25 de outubro de 2017 – Quarta-feira, 29 semana

Leitura: Rm 6,12-18

Saltamos o trecho da carta no qual Paulo fala sobre o batismo (é lido na vigília pascal) como morrer para o pecado e viver uma vida nova. Doravante devemo-nos considerar “mortos para o pecado e vivos para Deus em Jesus Cristo” (v. 11, um grande tema paulino, cf. Cl 3,3.5; Fl 3,12-15).

Que o pecado não reine mais em vosso corpo mortal, levando-vos a obedecer às suas paixões (v. 12).

Agora é um imperativo, uma exigência, não uma aspiração: Tornai-vos em vossa vida o que doravante sois: mortos para o pecado e vivos em Cristo. O batismo destruiu o pecado do homem, mas enquanto o corpo mortal não estiver revestido de imortalidade (1Cor 15,54), o cristão continua com uma tendência ao pecado (cf. Gl 5,14-16), solicitado pelo desejo (Tg 1,14). O pecado pode encontrar neste corpo “mortal”, sede da concupiscência, o meio de ainda reinar (cf. 7,14s). O cristão deve dominá-lo e submetê-lo, como diz Deus a Caim (Gn 4,7).

Não ofereçais mais vossos membros ao pecado como armas de iniquidade. Pelo contrário, oferecei-vos a Deus como pessoas vivas, isto é, como pessoas que passaram da morte à vida, e ponde vossos membros ao serviço de Deus como armas de justiça. De fato, o pecado não vos dominará, visto que não estais sob o regime da Lei, mas sob o regime da graça (vv. 13-14).

Em 12,1, Paulo recomenda como culto espiritual: “Ofereçais o vosso corpo como hóstia (sacrifício) viva, santa e agradável a Deus” (cf. 1Cor 6,13.15.19s).

A Bíblia do Peregrino (p. 2716) comenta: Frente à concepção grega que considera maus o corpo e o mundo material, Paulo afirma que o corpo pode e deve ser instrumento do bem: concepção realista da unidade do homem e da sua responsabilidade. O que é possível em regime de graça, não de lei.

“O pecado não vos dominará”, o verbo no futuro exprime uma certeza e uma exigência ao mesmo tempo.

Então, iremos pecar, porque não estamos sob o regime da Lei, mas sob o regime da graça? De modo algum! (v. 15).

Nova objeção, em estilo de diatribe. A alternativa “lei ou libertinagem” é falsa: a graça não da licença para pecar; ao contrário capacita para submeter o pecado.

Acaso não sabeis que, oferecendo-vos a alguém como escravos, sois realmente escravos daquele a quem obedeceis, seja escravos do pecado para a morte, seja escravos da obediência para a justiça? (v. 16)

Aqui se trata-se de uma escravidão voluntaria a um poder despótico (cf. Dt 15,16s; Gl 5,13; Sb 2,24). O pecado conduz seus súditos à morte, mas é a obediência que conduz à justiça, e por ela à vida. O segundo senhor não é a obediência em si (obedecer-se-ia à obediência), mas a Deus, a quem se obedece.

Graças a Deus que vós, depois de terdes sido escravos do pecado, passastes a obedecer, de coração, aos ensinamentos, aos quais fostes entregues (v. 17).

A nova vida cristã é um programa exigente de conduta, ao qual o homem se submete voluntariamente, ou seja, “de coração” (correção importante no que há de inadequado na comparação com a escravidão em vv. 16.18s.22).

Trata-se de um serviço livre no amor, obedecer aos “ensinamentos”, lit. ao modelo ou compêndio, à regra do ensinamento, ou seja, da primeira pregação cristã, cujo conteúdo fundamental permanece idêntico, seja qual for o pregador (1Cor 15,11). Assim Paulo reconhece a autenticidade do ensino que os cristãos receberam, embora não dele (Rm 15,15; 16,17). Ele se preocupa em manifestar seu acordo com os outros mensageiros do evangelho (Gl 2,2).

Libertados do pecado, vos tornastes escravos da justiça (v. 18).

Paulo continua explorando a imagem da escravidão e libertação como concessão, consciente de seus limites. Em linguagem jurídica se trataria de uma mudança de senhor.

A Bíblia de Jerusalém comenta: Cristo libertou o homem do mal para entregá-lo a Deus. Além do tema bíblico da “redenção” (3,24) e daquele da libertação pela morte (7,1), Paulo, para exprimir esta ideia, recorre de bom grado à imagem tão expressiva de sua época, do escravo resgatado e libertado, que não pode mais ser reduzido a escravidão, mas deve servir fielmente seu novo patrão. Resgatando-nos com o preço de seu sangue (1Cor 6,20; 7,23; Gl 3,13; 4,5), Cristo nos libertou e nos chamou a liberdade (Gl 5,1.13). Doravante, libertado de seus antigos senhores, que são: o pecado (Rm 6,18-22), a Lei (Rm 6,14; 8,2; Gl 3,13; 4,5; cf. Rm 7,1), com suas práticas materiais (Gl 2,4), os “elementos do mundo” (Gl 4,3.8; cf. Cl 2,20-22) e a corrupção (Rm 8,21-23), o cristão não deve mais recair na sua escravidão (Gl 2,4s; 4,9; 5,1). Ele é livre (1Cor 9,1), filho da mulher livre, a Jerusalém do alto (Gl 4,26.31). Esta liberdade, contudo, não significa libertinagem (Gl 5,13; cf. 1Pd 2,16; 2Pd 2.19). Ela deve ser um serviço ao novo senhor, Deus (Rm 6,22; cf. 1Ts 1,9; 1Pd 2,16), Cristo Kyrios [Senhor] (Rm 1,1, etc.; Tg 1,1; 2Pd 1,1; Jd 1; Rm 14,18; 16,18, etc.), ao qual doravante, o fiel pertence (1Cor 6,19; 3,23) e para o qual ele vive e morre (Rm 7,1); serviço que se presta na obediência da fé para a justiça e a santidade (Rm 6,16-19). Esta liberdade de filhos (Gl 4,7), libertados pela lei do “Espírito” (Rm 8,2; cf. 7,6; 8,14s 2Cor 3,17, cf. Tg 1,25; 2,12), pode mesmo ter que sacrificar seus legítimos direitos para tornar-se um serviço do próximo, se o amor (Gl 5,13, cf. 2Cor 4,5) e o respeito à consciência dos outros o exigirem (1Cor 10,23,33; Rm 14; cf. 1Cor 6,12-13; 1Cor 9,19). Quanto ao regime social da escravatura, se ele ainda pode ser tolerado neste mundo que passa (1Cor 7,20-24.31), não tem mais sentido na nova ordem instaurada por Cristo (1Cor 12,13; Gl 3,28; Cl 3,11): o escravo cristão é um liberto do Senhor, ele e seu patrão são igualmente servos de Cristo (1Cor 7,22; cf. Ef 6,5-9; Cl 3,22-4,1; Fm 16).

 

Evangelho: Lc 12,39-48

Continuamos ler a advertência de Jesus sobre a vigilância dos cristãos esperando a volta do Senhor (parusia) que pode demorar. Lc apresenta uma montagem de três parábolas: servo e patrão (vv. 35-38, evangelho de ontem), dono e ladrão, administrador. Embora a exortação possa valer para todos, há diversos graus de responsabilidade. As parábolas têm como horizonte a parusia e sua aplicação no tempo da Igreja.

Ficai certos: se o dono da casa soubesse a hora em que o ladrão iria chegar, não deixaria que arrombasse a sua casa. Vós também ficai preparados! Porque o Filho do Homem vai chegar na hora em que menos o esperardes (vv. 39-40).

Esta comparação do Filho do Homem com um ladrão que arromba com surpresa quer destacar o julgamento associado à sua vinda (parusia) e tem longa tradição (1Ts 5,2.4; Mt 6,19; 2Pd 3,10; Ap 3,3; 16,5). Os ladrões escolhem mais a noite: “de noite ronda o ladrão, penetra às escuras nas casas” (Jó 24,14.16); utilizam procedimento de entrar, arrombar a casa, lit. “furar a sua casa”: abrir um buraco, mas a surpresa é seu principal recurso (Ex 22,1). Embora a vigilância seja coletiva, aplica-se a cada pessoa. Como a vinda de um ladrão é surpresa, também não é possível calcular o dia ou a hora da chegada do Senhor (cf. Mc 13,32p).

Então Pedro disse: “Senhor, tu contas esta parábola para nós ou para todos?” E o Senhor respondeu: “Quem é o administrador fiel e prudente que o senhor vai colocar à frente do pessoal de sua casa para dar comida a todos na hora certa?” (vv. 41-42)

Antes Jesus falava de “servos, empregados” (v. 37) designando o grupo dos discípulos (“vós”, v. 40). Agora o acento se desloca (cf. Mc 13,37); a pergunta de Pedro interrompe o fluxo do sermão (cf. Mt 24,44s). Jesus responde com uma pergunta retórica sobre um servo que tem autoridade sobre os demais, em resposta exata a pergunta de Pedro, na qual “nós” se refere aos apóstolos. Pedro representa as autoridades da Igreja, os líderes da comunidade que têm uma responsabilidade especial no tempo da ausência do Senhor (1Cor 4,1-2.5). Diferente do paralelo de Mt 24,45, Lc não fala de servo, mas do “administrador fiel e prudente” que tem responsabilidade sobre a casa toda (cf. Mt 24,45-51; 10,25; 1Tm 3,15; 2Tm 2,19s; Tt 1,7; 1Cor 9,17). O termo “administrador” (intendente) é próprio de Lc entre os evangelistas (cf. 16,1.3.8) e designa um personagem importante.

Em Antioquia, cidade mencionada bastante nos At, esta ideia possa ter influído no desenvolvimento do ministério do bispo monárquico (cf. as cartas de Stº. Inácio de Antioquia, na Liturgia da Horas, Ofício das Leituras na 27ª semana).

Feliz o empregado que o patrão, ao chegar, encontrar agindo assim! Em verdade eu vos digo: o senhor lhe confiará a administração de todos os seus bens (vv. 43-44).

Pela terceira vez, a vigilância de um servo, agora do administrador, é parabenizada (“feliz”; bem-aventurança). Já em vv. 37s, Jesus felicitou os empregados que ficam atentos vigiando e esperando pelo Senhor que irá servi-los um banquete. O salário é recompensa escatológica (cf. 1Cor 3,14s), mas agora não é descansar, sim atividades e responsabilidades maiores. Agora “o senhor lhe confiará a administração de todos os seus bens”, cf. a figura de José a quem o Faraó confia a administração de todo o Egito por causa da sua sabedoria (Gn 41,37-44).

Porém, se aquele empregado pensar: “Meu patrão está demorando”, e começar a espancar os criados e as criadas, e a comer, a beber e a embriagar-se, o senhor daquele empregado chegará num dia inesperado e numa hora imprevista, ele o partirá ao meio e o fará participar do destino dos infiéis (vv. 45-46).

A Bíblia do Peregrino (p. 2501) comenta: O administrador desta parábola é encarregado de outros criados; ocupa um posto intermédio, ocupa-se de pessoas, não de bens. A aplicação imediata aponta para os discípulos que recebem cargo mediador. As condutas opostas são: um serviço organizado para os outros servos ou um aproveitar-se licenciosamente da situação.

No abuso de poder, o infiel se esquece de que sua posição superior é temporária (cf. Mt 24,49). Logo vem o castigo em termos do julgamento: “O senhor o partirá ao meio e o fará participar do destino dos infiéis” (cf. a excomunhão em Mt 18, 17; 1Cor 5,4s, além de perder o cargo).

A demora do patrão a chegar corresponde à geração de Lucas, que já não espera uma parusia iminente (como Paulo nas sete cartas atribuídas a ele pela maioria dos exegetas, cf. 1Ts 4,15-17; 1Cor 15,51s). Contudo, o espírito de vigilância deve permanecer, porque a demora não desmente o fato (Ez 7,1-12; 12,21-28; cf. 2Pd 3). E como o fato é certo, a incerteza da hora incita à vigilância. Sem cessar é iminente o que pode acontecer a qualquer momento.

Aquele empregado que, conhecendo a vontade do senhor, nada preparou, nem agiu conforme a sua vontade, será chicoteado muitas vezes. Porém, o empregado que não conhecia essa vontade e fez coisas que merecem castigo, será chicoteado poucas vezes (vv. 47-48a).

Até agora, Lc tem se servido da sua fonte comum com Mt (“Q”; cf. Mt 24,42-51). Agora, porém, apresenta material próprio (vv. 47-48) referindo-se à relação ética entre conhecer e agir. A Bíblia do Peregrino (p. 2501) comenta: A ignorância de ordens concretas do patrão é atenuante, mas não exime da responsabilidade genérica. O conhecimento é agravante; e os discípulos as conhecem.

A quem muito foi dado, muito será pedido; a quem muito foi confiado, muito mais será exigido! (v. 48b).

Lc conclui esta sequência com uma sentença sapiencial (cf. Sb 6,1-8 que se refere aos governantes: “Os elevados serão julgados implacavelmente… os fortes sofrerão dura pena”). No contexto da parábola anterior podemos pensar em carismas da Igreja, confiados não a vantagens pessoais, mas como capacitação para servir (cf. 1Cor 12,7 etc.). Mais uma fez se alude ao julgamento presidido por Deus (os verbos na forma passiva indicam a ação divina).

O site da CNBB comenta: O Filho do Homem vai chegar na hora em que menos esperamos, pois ele está sempre chegando até nós nos pobres e necessitados. Os que esperam a vinda de Jesus somente no último dia tornam-se pregadores do fim do mundo e vivem uma fé ritual, são incapazes de amar verdadeiramente e, na verdade, não conhecem Jesus presente em suas vidas, possuem uma fé egoísta, pois a espera de Jesus não é para o encontro com ele, mas para ganhar o prêmio eterno. A longa espera e a falta de vivência concreta do amor faz com que essas pessoas desanimem e maltratem seus irmãos e irmãs, fazendo-se merecedores da sorte dos infiéis.

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