25 de maio de 2018, sexta-feira: Irmãos, não vos queixeis uns dos outros, para que não sejais julgados. Eis que o juiz está às portas

Leitura: Tg 5,9-12

O autor da carta dirige-se novamente e repetidamente aos “irmãos” (vv. 7.9.10.12). Como no início da carta (cf. 1,2-4.12), fala de paciência (v. 7) e perseverança nas provações. A espera da “vinda (parusia) do Senhor” em v. 8 é o motivo decisivo da paciência cristã (1,2-4; 12; 1Ts 3,13; 1Pd 4,7; 5,10), comparada com a do lavrador (v. 7; cf. Mc 4,26-29).

Irmãos, não vos queixeis uns dos outros, para que não sejais julgados. Eis que o juiz está às portas (v. 9).

Exortando a paciência e a perseverança, o autor supõe que a “vinda do Senhor” esteja próxima e que será o tempo do julgamento final e definitivo. Era a crença das comunidades primitivas (cf. Mc 13,29p: “ele está próximo, às portas”; cf. Ap 3,20), mas contrariamente ao uso nas cartas de Paulo (cf. 1Cor 15,23; 1Ts 2,19; 3,13; 4,15; 5,23; 2Ts 2,1.8) e no resto do NT (Mt 24,3.27.37.39; 2Pd 1,16; 3,4; 1Jo 2,28), a parusia em Tg é antes a de Deus que a de Cristo (cf. 2Pd 3,12), pois o “Senhor” (vv. 8.10.11) e o “juiz” (v. 9) designa Deus como demonstra o contexto.

Neste particular, Tg se aproxima mais do ambiente judaico. A carta é escrita num momento ou num ambiente onde não se põe o problema do retardamento da parusia (como em Mt 25,5.19 ou 2Pd 3,8s), mas o horizonte escatológico é evocado com diversas expressões: “últimos dias” (5,3); “salvação” (1,12; 2,14); “coroa da vida” (1,12), “Reino” (2,5); o “juízo-julgamento” (2,12s; 5,12); “inferno” (3,6).

Irmãos, tomai por modelo de sofrimento e firmeza os profetas, que falaram em nome do Senhor. Reparai que consideramos como bem-aventurados os que perseveraram (vv. 10-11a).

O recurso ao “modelo de sofrimento e firmeza” dos profetas é conforme a tradição judaica que os considerava mártires (a “bem-aventurança” em Mt 5,12p; cf. Mt 23,29-31; At 7,52; Rm 11,3; 1Ts 2,15; Hb 11,36-38).

Ouvistes falar da perseverança de Jó e conheceis o êxito que o Senhor lhe deu – pois o Senhor é rico em misericórdia e compassivo (v. 11b).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (TEB, p. 2376) observa: Assaz curioso é que Tg proponha Jó e não Jesus mesmo como modelo de paciência (Hb 12,1-4), tanto mais que é a única menção de Jó em todo NT. Essa referência explica-se antes por tratar-se de um exemplo conhecido no judaísmo do que como aplicação cristã da paciência de Jó à paixão de Cristo.

O exemplo da “paciência de Jó” limita-se aos primeiros capítulos do livro e ao último. O “êxito” visado por Deus para Jó refere-se à benção final de Jó 42,10-17.

O Senhor é “rico em misericórdia e compassivo”, são atributos clássicos e litúrgicos de Deus (Ex 34,6; Sl 86,15; 103,8; 111,4; Jl 2,13).

Sobretudo, meus irmãos, não jureis, nem pelo céu, nem pela terra, nem por qualquer outro forma de juramento. Antes, que o vosso sim seja sim, e o vosso não, não. Então não estareis sujeitos a julgamento (v. 12).

Essa instrução sobre juramento parece- ser um anexo arbitrário (cf. o anexo em vv. 19s), mas faz parte desse gênero exortativo. Inspira-se numa tradução semelhante à do sermão da montanha (Mt 5,34-37) e tem precedentes no judaísmo (cf. Eclo 23,9-11; o sim e o não: 2Cor 1,17s).

 

Evangelho: Mc 10,1-12

Depois das instruções aos Doze sobre liderança (9,30-50), acompanhamos nos próximos dias palavras de Jesus sobre família (casamento), crianças e propriedade (10,1-31). No cap. 9 Jesus ainda estava na Galileia (9,30), mas desde o primeiro anúncio da paixão em Cesareia de Filipe (o lugar mais setentrional da sua trajetória), ele está indo ao sul, a Jerusalém, capital da Judeia, onde se cumprirá este anúncio (cf. 10,32-34).

Jesus foi para o território da Judéia, do outro lado do rio Jordão. As multidões se reuniram de novo, em torno de Jesus. E ele, como de costume, as ensinava (v. 1).

Os peregrinos judeus a Jerusalém costumam descer o leito do rio Jordão (evitando assim a Samaria, cf. Jo 4; Lc 9,51-55). Antes de entrar na Judeia, Jesus ainda passa na Pereia, o território no “outro lado do rio Jordão”. Para lá (na cidade de Pella), os cristãos da Judeia se refugiaram na época do evangelista durante a guerra Judaica (66-70 d.C.). Os próximos ensinamentos de Jesus são uma catequese familiar e vocacional (matrimônio, crianças, bens, seguimento). De novo, ele ensina multidões.

Alguns fariseus se aproximaram de Jesus. Para pô-lo à prova, perguntaram se era permitido ao homem divorciar-se de sua mulher (v. 2).

Alguns fariseus já não se aproximam mais com intenções boas ou neutras, mas “para pô-lo a prova” (cf. 8,11; 12,13; Mt 22,35), aqui perguntam sobre o divórcio, uma questão bastante discutida no judaísmo e ainda hoje entre nós (cf. os sínodos dos bispos em 2015 e 2016, resultando na exortação apostólica Amoris Laetitia de Papa Francisco). Na Lei de Moisés estava escrito: “Quando um homem se casa com uma mulher e consuma o matrimônio, se depois ele não gostar mais dela, por ter visto nela alguma coisa inconveniente, escreva para ela um documento de divórcio e o entregue a ela, deixando-a sair de casa em liberdade” (Dt 24,1). Poderia se discutir somente o aspecto jurídico: quais os motivos seriam suficientes (cf. Mt 19,3), ou seja, definir melhor o que seria “coisa inconveniente”. Apesar da norma de Dt 24,1, o profeta Malaquias reclamou da prática do divórcio (Ml 2,13s.16). Mas não se podia negar, que havia o direito de se divorciar, ao não ser que alguém se quisesse invalidar a Lei. Por isso, a pergunta dos fariseus é tentadora. Se Jesus negasse o direito do divórcio, estaria contra a Lei de Moisés!

Jesus perguntou: “O que Moisés vos ordenou?” Os fariseus responderam: “Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e despedi-la” (vv. 3-4).

Jesus, porém, não responde diretamente, mas pergunta: “O que Moisés vos ordenou?” Não pergunta, o que Moisés “permitiu”, mas o que a Lei mandou fazer em relacionamento ao mulher. Olhando para o conjunto do AT (Antigo Testamento) vemos a mulher como auxiliar dado por Deus ao homem (Gn 2,18; cf. Pr 18,24; 19,14; Eclo 36,29-31), mas também o homem deve auxiliar e cuidar da sua esposa (cf. Ex 21,7-11; Dt 20,7; 24,5; 1Sm 1,8); ele é responsável pela mulher (mesmo sem união legítima, cf. Ex 22,15; Dt 22,8-9.13-21.29; 21,10-14). A resposta correta à pergunta de Jesus poderia ser então: “Moisés nos mandou cuidar da mulher.” Mas os fariseus legistas só querem saber o que é permitido e respondem com Dt 24,1.

Jesus então disse: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento. No entanto, desde o começo da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Assim, já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe!” (vv. 5-9).

Jesus não nega a lei do divórcio (que visava também a proteção da mulher, uma demitida não deve ser considerada uma fugitiva), mas afirma: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu esse mandamento” (v. 5). Dureza do coração (cf. Dt 10,16; Jr 4,4; Eclo 16,10) no AT significa desobediência por causa do coração insensível aos preceitos divinos. Moisés concedeu o divórcio por causa do coração duro do homem, por seu estilo de vida insensível a respeito do que Deus queria em relação à mulher.

O que Deus queria mesmo, Jesus declara, referindo-se ao início da Lei de Moisés citando Gn 1,27 e 2,24: “Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, e os dois serão uma só carne”, e conclui com suas próprias palavras: “Portanto, eles já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não deve separar”.

Em casa, os discípulos fizeram, novamente, perguntas sobre o mesmo assunto (v. 10).

Como de costume em Mc, os discípulos precisam de um ensinamento privativo para aprofundar o assunto “em casa” (cf. 2,1.15; 3,20.31; 4,10; 9,33).

Jesus respondeu: “Quem se divorciar de sua mulher e casar com outra, cometerá adultério contra a primeira. E se a mulher se divorciar de seu marido e casar com outro, cometerá adultério” (vv. 11-12).

Jesus dá uma norma: “O homem que se divorciar de sua mulher e se casar com outra, cometerá adultério contra a primeira mulher”. Mas fora da Palestina, também a mulher pode se divorciar do esposo, por isso o evangelista acrescenta para seus leitores greco-romanos: “E se a mulher se divorciar do seu marido e se casar com outro homem, ela cometerá adultério” (v. 12).

Jesus nos comunica um princípio, a vontade original de Deus, mas não nos diz o que fazer em casos concretos e complicados. Nas comunidades dos primeiros cristãos já surgiram problemas e respostas para isso (cf. Mt 5,32; 19,9; 1Cor 7,12-16). Em Mc, a resposta de Jesus em v. 11 não é para todos, mas se dirige aos discípulos (v. 10). Perguntas atuais diante de tantos fracassos nos casamentos, p. ex.: o que fazer com aqueles que foram abandonados? Negar a comunhão (Eucaristia) a casais em segunda união ou abrir a possibilidade de um segundo casamento (Igreja Ortodoxa) ou ver a possibilidade de anulação do primeiro (Igreja Católica), tudo isso não se pode responder somente a partir de Mc, mas do conjunto do NT, da aplicação da Lei e também da prática da misericórdia em cada caso.

O site da CNBB comenta: A nossa vida é condicionada por leis que os homens fizeram, às quais nós devemos nos submeter para viver na legalidade. Porém, devemos ter consciência do fato de que, nem tudo o que é legal, é justo, no sentido pleno da palavra. Podemos citar alguns exemplos como a questão dos juros: é legal para o banco pagar menos de 1% ao mês para cadernetas de poupança e cobrar mais de 10% ao mês por empréstimos que realiza. É legal na sociedade brasileira o divórcio que, perante os olhos de Deus, não conduz o homem à justiça, mas sim ao pecado e à morte, pois desrespeita compromissos e direitos de cônjuges, filhos, da comunidade eclesial e da própria sociedade.

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