25 de Outubro de 2019, Sexta-feira: Hipócritas! Vós sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu. Como é que não sabeis interpretar o tempo presente? Por que não julgais por vós mesmos o que é justo? (vv. 56-57).

29ª Semana do Tempo Comum – Memoria de  Santo Antônio de Sant’Ana Galvão 

Leitura: Rm 7,18-25a

Na leitura de hoje, Paulo fala sobre o contraste entre ideal e realidade, entre querer o bem e fazer o mal. Aqui se refere ao ser humano sob o domínio do pecado antes da justificação, enquanto que no cap. 8 se tratará do cristão justificado, na posse do Espírito (cf. leituras de amanhã e da próxima semana). Mas este também, aqui na terra, experimenta uma divisão interior (Gl 5,17s).

“Realmente não consigo entender o que faço, pois não pratico o bem que quero, mas faço o que detesto” (v. 15; cf. v. 19). A Bíblia do Peregrino (p. 2718) comenta: É o trecho mais patético da carta. A luta já não é externa, mas interna, num desdobramento e dilaceração da consciência, que acaba num grito de socorro… Paulo fala como personagem dramático, porta-voz da humanidade, expressando uma experiência comum… Continua a análise psicológica em forma de monólogo dramático, todo tecido de oposições e tensões que só uma pergunta e uma exclamação conseguirão resolver. No campo dos objetos, a oposição ética clássica do “bem” e do “mal” (Dt 30,15; Is 5,20; Mq 3,1); a “lei da razão” diante da “lei do pecado”. No campo psicológico do conhecimento opõe: “nos consta”, “não entendo”, “não estou de acordo”; no campo do afeto, “amar” e “detestar”. Na constituição do homem, “interior” e “membros”, “espiritual” e “carnal” ou “instintivo”. Na ordem da ação, “querer” e “executar”.

Estou ciente que o bem não habita em mim, isto é, na minha carne. Pois eu tenho capacidade de querer o bem, mas não de realizá-lo. Com efeito, não faço o bem que quero, mas faço o mal que não quero. Ora, se faço aquilo que não quero, então já não sou eu que estou agindo, mas o pecado que habita em mim (vv. 18-20).

O sentido deste “eu” é esclarecido pela alusão a Adão e à sua culpa (cf. vv. 9.11-24). Trata-se de todo ser humano que se acha, como Adão às voltas com a lei, a transgressão e o pecado.

O pecado se alojou e se instalou, “habita em mim” (v. 17; cf. Sl 55,16), age apesar de mim. Mas Paulo não pretende negar a responsabilidade pessoal do ser humano na prática do mal; como, aliás, não a nega na prática do bem em Gl 2,20.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2184) comenta: O pensamento de Paulo se traduz com bastante exatidão em termos de “alienação” (cf. a origem da palavra: pertencer a outro). O pecado aliena o homem, o engaja num destino que contradiz as suas aspirações mais profundas e a vocação à qual Deus o chama.

Portanto, descubro em mim esta lei: Quando quero fazer o bem, é o mal que se me apresenta. Como homem interior ponho toda a minha satisfação na lei de Deus; mas sinto em meus membros outra lei, que luta contra a lei da minha razão e me aprisiona na lei do pecado, essa lei que está em meus membros (vv. 21-23).

Dentro do ser humano se trava uma batalha entre razão e pecado, com caídos e prisioneiros de guerra (cf. Is 10,4; 42,7). “Descubro esta lei… que está em meus membros”, atestada pela experiência do homem carnal. Os “membros” não são depreciados, podem estar seja “a serviço da impureza e da desordem, seja a serviço da justiça” (6,16s), neste texto tem o sentido de “carne” (vv. 5.18). A “lei” aqui não é a lei judaica (à qual Paulo costuma se referir), mas tem sentido banal e atenuado: de fato as coisas passam-se constantemente desse modo.

Um impulso natural e mais nobre, nous, o leva a deleitar-se internamente na “lei de Deus” (v. 22), var: “lei da razão”, como no v. 23 (cf. Sl 19,8- 12; 119; 2Cor 4,6; Ef 3,16).

A “razão”, em grego noús, inteligência ou pensamento do homem, é uma noção bem diferente do pneuma no sentido de Espírito sobrenatural (5,5), e mesmo do espírito no sentido bíblico como parte superior do homem (1,9). É o princípio da inteligência (1Cor 14,14.15.19; Fl 4,7; 2Ts 2,2; cf. Lc 24,45; Ap 13,18; 17,9) e também do critério moral (14,5; 1Cor 1,10); normalmente reto (7,23.25), mas se encontra pervertido (1,28; Ef 4,17; 1Tm 6,5; 2Tm 3,8; Tt 1,15) pela”carne” (Cl 2,18; cf. Rm 7,5) e deve ser renovado (12,2) no (ou: pelo) Espírito (Ef 4,23s; cf. Cl 3,10).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2131) comenta: O “homem interior” designa a parte racional do homem em oposição ao homem exterior (2Cor 4,16a), que é seu corpo passível e mortal. Este tema de origem grega é destino do tema do homem “velho” e “novo” (Cl 3,9-10) que resulta da escatologia judaica. Paulo chega a falar do homem “interior” no sentido cristão do homem “novo” (2Cor 4,16b; Ef 3,16).

Infeliz que eu sou! Quem me libertará deste corpo de morte? Graças sejam dadas a Deus, por Jesus Cristo, nosso Senhor (vv. 24-25a).

A Bíblia do Peregrino (p. 2718) comenta: O grito agradecido da vitória responde ao grito desesperado da derrota. Com mais força do que no esquema tradicional de perigo – libertação – ação de graças (Sl 40,2).

Já se introduz o próximo cap. 8: quem me libertará do meu “eu” cativo do pecado e votado à morte, a fim de quem eu possa revestir um “eu” novo em Jesus Cristo (8,1) e transformado pelo Espírito (8,5-11)

“O corpo desta morte” (lit.) é semitismo (cf. Rm 12,1). A Bíblia de Jerusalém (p. 2131) comenta: O corpo com os membros que o compõem (Rm 12,4; 1Cor 12,12.14s), isto é, o homem na sua realidade sensível (1Cor 5,3; 2Cor 10,10) e sexual (Rm 4,19; 1Cor 6,16; 7,4; Ef 5,28), interessa a Paulo como instrumento da vida moral e religiosa (para o AT, cf. Gn 2,21; Sb 9,15). Submetido pela tirania da “carne” (Rm 7,5) ao pecado (1,24; 6,12s; 7,23; 8,13; 1Cor 6,18) e à morte (Rm 6,12; 8,10), feito assim ”corpo de carne” (Cl 2,11; cf. 1,22), “corpo do pecado” (Rm 6,6; cf. Sb 1,4; 9,15) e “corpo de morte” (7,24), ele não é, entretanto, voltado ao aniquilamento, como queria o pensamento grego, mas ao contrário, segundo a tradição bíblica (Ez 37,10; 2Mc 7,9), é chamado à vida (Rm 8,13; 2Cor 4,10) pela ressurreição (Rm 8,11). O princípio desta renovação será o Espírito (5,5), substituindo a alma – psyché (1Cor 15,44) – e transformando o corpo do cristão à imagem do corpo ressuscitado de Cristo (Fl 3,21). Esperando pela libertação escatológica (Rm 8,23), o corpo do cristão libertado, em princípio, da “carne” por sua união à morte de Cristo (6,6; 8,3s), é desde agora habitado pelo Espírito Santo (1Cor 6,19), que o forma para uma vida nova de justiça e santidade (Rm 6,13.19; 21,1; 1Cor 7,34), meritória (2Cor 5,10) e que glorifica a Deus (1Cor 6,20; Fl 1,20).

Evangelho: Lc 12,54-59

Nos evangelhos de hoje e amanhã, Lc apresenta uma sequência sobre a urgência da conversão: um apelo a discernir os sinais presentes (vv. 54-56), uma parábola sobre a necessidade de colocar em ordem a própria alma antes do julgamento (vv. 57-59), um comentário sobre os fatos de atualidades que convidam a se converter (13,1-5), uma parábola sobre o último prazo concedido para dar fritos (13,6-9).

Desde 12,31, Jesus falava sobre a crise que haveria de chegar. No evangelho de hoje, mudam os destinatários: Jesus volta a falar agora à multidão, não só aos discípulos (cf. 12,1). A multidão representa agora Israel inteiro que se faz cego e não quer enxergar os “sinais dos tempos” (Mt 16,2s; o Concílio Vaticano II referiu-se várias vezes a este termo, cf. GS 4, § 205; cf. § 232; 1170; 1204; 1385; 1575). Os tempos messiânicos chegaram e urge compreender isso, pois o julgamento está próximo.

Jesus dizia às multidões: “Quando vedes uma nuvem vinda do ocidente, logo dizeis que vem chuva. E assim acontece. Quando sentis soprar o vento do sul, logo dizeis que vai fazer calor. E assim acontece” (vv. 54-55).

De fato, o momento de decisão está chegando e os sinais o anunciam. No correr do tempo uniforme há estações agrárias que o lavrador distingue. Em Israel, a chuva vem do Oeste (do mar; cf. 1Rs 18,44); os ventos do Sul e do leste trazem uma onda de calor (vindo do deserto).

Hipócritas! Vós sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu. Como é que não sabeis interpretar o tempo presente? Por que não julgais por vós mesmos o que é justo? (vv. 56-57).

No decorrer do tempo histórico há ocasiões e conjunturas prenhes de consequências. O mais importante é saber distingui-las. Os que sabem interrogar o aspecto da atmosfera para suas tarefas agrícolas não sabem interpretar a época da história para o destino transcendente. Sua conduta é uma farsa (significado de “hipócrita”; cf. 6,42; 13,15; Jó 34,30; 36,13).

O “tempo presente” (kairós) não é um tempo qualquer, mas o último (última oportunidade) em que é preciso “julgar o que é justo” e decidir (cf. At 4,19).

Quando, pois, tu vais com o teu adversário apresentar-te diante do magistrado, procura resolver o caso com ele enquanto estais a caminho. Senão ele te levará ao juiz, o juiz te entregará ao guarda, e o guarda te jogará na cadeia. Eu te digo: daí tu não sairás, enquanto não pagares o último centavo” (vv. 58-59).

Em Mt 5,25-26, o “último centavo” recebia do contexto uma aplicação social: como os irmãos da comunidade devem reconciliar-se e normalizar suas contendas. Em Lc tem alcance escatológico: o julgamento de Deus está próximo. É preciso apressar-se para pôr tudo em ordem. Enquanto Jesus está com seus contemporâneos (e conosco através do seu Espírito e seus embaixadores, cf. 2Cor 5,18-6,2), é tempo de possível reconciliação; mas quando chegar a hora do julgamento, será tarde demais.

O explícito, “eu te digo”, reforça a advertência: paga tua dívida agora, o julgamento está chegando, reconcilie-se com Deus enquanto podes.

O site da CNBB comenta: Devemos saber reconhecer o tempo em que estamos vivendo. Vivemos os últimos tempos, o tempo pós-pascal. Tempo de edificação do Reino de Deus na história dos homens. Tempo de fazer com que o mistério da cruz e da ressurreição produzirem frutos de fraternidade, justiça e solidariedade. Tempo de presença do Espírito Santo na vida de todos, tempo de crescimento no amor e na verdade. Tempo de reconciliação, de construção da paz e da vida nova. Tempo de sentir os apelos do reino que se manifestam na história, apelos para nos comprometermos com os pequenos, apelos para celebrarmos o Deus atuante na história.

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