26 de Novembro de 2019, Terça-feira: Jesus respondeu: “Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu! – e ainda: O tempo está próximo. – Não sigais essa gente! ” (vv. 7-8).

34ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Dn 2,31-45

Os caps. 1-6 de Dn são histórias edificantes de um jovem sábio na corte do rei estrangeiro (como outros escritos de sabedoria, Est e Tb; um exemplo antigo é a novela de José no Egito em Gn 37-50). Por isso, na Bíblia hebraica, o livro de Dn está entre os livros sapiências, não entre os proféticos. Na leitura de hoje, ouvimos um primeiro exemplo da “sabedoria” de Daniel. Como José interpretou o sonho do Faraó (Gn 41), Daniel adivinha e interpreta o sonho do rei babilônico Nabucodonosor.

Tu, ó rei, olhavas, e pareceu-te ver uma estátua grande, muito alta, erguida à tua frente, de aspecto aterrador (v. 31).

Na Antiguidade, os sonhos premonitórios ocupavam lugar de destaque e sua interpretação constituía uma parte importante das técnicas divinatórias. Como na novela de José no Egito, a impotência da adivinhação pagã é enfatizada: só Deus, dono dos tempos e da história, conhece o segredo do futuro e o revela por meio de seus profetas (Dn 2,1-24).

Os sonhos sobrenaturais se prestam às comunicações de Deus com o homem (cf. os caps. 4 e 7). Comparar com os sonhos de Abraão (Gn 15,12), Abimelec (Gn 20,3), Jacó (Gn 28, 10-22; 31,11.24), José (Gn 37,5), Salomão (1Rs 3,5), e no NT (cf. Mt 1,20; 2,12.13.19.22; 27,19: At 16,9; 18,9; 23,11; 27,23); contrário é Eclo 34,1-8. A estátua não é como em cap. 3, um obelisco ou uma estela, mas um colosso composto. Seu “aspecto aterrador” convém a uma visão sobrenatural que anuncia o julgamento de Deus.

A cabeça da estátua era de ouro fino, peito e braços eram de prata, ventre e coxas, de bronze; sendo as pernas de ferro, e os pés, parte de ferro e parte de barro. Estavas olhando, quando uma pedra, sem ser empurrada por ninguém, se desprendeu de algum lugar, e veio bater na estátua, em seus pés de ferro e barro, fazendo-os em pedaços; então, a um só tempo, despedaçaram-se ferro, barro, bronze, prata e ouro, tudo ficando como a palha miúda das eiras, no verão, que o vento varre sem deixar vestígios; mas a pedra que atingira a estátua transformou-se num grande monte e encheu toda a terra (vv. 32-35).

A Bíblia do Peregrino (p. 2132) comenta: A brevidade e a lucidez da descrição convencem o rei e, artisticamente, também o leitor. A grandeza colossal, o brilho deslumbrante, a queda súbita, o cenário varrido pelo vento e enchendo-se com a montanha, acontecem em poucas frases certeiras. Reina o silêncio, quebrado pelo choque final.

Uma estátua, para a mentalidade bíblica, é “produto de mãos humanas”, ao passo que a pedra se desprende da montanha empurrada por ninguém (lit. “sem as mãos”, cf. Is 31,8). Salvando as diferenças, vem à memória a estátua do bezerro de ouro que Moisés reduziu a pó (Ex 32), “como palha” (cf.  Sl 1,4; 18,43).

Este foi o sonho; vou dar também a interpretação, ó rei, em tua presença (v. 36).

O sonho de Nabucodonosor é uma alegoria. A história pode reduzir-se a uma sucessão de impérios, em poderio decrescente, controlados por Deus; no final, repentinamente, chega o reinado que Deus inaugura (o mesmo esquema de Dn 7). Graças ao artifício da ficção, aquilo que na mente do autor (séc. II a.C) era olhar retrospectivo, na boca do personagem (Daniel no exilio babilônico, séc. VI a.C.) se converte em profecia antecipada.

Tu és um grande rei, e o Deus do céu te deu a realeza, o poder, a autoridade e a glória; ele entregou em tuas mãos os filhos dos homens, os animais do campo e as aves do céu, onde quer que habitem, e te constituiu senhor de todos eles: tu és a cabeça de ouro (v. 37-38).

O termo “Deus do céu” (vv. 18s.37.44) é comum nos textos do pós-exílio e representam uma fórmula para designar o Deus dos judeus em ambientes estrangeiros (cf. Esd 5,11; 6,9s; Jt 5,8; Ne 1,4; 2,4.20; Tb 7,12).

A estátua aqui significa a projeção do tempo no espaço, para que possamos assistir ao desmoronamento instantâneo de um longo processo, que parece acumulado e como que congelado. Mas, em vez de proceder de baixo para cima, por sedimentação, como faríamos nós, mentalizados pela arqueologia, o autor começa de cima para baixo. Porque em hebraico a cabeça é o começo (en-cabeça-mento) e as primícias, o capit-al (em latim caput, é cabeça). A expressão do poder do rei como “senhor de todos eles” conserva algo do poder de Adão, representado como senhor da criação inteira (cf. Gn 1,28; 2,19s; Sl 8,7-9; inspirado em Jr 27,6 e 28,14; cf. Br 3,16). O poder de Nabucodonosor foi lhe concedido por Deus, e lhe vem não do seu pretenso caráter divino (os reis do Antigo Oriente consideravam a si mesmos divinos; cf. cap. 3, também Jt 3,8; 6,2; 11,7).

Depois de ti, surgirá outro reino, que é inferior ao teu, e ainda um terceiro, que será de bronze, e dominará toda a terra. O quarto reino será forte como ferro; e assim como o ferro tudo esmaga e domina, do mesmo modo, à semelhança do ferro, ele esmagará e destruirá todos aqueles reinos. Viste os pés e dedos dos pés, parte de barro e parte de ferro, porque o reino será dividido; terá a força do ferro, conforme viste o ferro misturado com barro cozido. Viste também que os dedos dos pés eram parte de ferro e parte de barro, porque o reino em parte será sólido e em parte quebradiço. Quanto ao ferro misturado com barro cozido, haverá de certo ligações por via de casamentos, mas sem coesão entre as partes, assim como o ferro não faz liga com o barro (vv. 39-43).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1364) comenta: A história dos impérios pagãos se apresenta como uma degradação progressiva, metais de valor decrescente, segundo as antigas especulações sobre as idades do mundo: o ouro é seguido pela prata, depois pelo bronze, a seguir o ferro, depois por uma mistura frágil de ferro e de cerâmica; a estátua de cabeça de ouro repousa sobre pés de argila! Por trás dessa representação alegórica, se reconhece a sucessão dos impérios que, seguindo um esquema convencional retomado no cap.7, dominaram o antigo Oriente: Babilônia (ouro), a Média (prata), a Pérsia (bronze), cuja universalidade o autor enfatiza, e depois o império de Alexandro o Grande (ferro); após Alexandre, seu reino é dividido entre o Egito dos Lágidas e a Síria dos selêucidas (ferro e cerâmica).

Esta estátua de matérias inorgânicas significa uma concepção esquemática e reduzida. Ficam de fora os impérios, hitita e assírios, e os reinos menores. Por quê? – Porque Nabucodonosor e o desterro são considerados o começo de uma nova era. Além disso, o processo não é orgânico: não vemos causas, não assistimos ao amadurecer dos acontecimentos, não percebemos o movimento dialético.

“No tempo desses reinos, o Deus do céu suscitará um reino que nunca será destruído, um reino que não passará a outro povo; antes, esmagará e aniquilará todos esses reinos, e ele permanecerá para sempre. Quanto à pedra que, sem ser tocada por mãos, se desprendeu do monte e despedaçou o barro cozido, o ferro, o bronze, a prata e o ouro, o grande Deus faz saber ao rei o que acontecerá depois, no futuro. O sonho é verdadeiro, e sua interpretação, fiel” (vv. 44-45).

A Bíblia do Peregrino (p. 2133) comenta: O material do novo reino é pedra sólida ou rocha; a montanha representa o estável e duradouro (Gn 49,26; Hab 3,6). No contexto do autor, a pedra é o povo escolhido; a leitura messiânica se impõe mais tarde.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1364) comenta: Tudo isso desemboca no julgamento de Deus, que porá fim ao poderio dos impérios humanos e preparará à instalação de seu Reino. Nessa perspectiva de apocalipse, encontra-se sob uma forma nova a antiga escatologia dos profetas.

Diferente dos profetas antigos que anunciavam um “dia de Javé” para fazer justiça aos fiéis de Israel (Am 5,18s), o gênero apocalíptico é mais universal e escatológico: O “reino de Deus” se estenderá sobre todos os povos e será sem fim. A expectativa do fim do mundo está presente no livro todo (Dn 2,44; 3,33; 4,31; 7,14). Deus se encarregará de fazê-lo chegar – dentro de um prazo que Ele fixou, mas que abrange a duração da humanidade.

Através de Daniel, o Deus dos judeus enfrenta o imperador do mundo. Não exige de que “solte seu povo” (Moisés ao faraó em Ex 5,2). Deus é um salvador escatológico; Nabucodonosor não pode fundar uma dinastia perpétua, nem todas as dinastias sucessivas encherão a medida da perpetuidade.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1683) comenta: Todos os impérios terrestres se desmoronarão para dar lugar a um reino novo, eterno, porque estabelecido em Deus: é o Reino dos Céus, do qual fala Mt 4,17. Jesus, que designará a si mesmo como o Filho do Homem (cf. Dn 7,13 e Mt 8,20 etc.), aplicará também a si imagem da pedra angular, antes rejeitada, do Sl 118,22, e da pedra basilar de Is 28,16, com clara alusão à pedra destacada da rocha, a qual esmaga aquele sobre quem ela cair (cf. os vv. 34 e 44-45; ver Mt 21,42-44 e Lc 20,17-18).

 

Evangelho: Lc 21,5-11

Ouvimos o início do discurso “escatológico”, ou seja, “doutrina sobre as últimas coisas” (vida após a morte, fim do mundo, juízo final). Lc se serve de duas fontes: de Mc e de Q (uma coleção de palavras de Jesus, perdida como tal na história, mas preservada em partes dentro de Lc e Mt). Lc inseriu a escatologia de Q já durante a viagem de Jesus a Jerusalém (17,22-37) e copia o discurso final de Jesus de Mc 13 em Lc 21, enquanto Mt reuniu as duas fontes num discurso único (Mt 24-25). Em 17,22-37, Lc, utilizando uma das suas fontes (Q), já se referiu à parusia, ou seja, a “vinda” gloriosa de Jesus no fim dos tempos. Aqui, como Mc e a outra fonte, Lc trata da ruína de Jerusalém (cf. 19,44), mas sem confundi-la com o fim do mundo (mesclado em Mt 24-25).

Algumas pessoas comentavam a respeito do Templo que era enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas. Jesus disse: “Vós admirais estas coisas? Dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído” (vv. 5-6).

Um salmo canta a beleza do monte Sião, onde se ergue o templo salomônico (Sl 48). Depois da destruição pelos babilônios (586 a.C.), os profetas Ageu e Zacarias ocupam-se com a reconstrução por ação de Zorobabel (520 a.C.). Na época de Jesus, durante 46 anos (Jo 2,20) o templo foi reformado em grande estilo por Herodes, de cuja magnificência restam mostras ou vestígios até hoje (por ex. o muro das lamentações).

Em Mc 13,1-3, Jesus saiu do templo e sentou-se no monte das oliveiras falando a Pedro, Andre, Tiago e João. Mas Lc 21,5-7 omite estes detalhes dando impressão de que Jesus continua no templo falando à multidão. Para Lc, o anúncio apocalíptico é público, nada de segredos esotéricos. Lc destaca mais a beleza do templo, lugar central do seu evangelho que inicia e encerra no templo (Lc 1,8; 24,53) “enfeitado com belas pedras e com ofertas votivas.” No entanto, “dias virão em que não ficará pedra sobre pedra. Tudo será destruído”.

O mesmo aconteceu já no ano 586 a.C. “O Senhor repudiou seu altar, desfez seu santuário… estendeu o prumo e não retirou a mão que derrubava” (Lm 2,5-9; cf. Sl 74). Não deixar pedra sobre pedra é fórmula estereotipada. Em Lc 19,41-44, o choro de Jesus, quando viu a cidade, já anunciou a guerra e a destruição pelos romanos que aconteceria em 70 d.C.

Mas eles perguntaram: “Mestre, quando acontecerá isto? E qual vai ser o sinal de que estas coisas estão para acontecer?” Jesus respondeu: “Cuidado para não serdes enganados, porque muitos virão em meu nome, dizendo: Sou eu! – e ainda: O tempo está próximo. – Não sigais essa gente! ” (vv. 7-8).

A pergunta sobre o sinal para saber quando chegará o fim, se refere à destruição do templo; a resposta afasta o horizonte até o tempo da Igreja, advertindo sobre seduções de impostores, abusando do título de messias-Cristo (“sou eu”). “O tempo está próximo” (ou “chega a hora”, “chegou o momento”); Ezequiel martela este tema de forma obsessiva (Ez 7,12; cf. Dn 7,22).

A Bíblia do Peregrino (p. 2526) comenta: Em tempo de crise surgem os exaltados e os astutos se aproveitam, como os falsos profetas (cf. Dt 13,2-6) e pretendentes de messias, p. ex. os casos de Teudas e Judas, referidos por Lucas (At 5,36-37).

José Luiz Gonzaga do Prado (Vida Pastoral, n.º 312, p. 37s) comenta: Na Galileia, grupos de pequenos proprietários, em consequência da exploração exercida pelo império romano e das altas taxas de juros cobradas pelos judeus ricos, perderam tudo o que possuíam e passaram a formar quadrilhas de assaltantes, então chamados de lestês, bandidos. Chegavam a assaltar uma caravana romana e depois repartir os alimentos nas aldeias, pois o povo morria de fome. No ano 66 (36 anos depois da morte de Jesus), eles entraram em Jerusalém, queimaram os documentos de suas dívidas, que lá estavam, e dominaram a cidade. Foi a grande revolta.

Seus líderes passaram, logo em seguida, a competir entre si, cada qual reivindicando o título de Messias, pretendendo ser a realização das esperanças de todo o povo. Cada um dizia: “O Messias, o salvador da pátria, sou eu!”, “chegou a hora!”. O Evangelho aconselha os discípulos de Jesus a não acreditar nisso nem se apavorar com a guerra em curso.

Quando ouvirdes falar de guerras e revoluções, não fiqueis apavorados. É preciso que estas coisas aconteçam primeiro, mas não será logo o fim.” E Jesus continuou: “Um povo se levantará contra outro povo, um país atacará outro país. Haverá grandes terremotos, fomes e pestes em muitos lugares; acontecerão coisas pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu” (vv. 9-11).

Enquanto Mc visou aqui o fim do mundo (cf. Mc 13,10), Lc parece pensar apenas no fim do templo (70 d.C.) que já aconteceu dez anos antes da redação do seu evangelho. “Guerras e revoluções” (como as revoltas em Roma entre 68-70 e o início da guerra judaica em 66 d.C.), “povo contra povo” (cf. Is 19,2; 2Cr 15,6), “terremotos, fomes” (cf. Is 14,30; Zc 14,4s; Ap 6,1-17) e – Lc acrescenta: “pestes”, “coisas (fenômenos) pavorosas e grandes sinais serão vistos no céu”, talvez Lc esteja pensando na erupção vulcânica do Vesúvio na Itália em 79 d.C. que criou uma nuvem gigantesca de brasa e cinza e enterrou as cidades Pompeia e Herculano? Ou usa sinais genéricos: fome, peste e espada são quase tópicos (Is 19,2-3; Jr 21,9-10)?

Mas apesar de tudo isso, “não fiqueis apavorados, … não será logo o fim” (cf. 2Ts 2,2). Em tempo de crise, que não se deixem vencer pelo pânico (Jr 30,10). O aviso precedente deverá ressoar em cada situação semelhante.

O site da CNBB comenta: Não podemos pôr na realidade material o sentido final da nossa vida e a causa da nossa felicidade, pois o mundo material é transitório e só encontra o seu verdadeiro sentido enquanto é relacionado com o definitivo, ou seja, o mundo espiritual, e contribui para que a pessoa encontre nos valores que não são transitórios a causa da sua vida e da sua felicidade. Assim, devemos ser capazes de submeter os valores transitórios aos valores definitivos, pois somente eles podem nos garantir a nossa plena realização.

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