26 de agosto de 2017 – Sábado, 20ª semana

 

Leitura: Rt 2,1-3.8-11; 4,13-17

Continua a história de Rute narrada num livro escrito depois da volta do exílio, no tempo de Esdras e Neemias (entre 450 e 350 a.C.). A Nova Bíblia Pastoral (p. 297) comenta na introdução do livro: Nele se mostra que a pertença ao povo eleito não está restrita à nacionalidade judaica e propõe a solidariedade como valor fundamental na reconstrução do país. Reivindica alguns direitos dos pobres: a lei da respiga, a proteção da terra e o levirato. É um protesto contra a política pós-exílica de isolamento social e eliminação dos estrangeiros, defendida pela teocracia de Jerusalém. Ao colocar uma mulher moabita como ancestral de Davi e modelo de solidariedade, o livro de opõe à proibição de matrimônios mistos (Ml 2,10-16; Ne 13,23-27).

Noemi tinha um parente por parte do marido, homem poderoso e muito rico, da família de Elimelec, chamado Booz. Rute, a moabita, disse à sua sogra: “Permite que eu vá ao campo apanhar espigas, onde possa encontrar quem se mostre clemente para comigo”. Noemi respondeu: “Vai, minha filha”. Rute foi, pois, colher espigas num campo atrás dos ceifeiros. Aconteceu que aquele era justamente o campo de Booz, parente de Elimelec (vv. 1-3).

A leitura de hoje introduz um novo personagem:  Booz, um parente rico e poderoso de Noemi, viúva de Elimelec. Por acaso, sua nora Rute vai catar espigas no campo dele. Os pobres, especialmente imigrantes, órfãos e viúvas, tinham o direito de recolher o restolho das espigas dos cortadores, com a permissão do dono do campo (cf. Lv 19,9; 23,22; Dt 24,19-22; cf. Mc 2,23). A presença de pobres que respigam nos campos indica a concentração de terras em mãos de um grupo (cf. Jó 24).

BP 478  … Primeiramente em relação a Noemi; se não, quem sabe com Rute. Se não é apto para o levirato, o será ao menos para o goelato (2,20). Nas listas genealógicas de Israel, o nome de Booz alcançou fama quase patriarcal: dom que recebe aquele que soube dá-lo.  2,2-3 Segundo Dt 24,19-22, o dinheiro de respigar cabe a migrantes, órfãos e viúvas. Booz dá à lei uma interpretação maximalista, usando um artificio para favorecer Rute.  2,3 Lv 23,22.

E Booz disse a Rute: “Ouve, minha filha, não vás apanhar espigas a outro campo, e não te afastes daqui, mas junta-te às minhas servas. Observa onde estão ceifando e vai atrás delas; pois ordenei aos meus servos que ninguém te moleste. Quando tiveres sede, vai aos cântaros e bebe da água de que bebem os meus servos”. Então Rute, caindo-lhe aos pés, inclinou-se profundamente e disse: “Como pude encontrar graça a teus olhos, e te dignaste fazer caso de mim, uma mulher estrangeira?” Respondeu-lhe Booz: “Contaram-me tudo o que fizeste por tua sogra, depois da morte de teu marido: como deixaste teus pais e a terra onde nasceste, e vieste para um povo que antes não conhecias” (2,8-11). 

Encontram-se o rico e a pobre (cf. o pessimismo em Pr 14,20; 18,23; 22,2; Eclo 13,1-24). Booz é exceção que dá a lei uma interpretação mais favorável para proteger e favorecer Rute (cf. 2,15s).

“Ouve, minha filha”, cf. a semelhança com o salmo do casamento do rei (Sl 45,11). “Minha filha” é título carinhoso, usado por Noemi (1,11s; 2,2.22; 3,1.16) e também por Booz, que parece mais velho que Rute (cf. 3,10s).

O tema de matar a sede justifica-se por estar num país quente, mas também pertence ao repertório de cenas amorosas: Rebeca e Raquel em Gn 24 e 29 (cf. Ex 2,16-22; Jo 4). Rute se prostra aos pés de Booz como mulher estrangeira que costuma ser desprezada (cf. Mt 15,25; cf. Jo 4,9). A Nova Bíblia Pastoral (p. 299) comenta: As mulheres que respigavam podia sofrer várias formas de violência: física, verbal e sexual (2,22). Booz protege e lhe dispensa tratamento especial. Rute é descrita como estrangeira, posição social inferior à do estrangeiro residente, grupo que é expulso de Jerusalém.

“Como deixaste teus pais e a terra onde nasceste, e vieste para um povo que antes não conhecias”, Rute tem a mesma atitude de Abraão (Gn 12,1), a mesma expressão “deixar” em 1,16; 2,11.16.20 (deixar os pais, cf. Gn 2,24; Sl 45,11).

Então Booz tomou Rute e recebeu-a como esposa. Uniu-se a ela e o Senhor concedeu-lhe a graça de conceber e dar à luz um filho (4,13).

A leitura pública da nossa liturgia omite o cap. 3, em que Noemi incentiva sua nora Rute para se deitar ao lado de Booz na noite ao fim da colheita. Este capítulo acumula expressões de possível sentido sexual, mas no fim faz saber o leitor que não acontece nada disso. Booz acorda com Rute ao seu lado e escuta com benevolência, o que Rute pede: não é um favor, mas dois direitos previstos em lei: o goelato, ou seja o resgate pelo qual o parente próximo deve impedir a alienação do patrimônio da família (Lv 25,23-25), e o levirato que obriga o irmão do falecido a desposar a viúva, a fim de perpetuar a descendência, herança e o nome do irmão morto (Dt 25,5-10; cf. Gn 38,7s; Rt 1,11-13; Mc 12,18-27). Booz se solidariza de fato, resgata o terreno de Noemi e se casa com Rute. Com o nascimento do filho, renascem as esperanças do povo pobre.

As mulheres diziam a Noemi: “Bendito seja o Senhor, que não permitiu que faltasse um sucessor à tua família e quis que o seu nome se conservasse em Israel, para que tenhas quem console a tua alma e te sustente na velhice, porque nasceu um menino de tua nora, que te ama e é para ti melhor que sete filhos” (4,14-15).

A casamenteira Noemi é parabenizada porque ela mostrou que os pobres não devem simplesmente ficar esperar, mas com bom senso, discernimento e coragem planejar seu caminho e fazer vale seus direitos. As mulheres que testemunharam a amargura de Noemi (1,19-21) agora testemunham as bênçãos de Javé por intermédio de uma estrangeira. No contexto de Neemias e Esdras, é um forte contestação frente à teologia oficial do povo eleito que proibiu casamentos mistos (cf. Esd 9-10; Ne 13,23-27; Ml 2,10-16) e desprezou estrangeiros em geral.

A Bíblia do Peregrino (p. 482) comenta: A benção das mulheres é mais efusiva; dirige-se a Noemi, não a Rute. Por que as mulheres se esquecem dos noivos e felicitam Noemi? Por que atribuem a ela o filho? Logicamente, o goel é de Rute, o sobrenome é de Quelion, o filho é de Booz. No plano simbólico rege outra lógica. Noemi é a viúva fiel à memória do marido, de um marido que se chama Meu-Deus-é-Rei. Noemi representa a comunidade carente de Israel, que continua fiel ao seu Senhor e rei, como Is 40-55 ensina repetidamente, ele é o da comunidade e fará com que esta tenha descendência. Com um neto, Noemi chega a terceira geração: “Verás os filhos de teus filhos. Paz para Israel!” (Sl 128,6).

“Não permitiu que faltasse um sucessor (lit. resgatador)” O termo é tomado em sentido geral. Não se trata do ato especifico de Booz, mas daquilo que o filho (“menino”) fará (cf. v. 15; 2,20). “Para que tenhas quem console a tua alma”; lit. fará renascer a tua vida. Não se trata nem de uma ressurreição nem de um culto aos mortos, mas de um reforço (conforto) do princípio de vida.

A nora estrangeira que não abandonou a sogra israelita e aderiu a fé em Javé (cf. 1,16s) é elogiada, “é para ti melhor que sete filhos”.

E Noemi tomou o menino, colocou-o no colo, e serviu-lhe de ama. As vizinhas congratulavam-se com ela, dizendo: “Nasceu um filho a Noemi!”, e deram-lhe o nome de Obed. Ele foi o pai de Jessé, pai de Davi (vv. 16-17).

“Colocou-o no colo, e serviu-lhe de ama” A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1290s) comenta: Trata-se do regaço, e não do seio, pois o termo é também usado para o homem, por ex. Ex 4,6; Nm 11,12; 2Sm 12,3.8; 1Rs 1,2; Is 40,11. É um gesto de adoção. Cf. Gn 30,3-8; 48,5.12; 50,23 para um outro rito.

Nasceu um filho a Noemi!”, na verdade, é o filho de Rute, mas o casamento e o nascimento deste filho é a garantia de vida para Noemi, ou seja, para Israel. A generosidade de Rute e de Booz faz assim de Noemi a ancestral do rei Davi.

A Bíblia do Peregrino (p. 482) comenta: O fato de as vizinhas escolherem e imporem o nome ao menino parece ser intrusão na competência do pai e da mãe. Além disso, o contexto não justifica o nome escolhido: Obed = Servo. Poderia ser abreviatura de Abdiel ou Abdias, correlativo de Elimelec, ou seja, servo de Deus – Meu Deus é Rei. Mas essa explicação não passa de especulação. Pode-se suspeitar que o relato original tinha outro nome e que alguém o substituiu para enganchar a genealogia de Davi.

O nome do filho Obed significa “servo” (subtendido: de Javé). Nas listas genealógicas de Israel, o nome de Booz alcançou fama quase patriarcal: dom que recebe aquele que soube dá-lo.  Colocando-o como avó do rei Davi, o livro espelha a esperança dos pobres de ter um rei a serviço da justiça. Assim esse matrimonio misto foi cheio de significado não só em si mesmo, mas nas suas consequências para a história de Israel e a estrangeira Rute recebe reconhecimento especial na genealogia do messias (Mt 1,3-4; cf. Rt 4,18-22; 1Cr 2,5-15).

O livro de Rute (vv. 18-20, omitidos) se encerra como começa o evangelho de Mateus: A genealogia de Jesus em Mt 1,1-17 elenca cinco mulheres no meio de tanto homens. Três são estrangeiras, as outras duas têm ligação com o exterior: duas cananeias, Tamar, mãe de Farés (Gn 38; Rt 4,12; Mt 1,3), e a prostituta Raab (Js, que Mt 1,5 apresenta como a mãe de Booz (!) que se casou com a moabita Rute, mãe de Obed cujo neto Davi fez a adultério com Betsabeia, “a mulher de Urias” (Mt 1,6), um estrangeiro heteu (2Sm 11,3). A quinta é Maria, mãe do messias, o descendente (“filho”, Mt 1,1) de Davi e de Abraão por quem a benção e a salvação atinge a todos os povos (Mt 28,19).

Evangelho: Mt 23,1-12

Costuma-se dividir o evangelho de Mt através de cinco grandes discursos (cap. 5-7: sermão da montanha; 10: sobre missão; 13: parábolas; 18: vida na comunidade; 24-25: escatológica, ou seja, últimos tempos). Compara-se este número ao “Penta-teuco”, aos primeiros cinco livros da Bíblia chamados de “Lei (Torá) de Moisés”. Mas Mt escreveu mais um discurso que antepôs ao discurso escatalógico: é um capítulo inteiro em 23,1-39 contra “os mestres da lei e os fariseus”. Na sua primeira fonte, Mc 12,38-40, havia apenas três versículos; na sua segunda fonte (chamada Q, uma coleção de palavras em comum com Lc), apenas 13 versículos (Lc 11,39-52).

É possível distinguir um retrato de escribas e fariseus (vv. 1-12; evangelho de hoje), em seguida sete lamentações (começam com “Ai”; vv. 13-31, cf. Is 5,8-23; Hab 2,6-20), duas invectivas (vv. 32-33) e um anúncio terrível do julgamento (vv. 34-36).

Para entender melhor esta polêmica contra os fariseus, há de considerar a situação do evangelista e sua comunidade judeu-cristã. Jesus histórico não condenou a doutrina dos fariseus em todas as partes, apenas sua observância exterior da lei e sua vaidade (cf. Mc 7,1-23; 12,38-40). Entre todos os grupos religiosos da época, Jesus estava mais próximo dos fariseus, muito mais do que dos sacerdotes no templo (saduceus; não acreditavam na ressurreição; cf. At 23,8; Mc 12,18) ou dos zelotas (fanáticos políticos, terroristas; cf. Mc 15,7.27; At 5,36-37) ou dos essênios (fanáticos religiosos com rituais de pureza exclusiva no deserto, em Qumran).

Mas depois da derrota dos judeus na Guerra Judaica contra os romanos e a destruição do templo (70 d.C.) restou apenas um desses grupos para liderar o judaísmo: os fariseus, ou seja, os rabinos, mestres (doutores) da lei. Por acreditarem no messias Jesus e não terem participado da guerra nacionalista, os cristãos do tempo de Mt já eram hostilizados pelos judeus. No sínodo de Jâmnia (perto de Tel Aviv) em 90 d.C., os rabinos excluíram os cristãos definitivamente da sua religião, ou seja, “excomungaram” os cristãos da sinagoga (cf. Jo 9,22). Com isso, os cristãos perderam o privilégio dos judeus de serem isentos da adoração obrigatória aos deuses romanos e ao imperador de Roma; em seguida houve perseguições dos cristãos pelos romanos (cf. Ap 13: a “besta-fera” que veio do mar é o imperador romano). Mt escreve poucos anos antes da excomunhão pelos judeus (80 a 85 d.C.), daí se explica sua polêmica acirrada contra os fariseus e seus rabinos. Não se deve traduzir está polêmica ao pé da letra para nossa relação com o judaísmo de hoje, a qual melhorou muito através do Concílio Vaticano II e dos papas recentes.

A crítica dura de Mt se explica pela situação histórica do autor e da sua comunidade, não é objetiva e não concorda com a descrição dos letrados fariseus por outras fontes. Por outro lado, é possível e conveniente tomar o texto como descrição de tipos que podemos encontrar em outros grupos religiosos, inclusive na nossa própria Igreja e na comunidade.

Jesus falou às multidões e a seus discípulos: “Os mestres da Lei e os fariseus têm autoridade para interpretar a Lei de Moisés. Por isso, deveis fazer e observar tudo o que eles dizem. Mas não imiteis suas ações! Pois eles falam e não praticam” (vv. 1-3).

A introdução faz o texto soar como denúncia pública “às multidões e seus discípulos” (v. 1). “Os mestres da lei e os fariseus tem autoridade para interpretar a lei de Moisés” (v. 2, lit. “estão sentados na cátedra de Moisés”). Escritos rabinos imaginam Moisés sentado numa cadeira (cátedra) para ensinar, como fundador de uma tradição oral que os doutores dizem conservar e transmitir; significa o ensinamento autorizado de Moisés para futuras gerações (Dt 4,2; 32,46). Jesus reconhece a autoridade oficial deles, e ele mesmo “se senta” para ensinar (5,1-2; 13,2; 26,55). “Deveis fazer e observar tudo o que eles dizem” de acordo com Moisés (cf. Mc 7,1-13p e o comentário de 3ª feira da 5ª semana comum). Jesus denuncia a contradição dizer e não fazer, “não imiteis suas ações, pois eles falam e não praticam” (v. 3).

Amarram pesados fardos e os colocam nos ombros dos outros, mas eles mesmos não estão dispostos a movê-los, nem sequer com um dedo. Fazem todas as suas ações só para serem vistos pelos outros. Eles usam faixas largas, com trechos da Escritura, na testa e nos braços, e põem na roupa longas franjas. Gostam de lugar de honra nos banquetes e dos primeiros lugares nas sinagogas. Gostam de ser cumprimentados nas praças públicas e de serem chamados de Mestre (vv. 4-7).

Fardos pesados parecem ser as múltiplas observâncias da lei que os fariseus impõem. Jesus, porém, propõe um “jugo leve” (cf. 11,29-30), ou seja, sua interpretação da lei é libertadora, porque simultaneamente com uma lei renovada (cf. 5,20-48; 7,12; 15,1-20; 22,34-40), transmite a alegria do Reino (5,3-12; 13 etc.), cujo acesso é confiado a Pedro (16,19), mas está bloqueado pelos escribas e fariseus (v. 13: “Ai de vós, escribas e fariseus hipócritas, porque bloqueais o Reino dos Céus diante dos homens”). Os hipócritas “fazem todas as suas ações só para serem vistos pelos outros” (v. 5; cf. 6,1-18 e o comentário de 4ª feira de cinzas).

“Eles usam faixas largas”, chamadas de filactérios, pequenos estojos que contém uma reprodução de textos essenciais da lei (Ex 13,1-10; 13,11-16; Dt 6,4-9; 11,13-21). Segundo a lei, os judeus os atam ao braço esquerdo ou sobre a testa (Nm 15,38-39; Dt 6,8-9). “Põem na roupa longas franjas”; todos os judeus, inclusive Jesus (cf. 9,20), as usavam, mas os fariseus ampliavam a largura; elas eram guarnecidas de um filete roxo, símbolo do céu e deviam recordar os mandamentos de Deus.

A vaidade dos fariseus (vv. 6-7) já foi descrito em Mc 12,38-39 (cf. Pr 25,6-7; Eclo 13,8 -9; Lc 14,7-10), exceto de “gostam… de serem chamados de mestre” (lit. “rabi”, palavra hebraica que significa “meu mestre”), título oficial dos doutores judeus depois de 70 d.C., os “rabinos” (até hoje). Em Mt, só o traidor Judas chama Jesus de “rabi” (26,25.49). O próprio Jesus era chamado de “Rabbúni” (aramaico; cf. Mc 10,51; Jo 20,16).

Quanto a vós, nunca vos deixeis chamar de Mestre, pois um só é vosso Mestre e todos vós sois irmãos. Na terra, não chameis a ninguém de pai, pois um só é vosso Pai, aquele que está nos céus. Não deixeis que vos chamem de guias, pois um só é o vosso Guia, Cristo. Pelo contrário, o maior dentre vós deve ser aquele que vos serve (vv. 8-11).

Agora Jesus dirige palavras polêmicas aos seus discípulos (vv. 8-11): “Quanto a vós, nunca vos deixeis chamar de mestre” (v. 8, cf. Tg 3,1). Mestre único é o “Senhor” (Javé; Is 48,17) e agora  é Jesus (8,9; Jo 13,14 etc.). “Pai” parece aqui como título honorífico (Jz 17,10; Is 9,5; cf. Mt 8,21-22). Esta recomendação (só em Mt) não foi obedecida pela Igreja, ao contrário: as palavras “padre” ou “papa” significam “pai”, papel que já Paulo se atribuiu (1Cor 4,14-17; 1Ts 2,11; Fm 10; cf. Hb 12,5-7; 1Jo 2,1 etc.)

No AT, o título “pai” era usado para os antepassados (cf. Ex 20,5; Jr 31,29s), para um ancestral (Js 19,47; 2Rs 16,2) ou fundador de profissão (Jr 35,5s), como título honorífico (Is 9,5), no tratamento educado (1Sm 24,12) e na metáfora (Jó 38,28); o mestre considera seus alunos de filhos (cf. na leitura sapiencial Pr 1,6 etc.; Eclo 2,1; 3,1 etc.). Poucas vezes, Deus é chamado de Pai no AT (Jr 31,9; Is 64,7), mas ele tem Israel (Dt 8,5; Os 11,1) ou o rei (2Sm 7,14; Sl 2,7) como seu filho.

Esses versículos não proíbem exercer um ministério de mestre ou catequista (cf. 5,19; 13,52), mas criticam a quem usurpar uma autoridade que só pertence a Cristo e a Deus. Os discípulos não devem ser mais uma elite numa sociedade hierárquica com títulos e vaidades, mas humildes servidores (cf. Lc 17,7-10; 2Cor 1,24) uns aos outros: “todos vós sois irmãos” (v. 8) e “o maior dentre vos deve ser aquele que vos serve” (v. 11; cf. 20,26; Jo 13).

O Vaticano II exprimiu muito bem que autoridade na Igreja é serviço (LG 18; 27; CD 16…), mas ainda resta perguntar: a nossa Igreja (comunidade) se parece mais com os fariseus ou com uma sociedade fraterna e alternativa que Jesus queria?

Quem se exaltar será humilhado, e quem se humilhar será exaltado (v. 12).

O evangelho de hoje termina com uma frase de alcance geral (v. 12; cf. Jó 22,29; Pr 15,33; 29,33; Lc 1,52) aplicada à comunidade cristã.

O site da CNBB resume: Dois elementos são importantes para nós a partir da leitura do Evangelho de hoje. O primeiro é que nenhum ser humano pode ser para nós modelo absoluto para a vivência do Evangelho, uma vez que todas as pessoas são pecadoras. O segundo é que não podemos fazer da religião forma de relação de poder e de promoção pessoal. As distinções que existem na vida religiosa devem ser de cargos e funções, porque existem ministérios diferentes, mas todos na Igreja têm uma dignidade igual: a de filhos e filhas de Deus. Mesmo dentro da Igreja, a hierarquia só pode ser concebida à luz do Evangelho e a partir do conceito de serviço.

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