25 de Novembro de 2019, Segunda-feira: “Em verdade vos digo que essa pobre viúva ofertou mais do que todos. Pois todos eles depositaram, como oferta feita a Deus, aquilo que lhes sobrava. Mas a viúva, na sua pobreza, ofertou tudo quanto tinha para viver” (vv. 3-4).

34ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Dn 1,1-6.8-20

No mês de novembro lemos dos livros mais novos do Antigo Testamento, que afirmam claramente a vida após a morte (Sb), a ressurreição (2Mc) e o fim do mundo (Dn). Nesta última semana do ano litúrgico, a Igreja nos apresenta o livro de Daniel que se encontra na Bíblia grega e latina (e portuguesa) entre os livros proféticos, mas na Bíblia hebraica (TNQ) faz parte dos “outros escritos”, ou seja, sapienciais. De fato, é de outro gênero literário do que as pregações dos profetas antigos: Os capítulos 1-6 são narrativas; os capítulos 7-12 apresentam visões apocalípticas (revelações sobre o fim do mundo); na Bíblia hebraica (e também na protestante) faltam os últimos capítulos 13-14, como também o cântico dos três jovens na fornalha em 3,24-90, que só se encontram na versão grega. Partes do livro original estão escritos em aramaico, o que indica uma data mais recente, porque o hebraico já estava saindo do uso.

Enquanto os livros proféticos antigos apresentam a pregação de um profeta enviado por Deus em missão, o autor de Dn se esconde atrás de um pseudônimo (já em Jn) usando o nome de “Daniel”, um sábio antigo (Ez 14,4-20; 28,3), mas os acontecimentos relatados em Dn 11 indicam a verdadeira data desta obra: durante a perseguição do rei selêucida (greco-sírio) Antíoco IV Epífanes entre 167 e 164 a.C. Depois da volta do exílio na Babilônia, Israel ficava sob o domínio dos persas. O grego Alexandre Magno conquistou a Pérsia e todo Oriente Médio, mas faleceu em 323 Seu reino helenista (grega) foi dividido em quatro: num deles, na área de Síria e Palestina, reinavam os selêucidas.

No terceiro ano do reinado de Joaquim, rei de Judá, Nabucodonosor, rei da Babilônia, avançou sobre Jerusalém e pôs-lhe cerco; o Senhor entregou em suas mãos Joaquim, rei de Judá, e parte dos vasos da casa de Deus, e ele os levou para a terra de Senaar, para o templo de seus deuses, depositando os vasos no tesouro dos deuses (vv. 1-2).

“Senaar” é Alta Mesopotâmia, na Biblia é Babilônia (cf. Gn 10,1; 11,2; Js 7,21; Is 11,11), hoje Iraque e Síria. A data indicada é historicamente falsa (cf. 2Rs 24,1s; 2Cr 36,5-7; o autor resume os anos de 606 a 586 a.C.), mas é teologicamente significativa: é o começo de uma era, a do poder de impérios e nações pagãos (babilônios, persas, gregos), que durará até a morte de Antíoco IV Epífanes (ano 164 a.C.). A queda de Jerusalém no ano 586 a.C., o incêndio do templo e o transporte de seus utensílios para Babilônia (cf. Dn 5) marcam a mudança de poderes. Os apocalípticos, e com Dn inicia-se este gênero (cap. 7-12), não consideram a volta do desterro como verdadeira restauração, porque o povo continua submetido. Nem consideram o templo reconstruído, edifício motivado por Ageu e Zacarias, como o templo consumado. Tudo isso é uma etapa intermédia, que culminará numa grande profanação e na plena restauração iminente.

Então o rei ordenou ao chefe dos eunucos, Asfenez, para que trouxesse, dentre os filhos de Israel, alguns jovens de estirpe real ou de família nobre, sem defeito físico e de boa aparência, preparados com boa educação, experientes em alguma ciência e instruídos, e que pudessem estar no palácio real, onde lhes deveriam ser ensinadas as letras e a língua dos caldeus (vv. 3-4).

Nem todo funcionário do rei era “eunuco” no sentido restrito, físico. Pelo contexto, Asfenez não o era, por receber outros títulos em vv. 7-11. Nas cortes orientais educavam-se desde pequenos os que se destinavam à carreira das “letras” (a escrita cuneiforme, praticada também nas ciências ocultas, cf. cap. 5): escribas, tradutores, cronistas, sábios, adivinhos de toda espécie. Não se tratava de formar pajens (adolescentes nas cortes helenísticas). Seu saber está na ordem do conselho e da administração.

Ter nobres como servidores enaltece a glória de um soberano (Is 10,8; 23,8). Ele afirma seu poder, eles acedem ao confronto. Daí brota a ironia de vários relatos. Daniel representa o tipo de judeu piedoso na diáspora (dispersão, fora de Israel) que consegue um alto cargo na corte através de capacidade de adaptação, lealdade e muito conhecimento, assim como José, Tobit, Neemias e Esdras.

O rei fixou-lhes uma ração diária da comida e do vinho de sua mesa, de tal modo que, assim alimentados e educados durante três anos, eles pudessem no fim entrar para o seu serviço. Havia, entre esses moços, filhos de Judá, Daniel, Ananias, Misael e Azarias. Ora, Daniel decidiu secretamente não comer nem beber da mesa do rei por convicções religiosas, e pediu ao chefe dos eunucos que o deixasse abster-se para não se contaminar (vv. 5-6.8).

Quando foi escrito o livro de Dn, nos tempos da helenização forçada sob Antíoco Epífanes, a infração das proibições alimentares constantes na Lei era equivalente à apostasia (negar a fé). Como o notável Eleazar e a corajosa mãe com seus sete filhos em 2Mc 6,18 – 7,42, o autor de Dn apresenta Daniel e seus companheiros como exemplos de judeus fiéis num ambiente hostil. Os tabus alimentares (cf. Ez 4,13s; Os 9,3; Est 4,14; Jt 10,5; 12,2, etc.) eram vistos como muros que protegem contra o mundo pagã (2Mc 5,27).

Deus concedera que Daniel obtivesse simpatia e benevolência por parte do mordomo (v. 9).

Como José no Egito encontrou graça aos olhos de Potifar e depois do carcereiro (Gn 39,4.21) e conforme a oração de Salomão (1Rs 8,50), Deus protege também Daniel através de simpatizantes; também Ester ganhou a proteção do guarda das jovens na corte persa (Est 2,9).

Este disse-lhes: “Tenho medo do rei, meu Senhor, que determinou alimentação e bebida para todos vós; se vier a perceber em vós um aspecto mais abatido que o dos outros moços da vossa idade, estareis condenando minha cabeça perante o rei”. Mas disse Daniel ao guarda que o chefe dos eunucos tinha designado para tomar conta dele, de Ananias, Misael e Azarias: ”Por favor, faze uma experiência com estes teus criados por dez dias, e nos sejam dados legumes para comer e água para beber; e que à tua frente seja examinada nossa aparência e a dos jovens que comem da mesa do rei, e, conforme achares, assim resolverás com estes teus criados” (vv. 10-13).

Além de evitar comidas proibidas, praticam uma dieta ascética, vegetariana sem carnes. Podia ser praticada como penitência ou para alcançar a inspiração celeste (10,2s); cf. o precedente dos recabistas (Jr 35) e o macabeus vegetarianos em 2Mc 5,27.

O homem, depois de ouvir esta proposta, experimentou-os por dez dias. Depois desses dez dias, eles apareceram com melhor aspecto e mais robustos do que todos os outros jovens que se alimentavam com a comida do rei (vv. 14-15).

A respeito de “dez” dias, cf. Gn 24,55 e 31,7 na Mesopotâmia (cf. Ap 2,10), e do aspecto robusto, cf. Lm 4,7.

O guarda, desde então, retirava a comida e bebida deles para dar-lhes legumes. A esses quatro jovens Deus concedeu inteligência e conhecimento das letras e das ciências, e a Daniel, o dom da interpretação de todos os sonhos e visões (vv. 16-17).

Inteligência e conhecimento das letras e das ciências” representam o saber tradicional, recolhido em escritos, que se aprende estudando e que os mestres caldeus (babilônios) podem ensinar. Deus o concede por meios humanos, abençoando o trabalho (Eclo 39,5-8). Entender visões e sonhos, porém, é dom direto de Deus (Eclo 34,1-8).

Terminado, pois, o prazo que o rei tinha fixado para a apresentação dos jovens, foram estes trazidos à presença de Nabucodonosor pelo chefe dos eunucos. Depois de o rei lhes ter falado, não se achou ninguém, dentre todos os presentes, que se igualasse a Daniel, Ananias, Misael e Azarias. E passaram à companhia do rei. Em todas as questões de sabedoria e entendimento que lhes dirigisse, achava o rei neles dez vezes mais valor do que em todos os adivinhos e magos que havia em todo o reino (vv. 18-20).

A sabedoria, o conhecimento e a ciência (cf. vv. 4.17) devemos entender aqui no contexto de uma civilização em que ocultismo, adivinhação e astrologia ocupavam lugar de destaque. Os capítulos seguintes oporão a impotência dessa ciência pagã à riqueza de conhecimento profético e sapiencial que Deus dá a seus profetas e aos fiéis. (cf. 2,27-30; 4,4-6; 5,7-12; 9,22s). Compare-se com a rainha estrangeira propondo enigmas a Salomão (1Rs 10,1-3), aqui os papéis se invertem.

 

Evangelho: Lc 21,1-4

Este relato sobre a observação de Jesus, Lc copiou de Mc 12,41-44, já no mesmo contexto. Colocada aqui, a breve cena, quase parábola em ação, redobra seu significado. Depois de purificar o templo para que seja casa de oração (19,45s) e depois de afirmar sua autoridade transcendente (20,13.41-44), Jesus denunciou a cobiça dos doutores da lei (20,45-47p) “que devoram as casas das viúvas” (20,47; é o versículo anterior ao evangelho de hoje).

Jesus ergueu os olhos e viu pessoas ricas depositando ofertas no tesouro do Templo. Viu também uma pobre viúva que depositou duas pequenas moedas (vv. 1-2).

Havia no átrio do templo cofres para os impostos do culto e as contribuições voluntárias. As viúvas pertencem à categoria dos empobrecidos porque falta o provedor e não havia previdência social na época, precisam de ajuda (Ex 22,21s; Dt 10,18; Sl 68,6; Is 1,17; Jr 22,3; Lm 1,1). Lc dá atenção às mulheres e as viúvas (2,37; 7,12; 18,3; At 9,39-41; cf. 1Tm 5,3-16). Jesus “ergueu os olhos” porque estava ensinando, na posição tradicional de sentado (cf. 2,46; 4,20; 5,3; Mt 5,1s etc.). Ele vê como as ofertas são entregues a um sacerdote que pergunta o valor e a finalidade, confirma a autenticidade da moeda para depois colocá-la no cofre respectivo.

Diante disto, ele disse: “Em verdade vos digo que essa pobre viúva ofertou mais do que todos. Pois todos eles depositaram, como oferta feita a Deus, aquilo que lhes sobrava. Mas a viúva, na sua pobreza, ofertou tudo quanto tinha para viver” (vv. 3-4).

A Bíblia do Peregrino (p. 2525) comenta: Não importa o detalhe inverossímil do relato. Essa viúva é como aquela da história de Elias (1Rs 17), que repartiu com o profeta a última comida sua e do filho. No reino do espírito, a medida não é a quantidade. Dando tudo ao Senhor, confia no Deus que se ocupa das viúvas (Sl 68,6; Pr 15,25).

A viúva confia na previdência de Deus (cf. 12,22-31). Para Lc, é mais um exemplo da exortação sobre ricos e pobres (cf. 2,7.24; 3,11; 6,20-26; 9,58; 12,13-34; 14,33; 16,1-9.13-15.19-31; 18,18-30; At 2,42-46; cf. 1Cor 11,17-34; 2Cor 8-9; Tg 2,1-9, etc.).

O site da CNBB comenta: Muitas vezes somos injustos com as pessoas porque fazemos do elemento quantitativo a principal fonte dos nossos juízos e das nossas decisões em relação a elas. Assumindo os critérios do mundo, o número cada vez mais torna-se o principal critério para a nossa avaliação. Jesus nos mostra que diante de Deus, devemos pensar de forma diferente. Não é o quanto foi dado que manifesta a generosidade da pessoa, mas o como, o porquê e o significado da quantia que são realmente importantes, pois nos revela o relacionamento da pessoa com Deus e o seu envolvimento com ele.

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