26 de Outubro de 2019, Sábado: Vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás” (vv. 6-9).

29ª Semana do Tempo Comum 

Leitura: Rm 8,1-11

Na leitura desta carta mais volumosa de Paulo, chegamos ao ápice da carta, uma das páginas mais ricas e mais belas de Paulo e da literatura religiosa da humanidade. Palavra-chave é Espírito/espírito, repetida 29 vezes neste cap. que pode ser denominado “a vida no/pelo Espírito”.

“Quem me livrará?” (7,24) gritava no final do parágrafo anterior que apresentava a lei da carne (do instinto ou da sensualidade) em nossos membros. Agora o texto responde: o Cristo (Messias), infundindo-me um princípio novo e mais poderoso, o Espírito Santo. Só o Espírito capacita para cumprir a lei e assegurar a vida (cf. Sl 51,12-14; Ez 36,27); sem aniquilar o instinto o submete e supera.

A leitura de hoje é uma explanação por oposição dos dois poderes: pneuma/sarx, ou seja,Espírito” e “carne”. A palavra “carne”, em grego sarx, corresponde ao hebraico basar, que designa qualquer ser vivo, em especial o ser humano na sua condição fraca e caduca. Paulo emprega a palavra oposta ao “espírito”, em grego pneuma, que pode designar o “espírito” humano (com letra minúscula) ou o divino (“Espírito” com letra maiúscula em português; mas na época de Paulo, não existiam ainda letras minúsculas). Das diversas traduções propostas em português, “carne” desfoca o significado, devido a nossos hábitos linguísticos; melhor seria “instintos egoístas” (antiga Bíblia Pastoral) ou “baixos instintos”.

A Bíblia do Peregrino prefere simplesmente “instinto”, polarizado pelo espírito, e comenta (p. 2719): Pois bem, o instinto é um dinamismo no homem que inspira e promove ações; mas, deixado a si, se opõe a Deus e conduz à morte definitiva (cf. Gn 6,3.5). O Espírito de Deus ou do Messias se instala em nosso espírito como princípio de vida nova. Primeiro, inspira ações concordes com ele; depois estende seu poder até vivificar o corpo mortal. Vence a fragilidade ética e a caducidade orgânica do homem. Salva o homem inteiro.

Não há mais condenação para aqueles que estão em Cristo Jesus. Pois a lei do Espírito que dá a vida em Jesus Cristo te libertou da lei do pecado e da morte (vv. 1-2).

O início do cap. corresponde bem ao seu final (cf. vv. 30-39; Jo 3,18: “Quem nele crê, não é julgado”). Ao regime do pecado e da morte, Paulo opõe o regime novo do Espírito (cf. 3,27: lei da fé).

A Bíblia do Peregrino (p. 2719) comenta: Condenação, em virtude das cláusulas penais da lei (Dt 27-28). Lei significa aqui um regime particular: poder, jurisdição e também o modo de exercê-lo. Morte aliada com Pecado impõe uma lei tirânica que escraviza o homem. O Espírito, pela mediação do Messias, impõe uma lei mais forte, que liberta todos os escravos e os destina à vida.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2185) comenta: Esta expressão é como um resumo de Jr 31,33 e Ez 36,27; 37,14. Renovado e transformado pelo Espirito de Deus dado por Jesus, o crente pode obedecera à vontade de Deus, que não é mais para ele um constrangimento exterioras a lei interior da sua vida nova.

Com efeito, aquilo que era impossível para a Lei, já que ela estava enfraquecida pela carne, Deus o realizou; tendo enviado seu próprio Filho numa condição semelhante àquela da humanidade pecadora, e por causa justamente do pecado, condenou o pecado em nossa condição humana, para que toda a justiça exigida pela Lei seja cumprida em nós que não procedemos segundo a carne, mas segundo o Espírito (vv. 3-4).

A “lei” mosaica era impotente: primeiro, por que mandava e proibia de fora sem comunicar a força interior para obedecer; segundo, “enfraquecida pela carne”, pela resistência ou fragilidade do homem instintivo; não era um princípio de salvação (7,7). Só Cristo, destruindo a “carne” em sua pessoa, por sua morte, pode destruir o pecado que nela reinava. A “carne” é a condição humana mortal, é o terreno onde o Messias enfrenta o Pecado, provocando-o para derrotá-lo (cf. Is 8,9s; 14,25), sem contaminar-se e cumprindo o conteúdo válido da lei.

A Bíblia do Peregrino (p. 2719) comenta:  A “carne” humana é impotente; a carne humana de Jesus Cristo se expõe à agressão mortal do Pecado, para vencer o Pecado morrendo, e a Morte ressuscitando.

“Deus o realizou; tendo enviado seu próprio Filho numa condição semelhante àquela da humanidade pecadora”; Paulo enuncia claramente certa preexistência de Cristo, enquanto Filho de Deus (cf. Fl 2,6s; Gl 4,4). O Cristo assume plenamente o destino da nossa condição pecadora sem ser ele mesmo, de modo algum, pecador (2Cor 5,21; Hb 4,15).

“Condenou o pecado em nossa condição humana”. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2185) comenta: Essa condenação realizada na “carne” de Cristo crucificado é única e definitiva; ela põe fim à dominação do pecado sobre a “carne” do crente, o qual se tronou solidário com o ato de obediência e amor do Cristo.

“Toda a justiça exigida pela Lei seja cumprida em nós”; esta justiça é a conformidade com a vontade de Deus (cf. 5,18). Outro veem nela a sentença de condenação (cf. 1,32), pronunciada pela lei contra o pecador e que Cristo sofreu em nosso lugar (cf. Is 53). A Bíblia de Jerusalém (p. 2132) comenta: Este “preceito da lei”, cujo cumprimento só é possível pela união com Cristo através da fé, resume-se no mandamento do amor (Cf 13,10; Gl 5,14 e já em Mt 22,40; cf. Rm 7,7).

Os que vivem segundo a carne aspiram pelas coisas da carne; os que vivem segundo o Espírito, aspiram pelas coisas do Espírito. Na verdade, as aspirações da carne levam à morte e as aspirações do Espírito levam à vida e à paz. Tudo isso, porque as tendências da carne são inimizade contra Deus: não se submetem – nem poderiam submeter-se – à Lei de Deus (vv. 5-7).

O instinto (a “carne”) é de conservação e desenvolvimento, é também egoísmo e egocentrismo. Mas o ser humano não se realiza pelo egoísmo, antes se consome e fracassa: tende à morte. Segundo a psicanálise de S. Freud, o homem não só tem uma tendência ao prazer (libido), mas tem outra tendência à morte. Não aceitando os mandamentos restritivos de Deus (cf. Gn 2,17), considera Deus como rival (cf. Is 30,9-11).

Os que vivem segundo a carne não podem agradar a Deus. Vós não viveis segundo a carne, mas segundo o espírito, se realmente o Espírito de Deus mora em vós. Se alguém não tem o Espírito de Cristo, não pertence a Cristo (vv. 8-9).

Nos vv. 9.11 fica evidente, que Paulo não fala apenas do espírito humano (cf. vv. 15s; 1,9), mas do “Espírito de Deus” (v. 14; cf. 5,5: “Espírito Santo”). A Bíblia do Peregrino (p. 2719) comenta: O Espírito do Messias é o Espírito de Deus. É dom de Cristo aos que creem nele; portanto, se alguém não o possui, é sinal de que não é cristão, não pertence a Cristo. É o pedido do Sl 51,12-14 no novo contexto cristão.

Se, porém, Cristo está em vós, embora vosso corpo esteja ferido de morte por causa do pecado, vosso espírito está cheio de vida, graças à justiça. E, se o Espírito daquele que ressuscitou Jesus dentre os mortos mora em vós, então aquele que ressuscitou Jesus Cristo dentre os mortos vivificará também vossos corpos mortais por meio do seu Espírito que mora em vós (vv. 10-11).

“Por causa do pecado”, o “corpo” (cf. 6,6) está destinado à morte física e é instrumento de morte espiritual (cf. 5,12s; 6,23), mas o Espírito é vida e poder da ressurreição, “graças à justiça” de Deus que faz viver o Cristo que ressuscitou e não morre mais (6,9). Outros entendem: naquele que está justificado, o corpo é “cadáver para o pecado”; o pecado não pode mais servir-se dele (6,6; 7,8). Para outros, o “espírito” em v. 10 é o espirito do ser humano (assim traduz nossa liturgia: “vosso espírito”), enquanto em v. 11 é o Espírito de Deus.

A Bíblia do Peregrino (p. 2720) comenta: O corpo é mortal (Sl 39; 49; 90), frustra o destino à imortalidade. Mas o Espírito o supera com sua força vivificante, que abrange também o corpo mortal (Ez 37), como se demonstrou na ressurreição de Jesus Cristo (1Cor 4,14; Fl 3,21).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2132) comenta: A ressurreição dos cristãos está em estreita dependência da de Cristo (1Ts 4,14; 1Cor 6,14; 15,20s; 2Cor 4,14; 13,4; Rm 6,5; Ef 2,6; Cl 1,18; 2,12s; 2Tm 2,11). É pelo mesmo poder e pelo mesmo Dom do Espírito (cf. Rm 1,4) que o Pai por sua vez, os ressuscitará. Esta obra se prepara desde agora numa vida nova que os torna filhos (v. 14), à imagem do Filho (v. 29), incorporação ao Cristo ressuscitado que se realiza pela fé (1,16s) e pelo batismo (6,4s).

Evangelho: Lc 13,1-9

Neste relato próprio de Lucas, Jesus acaba de falar sobre o sentido conjuntura histórica e a urgência da conversão.

Naquele tempo, vieram algumas pessoas trazendo notícias a Jesus a respeito dos galileus que Pilatos tinha matado, misturando seu sangue com o dos sacrifícios que ofereciam (v. 1).

“Algumas pessoas trazendo notícias a Jesus”; o que lhe contam pode assinalar o significado do presente. Tal acontecimento é de outra maneira desconhecida, bem como o acidente mencionado no v. 4. Se era um acontecimento histórico, só podia ser no Templo de Jerusalém durante a festa da Páscoa na qual leigos podiam participar do sacrifício.

Um massacre de samaritanos aconteceu durante o sacrifício no monte Garizim pelos soldados romanos no ano 35 a.C.. Talvez Lc o tenha transferido ou confundido. Às vezes, os zelotas (rebeldes violentos como Barrabás) foram chamados de “galileus”, porque muitos destes extremistas vieram da Galileia (cf. At 5,36s). A descrição da matança, “misturando seu sangue com os dos sacrifícios”, pode designar um ataque durante o ritual ou numa procissão e, além dos homicídios, acusa uma impiedade contra as oferendas e uma profanação do templo. É um fato abominável, mas retrata bem o caráter cruel de Pilatos (descrito fora dos evangelhos pelos autores judaicos Filon e Flávio Josefo).

Jesus lhes respondeu: “Vós pensais que esses galileus eram mais pecadores do que todos os outros galileus, por terem sofrido tal coisa? Eu vos digo que não. Mas se vós não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo (v. 2-3).

O ensinamento é claro: nenhuma relação direta e precisa existe entre falta e calamidade (comparar Jo 9,3); mas essa desgraça pública é um convite providencial para o arrependimento.

Os fariseus deviam ter interpretado o fato com o princípio de retribuição (nenhum castigo sem culpa, cf. Jo 9). Para Jesus não vale a aplicação mecânica do princípio de retribuição (o grande problema do livro de Jó), mas as desgraças alheias podem conservar sua força de admoestação. O que para uns é desgraça, seja para outros uma advertência.

A Bíblia do Peregrino (p. 2502) comenta: Sobre a força da admoestação em cabeça alheia, cf. Ezequiel em seu julgamento comparativo: Ooliba-Jerusalém não se corrigiu, pelo contrário, “viciou-se mais que sua irmã” Oola-Samaria, quando ela sofrer o castigo exemplar, “serão admoestadas todas as mulheres” ou seja, cidades, nações (Ez 23,11.48). Amós, por experiência própria, prega sobre admoestações vãs, (Am 4,6-13). Os livros sapienciais advertem, quem não aproveita o tempo para arrepender-se, não se livrará da desgraça (Sl 7,13; 50,22), e exortam para vigilância: “Não demores em voltar a ele nem delongues de um dia para outro” (cf. Eclo 5,5-7).

E aqueles dezoito que morreram, quando a torre de Siloé caiu sobre eles? Pensais que eram mais culpados do que todos os outros moradores de Jerusalém? Eu vos digo que não. Mas, se não vos converterdes, ireis morrer todos do mesmo modo” (vv. 4-5).

A notícia detalhada mostra a historicidade do fato, talvez a construção do aqueduto por Pilatos tenha causado a queda da torre. Lc podia ter visto nestes dois fatos um anúncio da guerra judaica que os zelotas junto com os saduceus começaram em 66 d.C., mas os romanos venceram e destruíram Jerusalém com seu Templo no ano 70 (cf. 19,41-44; 22,28-31).

E Jesus contou esta parábola: “Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi até ela procurar figos e não encontrou. Então disse ao vinhateiro: ‘Já faz três anos que venho procurando figos nesta figueira e nada encontro. Corta-a! Por que está ela inutilizando a terra?’ Ele, porém, respondeu: ‘Senhor, deixa a figueira ainda este ano. Vou cavar em volta dela e colocar adubo. Pode ser que venha a dar fruto. Se não der, então tu a cortarás” (vv. 6-9).

Lucas apresenta como parábola o que nos outros evangelistas sinóticos (Mc e Mt) é a ordem de Jesus à figueira de secar, um gesto simbólico e ato de severidade (Mc 11,12-14p) situado entre a entrada em Jerusalém e a purificação do Templo. Lc preferiu esta parábola sobre a paciência. Esta parábola retoma as ameaças clássicas contra a árvore infrutífera e improdutiva.

A Bíblia do Peregrino (p. 2502) comenta: O tema é também o tempo último para arrepender-se. A “figueira” pode ser símbolo de Israel (Jr 8,13; Os 9,10; Mq 7,1). “Fruto” é metáfora frequente de ação responsável e de suas consequências (Pr 1,31; 12,14; 31,31). Um dado próprio dessa parábola é a intercessão do vinhateiro a favor da figueira pedindo moratória (cf. as sucessivas intercessões de Amós, duas escutas, duas reservas: Am 7,1-9; 6,1-3). Embora Jesus introduza essa moratória, cada árvore pode esgotar seu tempo de tolerância.

“Ainda este ano”, talvez uma alusão à duração do ministério de Jesus, como se deduz do quarto evangelho.

O site da CNBB comenta: Quem vive na graça de Deus tem a vida dentro de si. Ao contrário, a paga do pecado é a morte. Esta verdade deve sempre estar presente em nossas mentes, a fim de que possamos, apesar dos nossos pecados, buscar a verdadeira vida que vem de Deus. A partir dessa consciência, devemos procurar constantemente a conversão, a busca da santidade, a coerência da nossa vida com a fé que professamos. O Evangelho de hoje nos mostra que Deus tem paciência conosco e, por meio da sua graça, está sempre contribuindo para a nossa conversão e para a nossa santificação, mas é necessário que também nós procuremos fazer a nossa parte.

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