25 de Março de 2019, Segunda-feira: Solenidade da Anunciação do Senhor

A data da festa da Anunciação do Senhor é 25 de março, nove meses antes de Natal, mas quando cai na Semana Santa , é transferida para segunda-feira após a Oitava da Páscoa.

1ª leitura: Is 7,10-14; 8,10

A 1ª leitura diz respeito à concepção virginal do messias, anunciado por Isaias, precisamente na sua tradução grega. Vejamos o contexto.

Esta leitura da profecia de Isaías faz parte do chamado “Livro de Emanuel” que são os capítulos 7-12, uma composição regida por vários princípios. Os materiais pertencem à guerra de Damasco e Israel (menos 9,7-10,4, que pertencem à etapa de Senaquerib). São princípios de organização: a) os sinais; b) alternância invasão-libertação; c) os nomes próprios: além de “Emanuel”, os dois filhos do profeta, “Pronto Saqueio” (8,1-4) e “Um Resto Voltará” (7,3; cf. 4,3; 10,20-23).

Sinal central e nome emblemático é o menino chamado “Emanuel” = “Deus conosco” (8,10; Mt 1,23). É enunciado em 7,14s e compreende quatro motivos repetidos no conjunto em ordem inversa: nascimento (9,5); nome (8,10); dieta (7,22); uso da razão (7,16). O tema central deste capítulo é: a dinastia davídica está ameaçada; da parte de Deus, está garantida pela promessa (2 Sm 7); da parte do monarca e do povo, o princípio de subsistência é a fé (7,9).

Era durante a guerra siro-efraimita em 736-735 a.C. (cf. 2Rs 16; 2Cr 28). O Reino do Norte (Efraim; capital: Samaria), cujo rei era Facéia, se aliou a Rason, rei de Aram (capital: Damasco), numa tentativa de se libertar do perigo assírio. Como o Reino do Sul (Judá; capital: Jerusalém) não participou da coalizão entre o Reino do Norte e Aram, estes dois temiam que Judá se tornasse aliado da Assíria. Resolveram atacar o Reino do Sul para destronar a dinastia davídica com seu rei Acaz e colocar no seu lugar o filho de Tabeel, rei de Tiro (7,1-2.4-6).

Acaz teme o cerco e verifica a reserva de água da cidade de Jerusalém (v. 3). O profeta Isaías vai a seu encontro e o tranquiliza, mostrando que não haverá perigo (vv. 7-9), pois continua válida a promessa de que a dinastia de Davi será perene, desde que se coloque total confiança (fé) no Senhor Javé que fala através do profeta: “Quem não crê, não sobrevive” (v. 9).

O Senhor falou com Acaz, dizendo: ”Pede ao Senhor teu Deus que te faça ver um sinal, quer provenha da profundeza da terra, quer venha das alturas do céu”. Mas Acaz respondeu: ”Não pedirei nem tentarei o Senhor” (7,10-12).

Em Is, um “sinal” (vv. 11.14) não é necessariamente um milagre, mas sempre um fato que o interlocutor pode ter sobre os olhos imediatamente ou pouco depois e que deve ajudá-lo a esperar um acontecimento mais longínquo no tempo (cf. 8,18; 20; 37,30; 38,7-8). A oposição entre as “profundezas da terra” e as “alturas do céu” sublinha o caráter solene da proposta e a importância da situação (v. 11; cf. Dt 33,13; Jo 11,8). Sinais do céu podem ser estelares ou meteoros; do abismo, devem estar relacionados com os mortos (cf. o sinal de Jonas em Mt 12,39-41).

O homem não pode exigir sinais, pode pedi-los. Se Deus os oferece, o homem deve aceitá-los. O rei se recusa por falsa humildade, que encobre uma fé vacilante. Referindo-se a Ex 17,2, Acaz falta com o respeito à vontade de Deus, evitando a opção pela confiança incondicional nesse Deus cujo poder atinge todo o universo (céu e terra).

Disse o profeta: ”Ouvi então, vós, casa de Davi; será que achais pouco incomodar os homens e passais a incomodar até o meu Deus? Pois bem, o próprio Senhor vos dará um sinal. Eis que uma virgem conceberá e dará à luz um filho, e lhe porá o nome de Emanuel” (7,13-14).

No texto original escrito em hebraico, o sinal dado pelo próprio Senhor é o nascimento de um filho de uma “mulher jovem” (não necessariamente de uma “virgem” como traduz a liturgia de hoje). A palavra hebraica ‘Imh significa simplesmente “jovem, moça”, provavelmente Isaías pense na esposa jovem do rei Acaz (2Rs 16) que “conceberá”. Esse menino que está para nascer é sinal de que Deus permanecerá no meio do seu povo (Emanu-El = Deus conosco) apesar da situação crítica da cidade de Jerusalém ameaçada pelos inimigos. Seu nome “Emanuel” significa “Deus está conosco” (v. 14; 8,9s; 41,10). Deus está com seu povo e seus líderes (Dt 20,1; 1Rs 8,57; Gn 26,3; 18,15; 29,32 Ex 3,12; Dt 21,23; Js 1,5; Jr 6,12; 1Sm 16,18; 18,14; 2Sm 7,9; 2Rs 18,7; Jr 1,8). Deus não abandonará, mas dará a vitória a Judá e a dinastia de Davi permanecerá (2Sm 7,12-16). O menino herdeiro é Ezequias (2Rs 18-20) que assegurará a continuidade da dinastia.

José Luiz Gonzaga do Prado (Vida Pastoral, nov./dez. 2016) comenta o nome Emanuel: Na época, isso poderia ser apenas um grito de guerra: antes de atracar, o comandante gritava três vezes “Emanu” (conosco), e os soldados, “El” (Deus). É o sinal da vitória na guerra.

Bem mais tarde, no século III a.C., começou-se traduzir a Bíblia Hebraica para o grego, língua mais difundida na região. Na cidade de Alexandria no Egito (fundada pelo grego Alexandro Magno) havia uma comunidade grande de judeus que não falava mais o hebraico. Pela lenda, esta tradução grega foi realizada nesta cidade por “setenta” sábios (daí seu nome: LXX, em latim “septuaginta”). Na tradução grega de Is 7,14, escolheram a palavra grega parthenos: “virgem”, em vez de “jovem, moça”; assim passa para a tradição cristã que aplica a profecia à “virgem” Maria (Mt 1,23). Mt 1,18-25 e Lc 1,26-34 (evangelho de hoje) descrevem o nascimento de Jesus, “concebido pelo Espírito Santo e nascido da virgem Maria” (Credo apostólico), correspondendo às profecias antigas sobre a origem do messias (Mt 1,23 cita Is 7,14 grego).

Obs.: O uso da tradição grega do AT (LXX) por Mt 1,23 demonstra que os próprios evangelistas consideravam esta tradução como Sagrada Escritura. Na época, ainda não havia uma norma (cânone) sobre quais escritos faziam parte da Escritura e quais não. Havia discussões: os saduceus só consideravam apenas os primeiros cinco livros (Pentateuco), a Torá, ou seja, a Lei de Moisés) como Escritura Sagrada, enquanto os fariseus pensavam diferente (cf. At 23,8). Depois da derrota e da destruição do templo de Jerusalém em 70 d.C. não havia mais sacerdócio nem seu partido, os saduceus. Os rabinos do partido dos fariseus eram as únicas autoridades judaicas que restavam depois da guerra judaica. No sínodo de Jâmnia (no ano 90 d.C.) declararam como Bíblia Sagrada apenas os escritos em hebraico (“Bíblia Hebraica”), mas isso foi depois de Cristo e depois de Mateus e Lucas (ambos escreveram por volta de 80 d.C.). Não há motivo, portanto, porque as Igrejas protestantes (“evangélicas”, a partir de Martin Lutero em 1517) reconheçam apenas a Bíblia Hebraica como legítima, quando os próprios evangelistas usaram também a tradição grega considerando-a inspirada, como se vê claramente em Mt 1,22-23. Os protestantes rejeitam os sete livrinhos do AT que se encontram nesta tradição grega (LXX) e sempre faziam parte da Bíblia católica (Tb, Jd, 1-2Mc, Sb, Eclo, Br).

Porque Deus está conosco (8,10c).

Para explicar ainda o nome Emanuel (cf. 8,8) em português (como fez Mt 1,23 em grego), a liturgia de hoje salta quase um capítulo inteiro (7,15-8,9) sobre invasão e libertação. Apresenta ainda o final de um convite irônico aos povos inimigos a preparar a derrota: “Fazei planos, que fracassarão… porque (temos) Emanuel”, ou seja, “porque Deus está conosco” (8,9-10). Com isso, o profeta “utiliza um tema (e talvez um texto) de um ritual régio (cf. Sl 2,2 e também Sl 110,1.5.6…), aplicando aos inimigos que ameaçam atualmente Judá e Jerusalém (cf. Sl 48; 76), o que na perspectiva litúrgica, diz respeito a todos o inimigos possíveis do rei e do seu povo (TEB, p. 615). No fim do Evangelho de Mt, Jesus vitorioso (ressuscitado) envia os apóstolos a todos os povos, assegurando: “Eu estarei convosco todos os dias até o fim do mundo” (Mt 28,20).

2ª Leitura: Hb 10,4-10

A 2ª leitura da festa de hoje nos apresenta de maneira simbólica (litúrgica; cf. Sl 40) o momento da “encarnação”: o momento em que o Filho de Deus, desde a eternidade junto ao Pai no céu, toma carne (corpo) entrando em nosso mundo (cf. Jo 1,1.14; Fl 2,5-6-8).

No final do primeiro século, um escriba ou orador cristão anônimo da segunda geração cristã (cf. 2,1) escreveu uma exortação (13,22) a uma comunidade. O estilo é bem diferente das cartas do apóstolo Paulo. Um “sermão para cristãos desorientados” – é assim que poderíamos chamar esta “epístola de Paulo aos hebreus” que não é epístola, nem de Paulo, nem aos hebreus (A. Vanhoye).

O título “aos Hebreus” não faz parte do texto e foi escolhido, provavelmente, na hora de inserir o escrito numa coletânea de várias cartas. Este sermão se dirige a cristãos de longa data (cf. 5,12), talvez judeus antes do seu batismo. Imaginava-se que seria endereçado aos hebreus, por causa do uso abundante do AT (Antigo Testamento) e das referências ao culto no Templo de Jerusalém. É o único escrito do NT que aplica a Jesus o sumo sacerdócio (2,17; 3,2 etc.). Poderia ser chamado “sermão sacerdotal”.

(Irmãos) é impossível eliminar os pecados com o sangue de touros e bodes (vv. 1-4)

Como a Tenda no deserto ou o Templo em Jerusalém, também “a Lei possui apenas o esboço dos bens futuros e não o modelo real das coisas” (v. 1; cf. 8,1-5). O que o apóstolo Paulo disse sobre a Lei judaica, o autor anônimo de Hb repete sobre a liturgia da antiga aliança. Segundo Paulo, a Lei concretiza e condena o pecado, mas não é capaz de libertar dele. Só a graça de Deus e a fé em Jesus Cristo nos justificam e salvam (cf. Gl 2,16; 3,11.19.23; Rm 3,19-26 etc.).

A antiga Lei não tinha uma solução válida para remediar a culpabilidade humana. A liturgia judaica “com seus sacrifícios sempre iguais” (v. 2) faz reviver a experiência do pecado, “anualmente, se renova a memória dos pecados” (v. 3), no Dia do Perdão (Yom Kippur, cf. 9,7; Lv 16), mas “é impossível eliminar o pecado com o sangue de touros e bodes” (v. 4). Isto já os profetas reconheceram nas suas críticas a um culto meramente exterior (cf. Am 5,21-23; Is 1,11-15).

A Lei estava circunscrita a recomeçar indefinidamente as mesmas tentativas ineficazes de mediação… consistindo em oferecer animais imolados, elas permaneciam obrigatoriamente exteriores ao homem (10,4) e exteriores a Deus (10,5). Em lugar esse culto ritual, Cristo oferece generosamente ao Pai a sua obediência pessoal (Vanhoye, p. 77).

Por isso, ao entrar no mundo, Cristo afirma: “Tu não quiseste vítima nem oferenda, mas formaste-me um corpo. Não foram do teu agrado holocaustos nem sacrifícios pelo pecado. Por isso eu disse: ‘Eis que eu venho’. No livro está escrito a meu respeito: ‘Eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade’”. Depois de dizer: “Tu não quiseste nem te agradaram vítimas, oferendas, holocaustos, sacrifícios pelo pecado” — coisas oferecidas segundo a Lei — ele acrescenta: “Eu vim para fazer a tua vontade”. Com isso, suprime o primeiro sacrifício, para estabelecer o segundo (vv. 5-9).

O autor de Hb recorre ao Sl 40/39, no qual o orador agradece reconhecendo que Deus não queria sacrifícios pelo pecado, “vítimas, oferendas, holocaustos – coisas oferecidas segundo a Lei” (v. 8), mas que o homem realizasse a vontade divina (cf. Sl 50,18; Mq 6,6-8).

Obs.: A palavra grega holocausto (em hebraico shoa) designa um sacrifício de um animal, oferecido e “queimado por inteiro” no altar (Lv 1). No séc. 20, o holocausto simboliza o genocídio dos judeus pelos nazistas, porque milhões de judeus foram mortos e queimados nos fornos dos campos de concentração.

A carta aos Hb identifica o orador do Sl 40 com Jesus: “Ao entrar no mundo, Cristo afirma: “… formaste-me um corpo… eu vim, o Deus, para fazer a tua vontade” (vv. 5-7; cf. Sl 40,7-9 na versão grega).

Já nos evangelhos, o próprio Jesus critica que a observância da lei, na interpretação dos fariseus, não é suficiente, é preciso “praticar a vontade do Pai” (Mt 7,21). Cristo nos mostra através da sua vida e morte o que é a vontade de Deus, a Lei maior: “amar a Deus… e o próximo como a si mesmo é melhor do que todos os holocaustos” (Mc 12,28-34); devemos até “amar os inimigos” (Mt 5,43-48; cf. Lc 23,34). A Lei nova é amar como ele amou (Jo 13,34; 15,12.17; cf. 1Jo)

Este é o “segundo sacrifício” (v. 9), não oferecer animais, mas sua própria vida por amor. Apesar de ser “leigo” porque não nasceu numa família sacerdotal (o sacerdócio em Israel era hereditário), Jesus é um “sumo sacerdote” superior (cf. caps. 7-9): ele selou a nova aliança com seu próprio sangue.

É graças a esta vontade que somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo, realizada uma vez por todas (v. 10).

A oferenda de Cristo é evidentemente aceita por Deus, já que consiste em cumprir o que Deus quer (“submissão…obediência” em 5,7s; “fazer sua vontade”, Mc 14,36p; Jo 6,38). E, longe de ser exterior ao homem, ela o toma inteiramente, pois parte do coração (na Bíblia, o centro das decisões) e vai até a “oferenda do corpo”. Assim nos tira do impasse, do bloqueio do pecado que obstruiu nosso caminho (conexão) para Deus. Este era o “sacrifício único pelos pecados” (v. 12; cf. 7,27; 9,26), capaz de nos salvar, e eficaz: “somos santificados pela oferenda do corpo de Jesus Cristo”. E graças a essa oferenda perfeita, Deus pôde por fim realizar o seu projeto de restabelecer uma comunicação vivificante entre ele e nós (10,10; cf. 2Cor 5,18-19). (Vanhoye, p. 78).

Assim não precisamos mais de outros sacrifícios a não ser fazer a vontade de Deus, “é graças a esta vontade que somos santificados” (v. 10; cf. Mt 6,9-11; Jo 6,39s). A leitura de hoje destaca o momento em que Cristo “entra no mundo” e se “forma um corpo” no ventre de Maria (cf. Gl 4,4; Jo 1,14; em Lc 1,26-38, Maria aceitou a palavra/vontade do Pai). Sua missão é fazer a vontade do Pai que nos salva (cf. Jo 4,34; 6,40; Mt 6,10; 7,21; 26,42), oferecendo seu “corpo” em sacrifício único que nos santifica e salva “uma vez por todas” (v. 10; cf. 7,27; 9,12.26). Na Eucaristia não repetimos este sacrifício único de Cristo, mas atualizamos seus efeitos na memória sacramental que o torna presente.

Evangelho: Lc 1,26-38

Depois da profecia sobre a concepção virginal do messias (1ª leitura) e das palavras dele ao entrar no mundo material (2ª leitura), ouvimos a narrativa da anunciação do seu nascimento à virgem Maria.

(Naquele tempo), o anjo Gabriel foi enviado por Deus a uma cidade da Galileia chamada Nazaré, a uma virgem, prometida em casamento a um homem chamado José. Ele era descendente de Davi e o nome da virgem era Maria (vv. 26-27).

O costumeiro “Naquele tempo” substituiu “No sexto mês”; a conta dos meses é a partir da concepção de João (vv. 24.36), por isso celebra-se o nascimento de João Batista (24 de junho) seis meses antes do Natal (24 de dezembro). O anjo é Gabriel (significa “força de Deus”; cf. v. 11.19; Dn 8,16; 9,21). Gabriel já apareceu a Zacarias que pertence ao baixo clero no templo da capital Jerusalém (vv. 5-25), agora é enviado a uma moça na periferia. “Nazaré” é um lugarejo desconhecido no interior (cf. Jo 1,46) da desprezada “Galileia” (cf. Jo 7,41s), mas é o lugar escolhido (Is 8,23b).

Antes mesmo de levarem uma vida comum, os noivos judeus (como Maria e José) se comprometeram em casamento, eram considerados quase como esposos porque o contrato já foi assinado (cf. Mt 1,18s). “Maria” é tradução grega do nome hebraico Miriam (o mesmo nome da irmã profetisa de Moisés em Ex 2,4.7; 15,21; Nm 12,1-10; 20,1; Maomé confundiu-a com a mãe de Jesus).

O anjo entrou onde ela estava e disse: “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo!” (v. 28).

“Alegra-te” (saudação comum na língua grega do NT) é tradução melhor do que “Ave” (saudação em latim), porque apela à alegria messiânica; os profetas convidaram a filha de Sião a alegrar-se pela vinda de Deus em meio a seu povo (cf. Is 12,6; Sf 3,14-15; Jl 2,21-27; Zc 2,14; 9,9).

“Cheia de graça”, lit.: “tu que fostes e permaneces repleta do favor divino”. Alguns manuscritos acrescentam “Bendita és tu entre as mulheres”, por influencia de v. 42 (saudação de Isabel).

Maria ficou perturbada com estas palavras e começou a pensar qual seria o significado da saudação. O anjo, então, disse-lhe: “Não tenhas medo, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. Eis que conceberás e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus. Ele será grande, será chamado Filho do Altíssimo, e o Senhor Deus lhe dará o trono de seu pai Davi. Ele reinará para sempre sobre os descendentes de Jacó, e o seu reino não terá fim” (vv. 29-33).

As palavras do anjo (cf. Mt 1,20-23; Lc 1,13-17) inspiram-se em varias passagens messiânicas do AT, nascimentos (milagrosos) e profecias messiânicas (cf. Gn 16,11s; Jz 13,3-5; 2Sm 7; Is 7,14s; 9,5s; 11,1-5; Jr 23,5; Dn 7,14). A “virgem conceberá um filho” (cf. Is 7,14 em grego). Este será reconhecido como messias (2Sm 7), “descendente de Davi” (através de José) e “Filho do Altíssimo” (através do Espírito Santo, cf. v. 35a; cf. 1Sm 16,13; 2Sm 7,14-16; Sl 2,7; Rm 1,2-4). Seu reinado sobre “Jacó” (= Israel; cf. Gn 32,29) será “para sempre” e sem fim (universal, cf. Is 9,6; Dn 7,14). A última expressão entrou no Credo Niceno-constantinopolitano: “E seu reino não terá fim”.

Maria perguntou ao anjo: “Como acontecerá isso, se eu não conheço homem algum?” (v. 34).

É comum nos relatos de vocação a pessoa chamada alegar um argumento contra (cf. 1,18; 5,8; Gn 18,12; Ex 3,11.13; 4,1.10.13; Jz 6,15; Jr 1,6…). A virgem Maria é apenas noiva (cf. v. 27) e não tem relações conjugais (sentido semítico de “conhecer”, cf. Gn 4,1; etc.). O anjo não repreende Maria como fez a Zacarias (cf. v. 20), porque se trata aqui de uma coisa inédita. O fato de Maria não conviver ainda com José parece realmente opor-se ao anúncio dos vv. 31-33 e induz a explicação do v. 35. Nada no texto impõe a idéia de um voto de virgindade.

O anjo respondeu: “O Espírito virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com sua sombra” (v. 35a).

A resposta do anjo evoca a nuvem luminosa, sinal da presença de Javé (cf. Ex 13,22; 19,16; 24,16) como também as asas do pássaro que simbolizam o poder protetor (Dt 32,11; Sl 17,8; 57,2; 140,8) e criador (Gn 1,2) de Deus. O fato de Maria conceber sem ainda estar morando com José indica que o nascimento do Messias é obra da intervenção (poder, força, cf. o nome Gabriel) de Deus. Aquele que vai iniciar nova história surge dentro da história de maneira totalmente nova.

“Por isso, o menino que vai nascer será chamado Santo, Filho de Deus” (v. 35b).

A santidade é um dos atributos essências do Deus de Israel no AT (Is 6,3; Lv 11,44-46; etc.); ela se comunica àquele que se aproxima de Deus ou lhe é consagrado. Jesus é o Santo do NT (cf. Lc 4,34p; Jo 6,69; At 2,27; 3,14; Ap 3,7).

Davi recebeu o Espírito de Javé quando foi ungido (1Sm 16,13). O Messias (significa: ungido; em grego: Cristo) é descendente de Davi e considerado filho (adotivo) de Deus (cf. 2Sm 7,14), adotado na hora da sua posse (consagração, cf. Sl 2,7; batismo: Mc 1,11), e também dotado como o Espírito (Is 11,1s; 42,1; 61,1). Mas o Espírito também está com os profetas (cf. 1Sm 10,10; 2Rs 2,9.15; Ez 2,2; 11,5; 37,1) e pode ser derramado sobre o povo (Ez 11,19; 36,26s; Jl 3,1s; cf. Lc 1,35.41.67; 2,25-27;  At 2 etc.). Na sua vida na terra, Jesus não era sacerdote no templo nem tomou posse como rei, mas era vista como profeta (cf. 7,16; Mc 9,8.19p) ou messias (9,20p; Mc 11,9s). A novidade aqui é que Jesus é Filho de Deus no sentido literal, biológico (cf. Mt 1,16.20.25), não só a partir do batismo (que pode ser considerado como espécie da consagração ou posse alternativa (3,22p; cf. Sl 2,7), mas “desde o ventre materno” (cf. vv. 15.41; Is 49,1.5; Jr 1,5; Gl 1,15).

Também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na velhice. Este já é o sexto mês daquela que era considerada estéril, porque para Deus nada é impossível” (vv. 36-37).

Em vez de dar um sinal (exigido por Zacarias em v. 18; cf. Gn 15,8; Jz 6,17; Is 7,11; 38,7), o anjo indica um milagre que já aconteceu (Maria já sabia da gravidez da sua prima ou não?). Zacarias e Isabel estavam na mesma situação que Abraão e Sara (ambos velhos e ela estéril). Gabriel conclui com palavras semelhantes às de Deus na visita a Abraão e Sara (na aparição dos três anjos em Gn 18,14; cf. Jr 32,27).

Maria, então, disse: “Eis aqui a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” E o anjo retirou-se (v. 38).

Maria não usa um verbo ativo na primeira pessoa “cumprirei” (Ex 19,8), mas um intransitivo: “aconteça, faça-se” o que disse o anjo, ou seja, a ação divina e sua consequência (como um novo Gênesis; cf. Gn 1,3: Deus falou “haja luz”, e “houve luz”; etc.). Deixar Deus agir é a suprema humildade e grandeza de Maria (cf. 1,48s). A tradição entendeu o consentimento (“sim”) de Maria como pronunciado em nome da humanidade (cf. 2Cor 1,19-22). Imagine se ela tivesse negado! No plano da criação, Deus faz o homem colaborador (imagem; cf. Gn 1,26s). No plano da salvação, se fez dependente do livre arbítrio (consentimento) de uma mulher. Amor e fé não se forçam ou impõem, mas se propõem.

Na sua encarnação que resultará na paixão e morte, Jesus também será o “servo (escravo) do Senhor Javé” (cf. Is 53; Fl 2,7). Não só por sua maternidade, mas pela sua reposta generosa à palavra de Deus, Maria torna-se modelo de fé para toda Igreja (cf. 11,27s). Bento XVI a chama “mãe da palavra” (do Verbo encarnado, Jo 1,14) e “mãe da fé” (fé é a reposta à palavra; cf. Verbum Domini 27).

O site da CNBB resume: Maria recebe do anjo a noticia de que seria a mãe do Messias. Como poderia acontecer isso se ela não conhece homem? … mulheres estéreis geraram filhos por obra divina, e filhos que atuaram decisivamente na história da salvação. Maria não podia ter filhos, mas isso era fruto de sua vontade, de sua consagração virginal. E nesta “esterilidade”, Deus age. E sem a atuação de um homem, mas do próprio Espírito Santo, Maria gera no seu ventre virginal aquele que é o Senhor da história e que vai mudar radicalmente a vida das pessoas.

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