27 de Agosto 2019, Terça-feira: Ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas!

21ª Semana do Tempo Comum

Leitura: 1Ts 2,1-8

Ouvimos nesta semana trechos da carta mais antiga do apóstolo Paulo, o primeiro documento escrito do Novo Testamento (NT) e do cristianismo. Na sua segunda viagem missionária, Paulo teve que deixar às pressas a cidade de Filipos. Dirigiu-se a Tessalônica e anuncia o Evangelho e forma aí um pequeno grupo. Mas, perseguido outra vez, tem que fugir (cf. At 17,1-10) e seu trabalho corre o risco de se esvaziar. Em Corinto recebeu de Timóteo a boa notícia de que a comunidade de Tessalônica continuava fervorosa e ativa (cf. 1Ts 3,1-2.6), ele escreve esta carta para comunicar a sua alegria e estimular a perseverança da comunidade.

Na leitura de hoje, Paulo escreve sobre o comportamento do agente pastoral, do discípulo–missionário (vv. 1-12). Recorda sua atividade em Filipos e Tessalônica em forma de protesto de inocência (cf. Samuel em 1Sm 12,1-5) com as expressões “bem sabeis”, “vos lembrais”, “sois testemunhas”, numa espécie de amável cumplicidade: embora já o sabem, vou dizer a vocês. Há expressão de afeto, ilustrado com comparações sugestivas: como mãe (v. 7), como pai (v. 11).

Bem sabeis, irmãos, que nossa vinda até vós não foi em vão. Apesar de maltratados e ultrajados em Filipos, como sabeis, encontramos em Deus a coragem de vos anunciar o evangelho, em meio a grandes lutas (vv. 1-2).

Os fatos são narrados em At 16,19-40 (prisão e libertação milagrosa em Filipos) e 17,1-10 (oposição em Tessalônica).

A nossa exortação não se baseia no erro, na ambiguidade ou no desejo de enganar. Ao contrário, uma vez que Deus nos achou dignos para que nos confiasse o evangelho, falamos não para agradar aos homens, mas a Deus, que examina os nossos corações. Bem sabeis que nunca usamos palavras de adulação, nem procedemos movidos por disfarçada ganância. Deus é testemunha disso (vv. 3-5).

Paulo faz uma confissão negativa e positiva do evitado e do feito.

A parte negativa: Engano (“erro”) seria anunciar fatos falsos ou pronunciar como mensagem de Deus o que não é. Como os falsos profetas: “profetas insensatos, que inventam profecias; visionários falsos adivinhos de mentiras, que diziam oráculo do Senhor, quando o Senhor não os enviava” (Ez 13,3.6). A fraude pode ser prodígios falsos. “Ambiguidade” (motivos sujos, segundas intenções) coincide com a “ganância” (cobiça); também como nos falsos profetas: “quando eles têm algo para morder, anunciam paz e declaram uma guerra santa a quem não lhes enche a boca” (Mq 3,5; Lc 20,47). A “adulação” (bajulações, lisonjas) também como os falsos profetas: “enquanto o povo constrói a parede, são eles a rebocá-la com argamassa” (Ez 13,10); “digam-nos coisas lisonjeiras, profetizem-nos ilusões” (Is 30,10).

A parte positiva da confissão: fomos provados e comprovados por Deus que “é testemunha disso” (vv. 5.10), “que examina os nossos corações” (v. 4; cf. Jr 11,20; Zc 13,9; Sl 139,23; Rm 1,9) “nos achou dignos para que nos confiasse o evangelho” e nós o pregamos. Renunciamos ao direito ao sustento para não sermos “pesados” (vv. 7.9; cf. At 20,34; 1Cor 9,12-18).

E também não procuramos elogios humanos, nem da parte de vós, nem de outros, embora pudéssemos fazer valer a nossa autoridade de apóstolos de Cristo (vv. 6-7a).

“Fazer valer a nossa autoridade (lit. pesar sobre vós a nós) como apóstolos de Cristo” tem aqui um duplo sentido: moral (apresentar-se como importante, atribuir-se prestigio, peso) e material (v. 9; ficar a cargo de; cf. 2,9; 2Ts 3,8; 2Cor 11,9). A respeito dos “elogios humanos” (honras humanas; v. 6), cf. as denúncias de Mt 23,5-7p; Jo 5,41.

Foi com muita ternura que nos apresentamos a vós, como uma mãe que acalenta os seus filhinhos. Tanto bem vos queríamos, que desejávamos dar-vos não somente o evangelho de Deus, mas até, a própria vida; a tal ponto chegou a nossa afeição por vós (vv. 7b-8).

Paulo descreve seu estilo apostólico com duas comparações complementares, como mãe, como pai. “Eu também fui filho do meu pai, terno e preferido de minha mãe” (Pr 4,3). Pai e mãe ocupam lugar privilegiado na educação sapiencial, até o ponto de o mestre se apresentar com o título de pai e chamar os discípulos de filhos (Pr 1,8.10.15; 2,1 etc.; Eclo 2,1;3,1 etc.; cf. 1Jo 2,1 etc.).  Da mãe, Paulo toma o tratamento terno e afetuoso (cf. Sl 131 e a queixa de Moisés em Nm 11,12-14); do pai, a educação exigente e solícita (vv. 11-12 omitidos pela nossa liturgia); esta imagem da educação do pai, o Dt 8,5 aplica a Deus em relação ao povo no deserto.

“Dar-vos … a própria vida” por “afeição” (ágape – amor): o texto é anterior à declaração sobre o “amor maior” em Jo 15,13. O amor do apóstolo pela comunidade nasce do amor de Cristo: pronto a sacrificar a própria vida pelo bem dos tessalonicenses. É uma oblação que cria novas pessoas, lideranças capazes de fazer grandes coisas por Cristo e pelos irmãos.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1447) comenta: O objetivo da pregação não é agradar nem conseguir elogios ou ganhar dinheiro. A própria comunidade há de ser testemunho vivo dos frutos, mediante do crescimento nos valores do Reino de Deus. Para expressar a dedicação com que transmite a palavra, num trecho de raro afeto, Paulo se compara à mãe que acaricia os filhos e ao pai que exorta e encoraja. As duas imagens sevem de modelo para todo agente pastoral.

Evangelho: Mt 23,23-26

Continuamos ouvindo o discurso de Jesus sobre os fariseus e mestres da lei, mas dirigido “às multidões e seus discípulos” (v. 1). A parte central contém sete lamentações introduzidas com “ai de vocês”. Ontem ouvimos três (vv. 16-22), hoje a quarta e quinta. Os “ais” não expressam tanto uma maldição, mas uma dor profunda ou uma indignação que chega às raias da ameaça profética (cf. 11,21; 18,7; 24,19; 26,24).

Ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós pagais o dízimo da hortelã, da erva-doce e do cominho, e deixais de lado os ensinamentos mais importantes da Lei, como a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Vós deveríeis praticar isto, sem contudo deixar aquilo (v. 23).

O quarto “ai” é contra a inversão dos valores. O que é mais importante na Lei? A lei só prescreve o dízimo do azeite, vinho, trigo que depois foi aplicado à colheita toda (Nm 18,11-13; Dt 14,22-23; Lv 27,30) e, por um exagero dos rabinos, estendido às plantas mais insignificantes. Será que o dízimo de ervas e temperos seja mais importante do que “a justiça, a misericórdia e a fidelidade” (seria melhor traduzir “fidelidade” por “fé”, porque a palavra grega em Mt sempre se refere a fé em Deus; cf. Jr 5,1; Rm 3,3; Gl 5,22)? Os fariseus e doutores da lei, porém, em nome de coisas pequenas sacrificam o importante também exigido pela lei e pelos profetas. Não é preciso esforçar-se para ver aqui a descrição de um tipo humano, presente também em nossas igrejas atuais, não apenas entre os fariseus de então.

Como em 7,12 e 22,40, temos aqui certo resumo da lei. Todas as outras leis devem ser medidas por estes três critérios da ética: justiça, misericórdia e fé/fidelidade (cf. Zc 7,9; Is 1,17; Jr 22,3; Am 5,24; Mq 6,8; Pr 21,21). Podemos supor que a comunidade de Mt ainda estava sob certa jurisdição judaica. O Cristo em Mt já citou duas vezes (9,13; 12,7) a frase de Os 6,6 em que a misericórdia é destacada como um dos valores supremos (e será o critério decisivo no juízo final em 25,31-46). Com a regra sapiencial de “fazer isso sem deixar aquilo” (cf. Ecl 7,18), Mt deixa claro que não é contra o dízimo, ao contrário, mas o dízimo deve ser expressão de justiça, misericórdia e fé (fidelidade) e não ser colocado acima destes valores.

Guias cegos! Vós filtrais o mosquito, mas engolis o camelo (v. 24).

Uma sentença proverbial ironiza esta atitude de se deter só com coisas insignificantes e não discernir e perceber as coisas grandes e importantes. O mosquito era considerado como criatura minúscula (cf. a semente de mostarda entre as plantas em 13,31s; o tamanho do camelo na comparação de 19,24). Na lei da pureza, toda criatura pequena que se move no chão é abominável e não podia ser comida. Por isso filtravam-se as bebidas para tirar os mosquitos. Mas aqui se trata de uma metáfora (cf. 7,5: o cisco e a trave no olho) para caracterizar os fariseus e letrados como “guias cegos” (cf. vv. 16.26; 15,14).

Aí de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós limpais o copo e o prato por fora, mas, por dentro, estais cheios de roubo e cobiça. Fariseu cego! Limpa primeiro o copo por dentro, para que também por fora fique limpo (vv. 25-26).

O quinto “aí” refere-se a prescrições de pureza (Lv 6,21; 11,33; Mt 15,11p), das quais passam metaforicamente a pureza interior. Também aqui identificamos um tipo humano que só preza a aparência exterior e não o ser interior. A advertência ao fariseu cego significa que ele afaste o mal do seu coração (“por dentro”) e da sua vida. “Roubo e cobiça por dentro” são acusações fortes e combinam de certo modo com a situação de uma refeição farta (“o copo e o prato por fora”).

Estas acusações contra os fariseus são da situação específica da comunidade judeu-cristã na época de Mt (cerca de 80-85 d.C.), mas nos convidam para uma autocrítica (em 23,1, Jesus fala aos discípulos!). A hipocrisia pode se encontrar também nos irmãos (cf. 7,5). Valorizar mais a aparência (por fora) do que a essência (por dentro) é uma tentação para pessoas e para a instituição da própria Igreja.

O site da CNBB comenta: O Evangelho de hoje é a continuação do de ontem, de modo que a nossa reflexão também é uma continuidade da de ontem. Um dos meios através dos quais tornamos a nossa religião superficial e unilateral é o formalismo religioso, que faz com que sejamos capazes de cumprir até mesmo os menores preceitos, mas tiram da nossa vida o mais importante que são os ensinamentos fundamentais para a nossa vida como a justiça, a misericórdia e a fidelidade. Ser verdadeiramente cristão significa ser capaz de viver os valores do Reino e não simplesmente o cumprimento de rituais e a capacidade de falar coisas bonitas e poéticas a respeito de Deus.

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