27 de agosto de 2017 – 21º Domingo Ano A

 

1ª Leitura: Is 22,19-23

A 1ª leitura foi escolhida pela semelhança com o evangelho de hoje em que Jesus institui Pedro como autoridade e lhe entrega a chaves do seu reino.

No livro do Primeiro Isaías (Is 1-39) encontram-se muitos oráculos contra Jerusalém, Israel e os povos vizinhos, mas só um único concernente a um particular. Era durante o reinado de Ezequias em Jerusalém (716-687). A Bíblia do Peregrino (p. 1731) comenta: Excetuando o nome da pessoa, os dados desta profecia apontam para o tempo messiânico. Se Eliacim pertencer ao oraculo original, será porque nele começam a cumprir-se promessas, sem esgotar-se. Ao horizonte histórico próximo, sobrepõe-se o remoto.

Nossa leitura é a segunda de três partes do oráculo (vv. 15-25): a) o administrador do palácio Sobna será destituído (vv. 15-19); b) será substituído por Eliacim (vv. 20-23); c) a casa de Eliacim cairá por sua vez (por favorecimento à própria família: “galhos e ramos”, vv. 24-25, diferente da Igreja no evangelho de hoje, cf. Mt 16,18). Este oraculo de Isaías cumpriu-se, pois em 36,3.22 (cf. 2Rs 18,18.37; 19,2) aparece o resultado desta medida: Eliacim com o título de “administrador do palácio”, dado aqui (v. 15) a Sobna que depois fica com o cargo menor de secretário. Com isso pode se datar o oraculo anterior à expedição militar do rei assírio Sanquerib, filho e sucessor de Sargon, à Palestina que ameaçou Jerusalém, mas fracassou no ano 701 (cf. 36,1-37,38 = 2Rs 18,17-19,37).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 917) comenta: Diante do movimento antiassírio em 705-701 a.C., a corte do rei Ezequias ficou dividida em dois grupos: um chefiado por Sobna, o outro por Eliacim. O alto funcionário Sobna, apoia-se nas forças egípcias, queria combater a Assíria. Eliacim, nome que significava “Deus suscitou”, apoiava o conselho de Isaias de não aliança com o Egito.

(Assim diz o Senhor a Sobna, o administrador do palácio:) “Eu vou te destituir do posto que ocupas e demitir-te do teu cargo (v. 19; cf. v. 15).

Nossa leitura omitiu a primeira parte do oráculo (vv. 15-18) e reinicia aqui o endereço do oráculo (v. 15). Em Gn 41,40, o mesmo título, “administrador do palácio”, que designa a mais alta função do Estado, é dado a José no Egito. Numa das necrópoles de Jerusalém, em Siloé, encontra-se um túmulo (cf. v. 16) de um “administrador de palácio” (porém, com seu nome tornado ilegível).

Sobna, cuja qualidade de governador é igualmente atestada fora do AT, era um recém-vindo, talvez um estrangeiro, que ascendera ao mais alto cargo, o de intendente do palácio de Ezequias. É um carreirista (sua ascendência não é mencionada), que só pensa em si e fazer nome. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 639) comenta: É provável que, à testa do governo, fosse um dos principais artífices da política pró-egípcia. Notemos que os oráculos dirigidos a indivíduos outros que os reis e os falsos profetas são raros no AT (Am 7,16-17; Jr20,1-6), o que confirma a importância do papel desempenhado por Sobna.

Acontecerá que nesse dia chamarei meu servo Eliacim, filho de Helcias, e o vestirei com a tua túnica e colocarei nele a tua faixa, porei em suas mãos a tua autoridade; ele será um pai para os habitantes de Jerusalém e para a casa de Judá (vv. 20-21).

O substituto Eliacim é exatamente o oposto de Sobna. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 639) comenta: É chamado de “meu servo”, título honorifico dado a Abraão, a Moises, a David e àqueles que Deus encarrega de uma missão, como Nabucodonosor (Jr 25,9; 27,9; 43,10). Seu nome, que significa “Deus suscitou”, corresponde bem à sua função.

Será vestido com uma túnica (cf. Lc 15,22) e colocado um faixa (cf. a presidencial). “Será um pai para os habitantes”; pai aqui é título régio de ofício (cf. 9,5; Gn 45,8; Jó 29,16), e indica também que, contrariamente a Sobna, que só pensava em si mesmo, Eliaqim se preocupará com os habitantes a ele confiados (cf. Lc 12,41-47: resposta a Pedro).

Eu o farei portar aos ombros a chave da casa de Davi; ele abrirá, e ninguém poderá fechar; ele fechará, e ninguém poderá abrir (v. 22).

A chave é símbolo de poder. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 639) comenta: Embora as chaves tenham podido atingir proporções imponentes, a ponto de se precisar carregá-las no ombro, a menção que delas se faz aqui mostra sobretudo o seu aspecto de símbolo do poder: cf. 9,5 (…), onde se diz que a “soberania” repousa “sobre os ombros” do rei do futuro. Entre outras funções, o “administrador”, que detém as chaves do palácio real, fixa a abertura e o fechamento das portas e introduz os visitantes junto ao soberano.

A Bíblia de Jerusalém (p. 1393) comenta: A abertura e o fechamento das portas da “casa do rei” era uma função do vizir egípcio, cujo equivalente em Israel é o intendente do palácio. Será a função de Pedro na Igreja, reino de Deus (Mt 16,19). Este texto será citado por Ap 3,7 e aplicado ao Messias, como faz a liturgia da antífona do Magnificat nas vésperas de 20 de dezembro: “O clavis David et sceptrum domus Israel”.

Hei de fixá-lo como estaca em lugar seguro e aí ele terá o trono de glória na casa de seu pai” (v. 23).

A estaca (lit. prego) segura a tenda à terra firme e que servirá para pendurar objetos (cf. v. 24). O trono é sinal de honra e autoridade, talvez com atribuições judiciais (Sl 122,5).

 

2ª Leitura: Rm 11,33-36

Nos caps. 9-11, Paulo refletiu sobre o destino de Israel que em grande parte não acolhe o Evangelho. Os pagãos convertidos em Roma estão sendo tentados a desprezar os judeus (e no percurso da história da Igreja a discriminar e persegui-los, cf. a história do antissemitismo). Paulo, então, lembra que o cristianismo nasceu do povo judaico e que os pagãos convertidos são como enxerto no povo eleito de Deus. “Não és tu que sustenta a raiz, mas a raiz sustenta a ti” (v. 18). E ainda mostra, pela mesma comparação, que os judeus podem aderir ao Evangelho e produzir frutos com maior facilidade, pois pertencem à raiz original. Por outro lado, também os pagãos convertidos correm o perigo de perder a fé e ser cortados do tronco onde foram enxertados (vv. 16-24).

Nos vv. 29-32, o apóstolo conclui que o povo de Israel não foi rejeitado para sempre, porque Deus não volta atrás em sua escolha. O futuro da salvação permanece aberto ao povo da promessa. Através de uma história misteriosa, o Senhor continua a guiá-lo, para mostrar a todos que ele salva porque ama, pois a sua misericórdia é dirigida a todos.

Ó profundidade da riqueza, da sabedoria e da ciência de Deus! Como são inescrutáveis os seus juízos e impenetráveis os seus caminhos! De fato, quem conheceu o pensamento do Senhor? Ou quem foi seu conselheiro? Ou quem se antecipou em dar-lhe alguma coisa, de maneira a ter direito a uma retribuição? (vv. 33-35).

Para concluir a proposta de salvação universal, Paulo contempla o final da história, quando a humanidade toda se reúne, salva por Deus. Ele transborda em exclamações de admiração e de adoração (cf. Sl 139,6.17s; Sb 17,1; Jr 23,18; 1Cor 2,11.16).

A Bíblia do Peregrino (p. 2728) comenta: Encerra a exposição com uma doxologia ampla ou com um hino minúsculo, exaltando a sabedoria do desígnio salvador de Deus (Is 40,13; Jó 11,6; 15,8). Pela revelação o ser humano descobre um abismo, cuja profundidade pressente, mas que não pode medir nem sondar. O mistério é sempre maior que a capacidade humana (Sl 139,6).

Na verdade, tudo é dele, por ele, e para ele. A ele, a glória para sempre. Amém! (v. 36)

A fórmula final nos diz o sentido último de tudo (sentido=direção) respondendo de certo modo a pergunta do ser humano: “De onde viemos, para onde vamos, quem somos?” (cf. NA 1, Concílio Vaticano II, n.º 1580). Poderíamos traduzi-la em categorias temporais: começo/origem (de), meio (por) e fim (para), que correspondem ao Deus que “era, é e será” (Ap 1,4; cf. Ex 3,14 grego).

 

Evangelho: Mt 16,13-20

No evangelho de Mateus, Jesus afirma o papel fundamental e a primazia de Simão Pedro a partir da sua profissão de fé. Para apreciar, precisa reconhecer que Mt já usava o evangelho mais antigo, Mc. Para Mc, a profissão de fé de Pedro está no centro do evangelho, mas não nos transmite as palavras de Jesus sobre o primado de Pedro.

Na primeira metade de Mc, Jesus demonstra seu poder, cura e atua milagres na Galileia até ser aclamado de “Cristo-Messias” por Simão Pedro (Mc 8,29). Mas a partir daí, Jesus começa anunciar sua paixão e morte em Jerusalém (Mc 8,31; 9, 31, 10,33). Simão Pedro, porém, deve ficar calado ainda sobre o segredo do messias, mas não quer entender o sofrimento anunciado do messias e repreende o mestre. A reação de Jesus é dura: “Atrás de mim, Satanás, não pensas as coisas de Deus, mas dos homens” (Mc 8,33). O segredo do messias e a incompreensão até por parte dos discípulos são características do evangelho de Mc. Marcos acompanhava Paulo e era intérprete de Pedro, conhecia bem o lado humano deles. Ele concluiu sua obra em 70 d.C., durante a Guerra Judaica, pouco depois da perseguição violenta pelo César Nero que resultou no martírio de Pedro e Paulo e muitos outros cristãos, por isso falava da necessidade da cruz e da dificuldade de entender isso.

Para Mt, a situação é diferente. Ele atenua ou evita falar da incompreensão dos discípulos. Para Mt e Lc, que escreveram 20 anos depois, os apóstolos já ganharam o status de santos. Como a Guerra Judaica já havia terminado com a derrota dos judeus, não havia mais tanta necessidade de um segredo messiânico, ou seja, evitar o mal-entendido de um messias-Cristo nacionalista e guerreiro sem sofrimento. Mas por fidelidade a sua fonte Mc, Mateus não omite nem o silêncio nem a repreensão, mas os adia, declarando primeiro Pedro como pedra fundamental da igreja.

Jesus foi à região de Cesareia de Filipe e ali perguntou aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?” (v. 13).

Na primeira parte do evangelho de hoje, Mt segue fielmente a Mc. Antes de ir ao sul para cumprir sua missão Jerusalém, Jesus e os discípulos encontram-se no ponto mais setentrional da sua trajetória, em Cesaréia de Filipe, que era uma cidade construída junto às nascentes do Jordão, em 2 ou 3 a.C., por Herodes Filipe em honra de César Augusto. A pergunta de Jesus força os discípulos a fazer uma revisão de tudo o que ele realizou no meio de povo.

Eles responderam: “Alguns dizem que é João Batista; outros que é Elias. Outros ainda, que é Jeremias ou algum dos profetas” (v. 14).

Esse povo não entendeu bem quem é Jesus. O título “profeta”, que Jesus não reivindicou senão de maneira indireta e velada (13,57 par; Lc 13,33), mas que as multidões lhe deram sem hesitar (16,14; 21,11. 46; Mc 6,15par; Lc 7,16. 39; 24,19: Jo 4,19; 9,17), tinha valor messiânico, pois o espírito de profecia, extinto desde Malaquias, devia reaparecer, segundo a opinião dominante entre os judeus, como sinal da era messiânica, seja na pessoa de Elias (17,10-11 par), seja sob a forma de uma efusão geral do Espírito (At 2, 17-18. 33). De fato, no tempo de Jesus sugiram muitos (falsos) profetas (24,11.24p; etc.). Quanto a João Batista, esse foi realmente profeta (11,9 par; 14,5; 21,26 par; Lc 1,76), mas como precursor vindo com o espírito de Elias (11,10p.14; 17,12p). Ele negou (Jo 1,21) ser “o profeta”, que Moisés tinha predito (Dt 18,15). Este profeta, a fé cristã só reconheceu na pessoa de Jesus (At 3,22-26; Jo 6,14; 7,40). Contudo, por ter-se disseminado na Igreja primitiva o carisma da profecia, após o Pentecostes (At 11,27), este título deixou, bem cedo, de ser aplicado a Jesus, cedendo o lugar a títulos mais específicos da cristologia.

Entre os profetas, Mt acrescenta o nome “Jeremias”, talvez pela perseguição que este profeta sofreu, ou pelo sonho em 2Mc 15,12-16 em que Jeremias dá uma espada a Judas Macabeus num gesto semelhante em que Jesus dará a chave a Pedro.

Então Jesus lhes perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Simão Pedro respondeu: “Tu és o Messias, o Filho do Deus vivo” (vv. 15-16).

Os discípulos, porém, que acompanham e veem tudo que Jesus tem feito, reconhecem agora, através de Pedro, que Jesus é o Messias.

“Cristo” não é um nome, é título, tradução grega da palavra hebraica “Messias”, quer dizer, “ungido”, consagrado por uma unção (crisma – o óleo; cristo – o ungido). Quem foi ungido no AT? Reis, sacerdotes e profetas (1Rs 19,15-16; Is 61,1; cf. Lc 4,18). Quanto aos membros do sacerdócio, não parece que unção lhes tenha sido conferida antes da época persa. Os textos sacerdotais antigos a reservavam ao sumo sacerdote (Ex 29,7.29; Lv 4,3.5.16; 8,12). Depois foi estendida a todos os sacerdotes (Ex 28, 41; 30,30; 40,15; Lv 7,36; 10,7; Nm 3,3). Nos textos históricos antigos, a unção é reservada ao rei (1Sm 10, 1s; 16,1ss; 1Rs 1,39; 2Rs 9,6; 11,12). Esta unção confere ao rei um caráter sagrado: ele é o Ungido de Javé (1Sm 24,7; 26,9.11.23; 2Sm 1,14.16;19,22). Aplicado muitas vezes pelos Salmos a Davi e sua dinastia, este título tornou-se o título por excelência do Rei do futuro, o Messias, do qual Davi era o protótipo, e o Novo Testamento o atribui a Cristo Jesus.

A esperança do messias iniciou-se 1000 anos antes de Jesus. Em 2Sm 7 Deus prometeu a Davi que sua dinastia e seu trono permaneceria para sempre. O oráculo ultrapassa o sucessor de Davi, Salomão, e deixa entrever um descendente privilegiado em que Deus se comprazerá. É o primeiro elo sobre das profecias sobre o messias, filho de Davi (Is 7,14; 9,5-6; 11,1-5; 42,1; Jr 23,5-6; Mq 4,14; Ag 2,23). A maioria dos sucessores no trono de Davi não seguiu os caminhos de Deus (cf. 1-2Rs). Depois do exílio não houve mais um rei da descendência de Davi em Israel. O rei Herodes não era nem judeu (era idumeu, povo vizinho ao sul da Judéia), instituído por imposição de César Augusto. Mas a esperança de um messias salvador que libertasse o povo dos seus opressores igual a Davi, se mantinha viva (até hoje existe entre os judeus).

Messias ou Cristo é designação judaica do salvador esperado. Mc compreende esse título no sentido novo que lhe confere sua aplicação a Jesus (Mc 9,41; 12,35-37). Em Mc, Jesus só aprova esse título Messias/Cristo durante seu processo (Mc 14,61-62), e só um homem reconhece Jesus como Messias: Pedro, mas ele é logo intimado ao silêncio (Mc 8,30.33), enquanto em Mt 16, é instituído “Papa” primeiro (vv. 17-19), antes de Mt continuar copiando de Mc a ordem de silêncio, o anúncio da paixão e a repreensão de Pedro (vv. 20-23, omitidos na leitura de hoje).

A resposta de Pedro “Tu és o Messias (Cristo)” em Mc 8,29, Mt acrescenta “o Filho de Deus vivo”. Em Mt, não é a primeira profissão de fé, já em 14,33 Mt substitui a incompreensão dos discípulos por uma profissão de fé “se ajoelharam diante dele dizendo: De fato, tu és o Filho de Deus”. No AT, “Filho de Deus” aplica-se aos anjos, ao povo eleito, aos israelitas fieis e ao Messias (2Sm 7,14; Sl 2,7; 89,27) e designa uma relação particular com Deus fundada em sua eleição e na missão. Os cristãos destacam com suas primeiras confissões de fé, o caráter único e decisivo da pessoa de Jesus: ele é mais do que um profeta ou rei (cf. Mt 12,41-42), ele mantém com Deus uma relação filial inigualável (“Abba” – papai, cf. Mc 14,36) e a ele foi confiada uma missão impar na obra da salvação (cf. Rm 10,9; Hb 9,26-28; Jo 3,16-17).

Respondendo, Jesus lhe disse: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi um ser humano que te revelou isso, mas o meu Pai que está no céu (v. 17).

Jesus declara feliz (bem-aventurado) Simão que pela “carne e sangue” é “filho de Jonas”, mas declarou que Jesus é o messias esperado e Jesus ratifica, declarando que esta confissão procede de uma revelação do seu “Pai que está no céu” (cf. 11,25-27; Gl 1,16). A fé é resposta à palavra de Deus; a fé de Pedro e nossa também é dom de Deus, mas torna-se tarefa também. A revelação a Pedro tem um sentido cuja profundidade Pedro mostraria, mais tarde, não ter aprendido ainda (vv. 22-23).

Por isso eu te digo que tu és Pedro, e sobre esta pedra construirei a minha Igreja, e o poder do inferno nunca poderá vencê-la (v. 18).

Aqui, Mt aproveita a oportunidade e apresenta um paralelismo das identificações: o povo diz… vós dizeis,…; Pedro diz “tu és o Messias”,… Jesus diz “tu és Pedro”.

“Tu és Pedro” (v. 18; cf. 10,2), Pedro é tradução grega do nome aramaico “Cefas” (Jo 1,42; 1Cor 1,12; 9,5; 15,5; Gl 1,18). Tal nome grego não era usado como nome próprio de pessoa na época. A mudança de nome pode ter ocorrido mais cedo (cf. Jo 1,42; Mc 3,16; Lc 5,8; 6,14).

“Sobre esta pedra construirei a minha igreja.” A palavra grega ekklésia (Igreja) traduz o termo hebraico qahal, que significa “assembleia” e é comum no AT para designar o povo eleito (cf. Dt 4,10; 23,2; 1Rs 8,22 etc.; At 7,38). Certos grupos judaicos que se consideravam o resto de Israel (cf. Is 4,3) dos últimos tempos (ex. os essênios em Qumrã), o aplicaram ao seu próprio círculo. Jesus o transfere à comunidade messiânica, que ele irá construir selando uma nova aliança pelo derramamento de seu sangue (26,28; cf. 5,25). “O reino de Deus já está próximo” (4,17), por isso está comunidade deve começar já aqui na terra por uma sociedade organizada cujo chefe institui (cf At 5,11; 1Cor 1,2 etc.).

Essa nova comunidade é simbolizada por um templo que Jesus construirá; ele é o dono da construção (“minha igreja”) e Pedro será a pedra fundamental (cf. Ef 4,20-22; Gl 2,47-9; 1Cor 10,10-17; 1Pd 2,4-8; Ap 21,14).

Pedro terá um papel medianeiro: por sua fé e adesão a Cristo, participa da solidez da “rocha”, símbolo antigo de Deus (cf. Dt 32,4.15.18.30.31; Sl 19,14; 27,5 etc.) e da fé (cf. 7,24). A declaração de Jesus corresponde à função eminente que Pedro desempenhou no início da Igreja (4,18; 17,1; At 1,13.15; 3,1; 10,5; 15,7; Jo 6,67-69; 21,15-23; Gl 2,7).

A interpretação destas palavras e seu alcance diferem nas diferentes denominações. A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1890) anota o seguinte: “A tradição católica aduz este texto para fundamentar a doutrina segundo o qual os sucessores de Pedro herdaram o seu primado. A tradição ortodoxa opina que, em suas dioceses, todos os bispos que confessam a verdadeira fé integram-se na sucessão de Pedro e na dos demais apóstolos. Embora reconheçam a posição e a função privilegiada de Pedro nas origens da Igreja, os exegetas protestantes estimam que Jesus só tem em vista, aqui, a pessoa de Pedro.”

O primado do bispo de Roma (“Papa”) era um primado de honra (por ser Roma o lugar do martírio de Pedro e Paulo); somente no segundo milênio desenvolveu-se o primado jurídico de chefe quase absoluto (“vigário de Cristo”) culminando no dogma na infalibilidade no Concilio Vaticano I (1870), mas completado pela colegialidade dos bispos (papa o primeiro entre iguais) no Concilio Vaticano II (1962-1965). A permanência própria da Igreja durante 2000 anos apesar de perseguições de fora, crises internas, cismas etc. comprovam de certo modo a palavra de Jesus que ”o poder do inferno nunca poderá vencê-la”, lit. as portas do hades. A palavra grega, hades, em hebraico sheol, designa a morada dos mortos (cf. Nm 16,33). As portas simbolizam seu poder (cf Jó 38,17; Sb 16,13). O hades não conseguirá reter na morte os membros da comunidade messiânica de Jesus.

Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que tu ligares na terra será ligado nos céus; tudo o que tu desligares na terra será desligado nos céus” (v. 19).

Jesus promete a Pedro “as chaves do reino dos céus” (v. 19), e com essas dá acesso ao reino (conforme as bem-aventuranças, cf. 5,3.10). Ele terá o poder de “ligar e desligar”, ou seja, proibir ou permitir, julgar, condenar ou perdoar, ensinar e interpretar, ratificado por Deus, diferente dos fariseus e doutores da lei que amarram fardos pesados (23,4) e fecharam o acesso ao reino de Deus (23,13). Enquanto Pedro fica com símbolo da chave (cf Is 22,22), a autoridade de “ligar e desligar” é dada também ao conjunto dos discípulos (18,18; Jo 20,23). O Reino de Deus está vinculado a uma Igreja cujos traços ainda não estão definidos, mas com o poder das chaves já não está desprovida de certa estrutura, os sucessores dos apóstolos serão os bispos (ex. Timóteo, Tito) e dentro do colégio dos bispos, um é escolhido para assumir o ministério de Pedro, o Papa, o bispo de Roma onde Pedro e Paulo sofreram o martírio.

No primeiro milênio, seu papel era mais de honra, no segundo, cresceu sua jurisdição. No ano de 1870, o Concílio Vaticano I (1870) definiu sua “infalibilidade” (quando se pronunciar solenemente em assuntos da fé e da moral; foi exercida só uma vez, em 1950, no dogma da Assunção de Nossa Senhora) tornando o papa um monarca absoluto. O Vaticano II (1962-1965) resgatou a colegialidade dos bispos: um concílio ecumênico (de todos os bispos), em comunhão com o papa, também é infalível, cf. LG 22: A Ordem dos Bispos, que sucede ao colégio dos Apóstolos no magistério e no governo pastoral, e, mais ainda, na qual o corpo apostólico se continua perpetuamente, é também juntamente com o Romano Pontífice, sua cabeça, e nunca sem a cabeça, sujeito do supremo e pleno poder sobre toda a Igreja, poder este que não se pode exercer senão com o consentimento do Romano Pontífice. Só a Simão colocou o Senhor como pedra e chaveiro da Igreja (cf. Mt 16,18-19), e o constituiu pastor de todo o Seu rebanho (cfr. Jo 21,15 ss.); mas é sabido que o encargo de ligar e desligar conferido a Pedro (Mt 16,19), foi também atribuído ao colégio dos Apóstolos unido à sua cabeça (Mt 18,18; 28,16-20).

Jesus, então, ordenou aos discípulos que não dissessem a ninguém que ele era o Messias (v. 20).

Mt segue fielmente a Mc 8,30 com o “segredo messiânico” e a incompreensão do primeiro discípulo (como já foi dito mais acima). Em Mc, Pedro era o único homem que reconheceu Jesus como Messias, e junto com os discípulos foi logo intimado ao silêncio (Mc 8,29-30).Em Mc, Jesus só aprovou esse título Messias/Cristo durante seu processo (Mc 14,61s). Esta imposição de silêncio era frequente em Mc (cf. Mc 1,34; 9,9; 1,34.45; 5,43; 7,36s, 9,9), só depois de sua morte será suspensa (Mc 9,9; 16,7; cf. Mt 10,27).

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