” (v. 3) referindo-se à educação superior que buscava em Jerusalém. Ele não conheceu Jesus pessoalmente e deve ter chegado a Jerusalém depois da morte dele. Saulo-Paulo era aluno (“discípulo”) do mestre Gamaliel (cf. 5,34-39), “instruído em todo rigor da lei dos nossos antepassados”.  Afiliou-se aos fariseus, a “seita mais severa da nossa religião” (26,5; cf. Fl 3,5), tornando-se “zeloso da causa de Deus como acontece hoje convosco” (cf. Rm 10,2; Gl 1,13-14; Fl 3,6; Jo 2,17). Este zelo, porém, levou-o ao fanatismo e à violência contra os cristãos.

Persegui até à morte os que seguiam este Caminho, prendendo homens e mulheres e jogando-os na prisão. Disso são minhas testemunhas o Sumo Sacerdote e todo o conselho dos anciãos. Eles deram-me cartas de recomendação para os irmãos de Damasco. Fui para lá, a fim de prender todos os que encontrasse e trazê-los para Jerusalém, a fim de serem castigados (vv. 4-5).

Em Jerusalém, os discípulos de Jesus não eram chamados de “cristãos” (só em Antioquia, cf. 11,26), mas de “nazarenos” (ou nazareus, 24,5); eles se autodenominavam “o Caminho” (cf. 9,2). Caminho designa a conduta de um indivíduo ou de uma comunidade (cf. Sl 119,1), aqui a comunidade em conformidade com Cristo (cf. 9,2; 18,25-26; 19,9.23; 24,14.22; Jo 14,6; Mt 7,13-14; 22,16; 1Cor 4,17; 12,31; Hb 9,8; 10,19-22; 2Pd 2,2). Saulo-Paulo perseguia este Caminho, aprovou e testemunhou o apedrejamento do primeiro mártir cristão, o diácono Estevão (cf. 7,58; 8,1; 22,10; 26,10) e depois, “prendendo homens e mulheres e jogando-os a prisão” (v. 4b), “devastava a Igreja” (8,3; cf. 22,19; 26,10-11; Gl 1,23; 1 Cor 15,9; Fl 3,6; 1Tm 1,13).

Queria perseguir cristãos ainda em outras cidades, por onde se espalhava o evangelho (cf. 8,1.4s.40; 9,2.20, 11,19). Com cartas de recomendação do “sumo sacerdotes e todo conselho dos anciãos” (o sinédrio, tribunal superior dos judeus), viajou a Damasco, capital da Síria.

Ora, aconteceu que, na viagem, estando já perto de Damasco, pelo meio dia, de repente uma grande luz que vinha do céu brilhou ao redor de mim. Caí por terra e ouvi uma voz que me dizia: “Saulo, Saulo, por que me persegues?” (vv. 6-7).

No caminho, caiu por terra (cf. 2Mc 3,27-28; a Bíblia não diz que caiu “do cavalo” como mostram imagens artísticas), porque viu “de repente uma grande luz” (v. 7; cf. Is 9,1, Lc 2,9), “vindo do céu e mais brilhante que o sol” (26,13), e ouviu uma voz (“em hebraico”, 26,14): “Saulo, Saulo, porque me persegues?” (v. 7).

Eu perguntei: “Quem és tu, Senhor?” Ele me respondeu: “Eu sou Jesus, o Nazareno, a quem tu estás perseguindo”. Meus companheiros viram a luz, mas não ouviram a voz que me falava (vv. 8-9).

Perguntando “Quem és tu, Senhor?”, Paulo reconhece a origem divina da aparição (Lc chama Jesus de Senhor desde o início, cf. Lc 1,43; 7,13; 10,1.39.41; 11,39; … At 2,36; Fl 2,11). Jesus identifica-se com os cristãos perseguidos: “Eu sou Jesus, o nazareno, a quem tu estás perseguindo “ (v. 8). Tudo o que se faz aos discípulos por causa do nome de Jesus, é ao próprio Jesus que se faz (cf. Mt 10,40; 25,40.45). No mundo semítico, os discípulos de Jesus ficavam conhecidos com o nome “nazarenos” (de Jesus de Nazaré; 24,5), enquanto no mundo greco-romano prevaleceu o nome “cristãos” (da palavra grega Cristo que traduz Messias; At 11,26).

Para Saulo-Paulo, esta revelação inverteu seu pensamento totalmente. Antes ele considerava Jesus um falso profeta, condenado pelo Tribunal Supremo da Lei (sinédrio), portanto, Jesus devia estar no inferno. No entanto, esta luz e esta voz vieram do céu, quer dizer, Jesus está no céu, não era um falso profeta, mas é o Senhor, o Cristo (=Messias), o Filho de Deus. Mais tarde, Paulo tirará suas conclusões: Não estamos salvos pela Lei, mas pela fé em Jesus Cristo (cf. Rm 3,21-26 etc.).

Há variações na descrição dos acompanhantes de Paulo: Em nossa leitura (22,9), “viram a luz, mas não ouviram a voz”; em 9,7, eles “ouvindo a voz, mas não vendo ninguém”, em 26,14 junto com Saulo, caem “todos por terra”.

Então perguntei: “Que devo fazer, Senhor?” O Senhor me respondeu: “Levanta-te e vai para Damasco. Ali te explicarão tudo o que deves fazer”. Como eu não podia enxergar, por causa do brilho daquela luz, cheguei a Damasco guiado pela mão dos meus companheiros (vv. 10-11).

Em nossa leitura, Paulo pergunta “O que devo fazer, Senhor?” (cf. 2,37; 16,30; Mc 10,17; Lc 10,25), a voz continua falando e manda Paulo ir a Damasco e esperar lá por mais explicações (v. 10; em 9,10-16 a voz silencia e se dirige a Ananias; em 26,16-18 já envia Paulo para missão). Então, Saulo-Paulo não podia mais enxergar e foi conduzido pela mão dos companheiros, cf. a narração da conversão do inimigo do Templo, Heliodor em 2Mc 3, que podia ter servido de modelo para toda esta narração nos At: envio com um propósito devastador, divina intervenção que faz cair por terra, conversão do inimigo em amigo.

Um certo Ananias, homem piedoso e fiel à Lei, com boa reputação junto de todos os judeus que aí moravam, veio encontrar-me e disse: “Saulo, meu irmão, recupera a vista!” No mesmo instante, recuperei a vista e pude vê-lo. Ele, então, me disse: “O Deus de nossos antepassados escolheu-te para conheceres a sua vontade, veres o Justo e ouvires a sua própria voz. Porque tu serás a sua testemunha diante de todos os homens, daquilo que viste e ouviste. E agora, o que estás esperando? Levanta-te, recebe o batismo e purifica-te dos teus pecados, invocando o nome dele!” (vv. 12-16).

No discurso de Paulo em nossa leitura, ele resume sua cura e seu batismo por Ananias sem mencionar a visão de Ananias (cf. 9,10-16). Diante dos judeus enfurecidos, não apresenta Ananias como cristão, mas como “homem piedoso e fiel à Lei com boa reputação de todos os judeus que aí moravam” (v. 12).

As palavras de Ananias bastam para Saulo recuperar a vista. Em nossa leitura, Ananias fala como um profeta do AT interpretando o acontecido e a futura missão de Paulo: “O Deus dos nossos antepassados escolheu-te para conheceres sua vontade, veres o Justo (3,14; 7,52; Lc 23,47; cf. Mt 27,19; 1Pd 3,18; Is 53,11) e ouvires sua voz. Porque tu serás a sua testemunha diante de todos os homens …” (vv. 14-16).

Paulo deve ser testemunha diante de todos os homens, sem especificar ainda “diante dos gentios” (v. 21). Esta sua missão aos pagãos (gentios), o próprio Senhor revelará a Paulo numa visão no templo (três anos depois, cf. 9,23; Gl 1,17-18) narrada no mesmo discurso em seguida (vv. 17-21; cf. 26,16-18 já em Damasco), mas omitida na leitura de hoje.

Apesar deste envio, os Atos nunca chamam Paulo de apóstolo (com exceção de 14,4.14 junto com Barnabé). “Apóstolo” significa “enviado”. Paulo faz questão de se apresentar com este título em quase todas as suas cartas (Rm 1,1; 1Cor 1,1, 2Cor 1,1; Gl 1,1 etc.; cf. 1Cor 9,1; 2Cor 11-12), mas Lc reserva este título somente aos Doze (cf. At 1,15-26). Lc escreveu os At por volta de 85 d.C. quando era necessário manter distância de “falsos apóstolos” que não acompanhavam Jesus e ensinavam doutrinas diferentes (cf. 20,29-30; 2Cor 11,4-5; etc.). Para garantir a autenticidade do seu Evangelho (e dos Atos), Lc reserva este título somente aos Doze que “desde o princípio foram testemunhas oculares” (Lc 1,2) do tempo do batismo de Jesus até sua ascensão ao céu (At 1,21-22). Para Lc, Paulo é instrumento e testemunha escolhida da igreja primitiva para levar o evangelho até Roma de onde se difundirá “até os confins da terra” (At 1,8; cf. 23,11; 26,16-17; 28,23). A Igreja seguiu Lc em chamar só o colégio dos Doze de “apóstolos”, mas com duas exceção (cf. At 14,4.14): Paulo é o grande apóstolo ao lado de Pedro com quem sofreu o martírio na mesma cidade de Roma. Na liturgia do dia 11 de junho, Barnabé também recebe o título de apóstolo. Os que seguem depois são chamados de “bispos” como os discípulos de Paulo, Timóteo o Tito, cujo dia é amanhã. De cinco a cinco anos, os bispos de hoje são chamados a fazerem uma “visita ad límina”, ou seja, visitar os túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo em Roma (e na ocasião encontrar-se com o Papa atual).

Evangelho: Mc 16,15-18

Os evangelhos não mencionam o apóstolo Paulo porque ele só chegou depois, foi chamado só depois da ascensão de Jesus (cf. 1Cor 15,8), mas cada evangelho apresenta um envio dos apóstolos ao final. O final do Evangelho de Marcos (vv. 9-20) é um anexo posterior (como também é Jo 21). O estilo e o vocabulário são diferentes do resto do evangelho. O que motivou este anexo no século II foi o fim brusco do evangelho mais antigo em Mc 16,8: As mulheres fugiram do túmulo vazio e “não disseram nada a ninguém por medo”.

O leitor pergunta-se: Como, então, podemos saber da ressurreição de Jesus, se as mulheres não disseram nada da mensagem do anjo no túmulo (16,6-7)? O porquê deste final original é um enigma: Ou perdeu-se a última página do evangelho original, ou Mc queria provocar o leitor assim mesmo com a inversão do segredo messiânico (característico do seu evangelho; cf. 1,25.43-45; 5,41; 7,36s; 8,25; 9,9)? Depois da ressurreição é que se deve falar em vez de se calar (cf. 9,9).

Posteriormente se acrescentou um resumo das aparições de Jesus relatadas nos outros evangelhos (vv. 9-14) e as últimas palavras antes da ascensão (v. 19), hoje apresentadas.

(Naquele tempo, Jesus se manifestou aos onze discípulos), e disse-lhes: “Ide pelo mundo inteiro e anunciai o Evangelho a toda criatura! Quem crer e for batizado será salvo. Quem não crer será condenado (vv. 15-16).

O evangelho de hoje começa com o envio dos discípulos pelo mundo e a ordem de anunciar o evangelho a “toda criatura” (v. 15; cf. Mt 28,19-20; Mc 13,10; Cl 1,23). Uma frase própria salienta a importância do batismo (v. 16). A frase em Jo 3,4 (“Quem não nascer da água e do Espírito, não entrará no reino de Deus”) podia levar a conclusão de que todos os não-batizados não serão salvos. Stº. Agostinho pensava na existência de um limbus (antessala do céu onde ficam as crianças não-batizadas; ideia oficialmente abandonada por Bento XVI). Mas nossa leitura diz somente: “Quem não crer, será condenado” (v. 16b). Quem crer vai solicitar o batismo (para si e sua família, cf. At 16,15.30-33)  e “será salvo” (v. 16a). Nas perseguições, porém, havia catecúmenos (pessoas preparando-se para o batismo) que foram presos, torturados e mortos por crerem em Jesus antes se realizar seu batismo. Estes mártires foram salvos por sua fé, receberam o “batismo de sangue”. Mas o que dizer sobre tantas pessoas que receberam o batismo, mas perderam a fé (numa perseguição ou no cotidiano) ou não a praticam?

São Paulo sempre salientou a primazia da fé para salvação (cf. Rm 1,16-17; 3,21-36 etc.). O Concílio Vaticano II considerou também a salvação daqueles que não têm oportunidade de conhecer o Evangelho, mas vivem segundo sua consciência fazendo o bem: Aqueles, portanto, que sem culpa ignoram o Evangelho de Cristo e Sua Igreja, mas buscam a Deus com coração sincero e tentam, sob influxo da graça, cumprir por obras Sua vontade conhecida penas através do ditame da consciência, podem conseguir a salvação eterna (LG 16).

Os sinais que acompanharão aqueles que crerem serão estes: expulsarão demônios em meu nome, falarão novas línguas; se pegarem em serpentes ou beberem algum veneno mortal não lhes fará mal algum; quando impuserem as mãos sobre os doentes, eles ficarão curados” (vv. 17-18).

O evangelho de hoje ainda fala de “sinais que acompanharão aqueles que creem…” e que podemos encontrar todos na vida de são Paulo em At 14,8-10; 16,16-18; 19,11; 28,3-6; 2Cor 14,18-19. Parece que o autor desse texto anexado se inspirou no Atos dos Apóstolos.

Ainda hoje estes sinais são realizados pela Igreja como toda (não por cada membro individualmente, cf. 1Cor 12): “expulsar demônios”: ajudar nas perturbações psíquicas, superar fanatismos, ideias e ideologias nocivas através da palavra de Deus que faz bem (“sã doutrina”, cf. 1Tm 1,10; 6,3; 2Tm 1,12; 4,3; Tt 1,9.13; 2,1.8); “falar novas línguas”: já em Pentecostes (At 2,1-12; 10,44-47), na glossolalia de grupos carismáticos (cf. 1Cor 14), na divulgação do evangelho em tantas línguas do mundo e sua atualização na linguagem contemporânea (Concílio Vaticano II); “veneno mortal que não lhes farão mal … doentes curados”: cuidar dos doentes (a igreja inventou os hospitais), pesquisas científicas (veneno em dosagem menor para anestesia etc.).

O site da CNBB comenta: É comum ouvirmos pessoas rezarem pela conversão dos pecadores, mas é muito difícil vermos alguém rezar pela própria conversão. Isso acontece porque a maioria das pessoas acha que não precisa de conversão porque não comete aqueles pecados que possuem matéria mais grave e vive com certa constância uma religiosidade. Porém o Evangelho de hoje nos mostra que ser verdadeiramente cristão significa participar ativamente na obra evangelizadora da Igreja a partir do envio que foi feito pelo próprio Jesus. Portanto, só é verdadeiramente convertido quem participa da missão evangelizadora da Igreja.

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