26 de Agosto de 2020, Quarta-feira: Ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós fechais o Reino dos Céus aos homens. Vós, porém não entrais, nem deixais entrar aqueles que o desejam (v. 13).

21ª Semana do Tempo Comum 

 Leitura: 2Ts 3,6-10.16-18

Nos primeiros dois capítulos, o autor de 2Ts (Paulo ou, mais provável, um discípulo dele) deu uma instrução sobre a parusia (segunda vinda do Cristo) no “dia do Senhor” (cf. as leituras de ontem e antes de ontem). No terceiro capítulo trata de duas atitudes resultantes de compreensão errada da parusia.

A Bíblia do Peregrino (p. 2845s) comenta: Uma consequência ilegítima e perigosa, já indicada em 1Ts 4,11, de pensar que a parusia era iminente, consistia na ociosidade, desinteresse e desordem na vida civil. Jeremias exortava os desterrados de Babilônia a trabalhar e a se ocupar aí, até quem chegasse a hora do retorno (Jr 29,1-23), sem dar atenção aos falsos profetas. Paulo aconselha semelhante. Quem diz trabalho para subsistir, diz por ampliação, compromisso com a conjuntura histórica. A parusia sempre próxima relativiza os valores terrenos, não suspende a condição terrena do homem.

Nós vos ordenamos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que vos afasteis de todo irmão que se comporta de maneira desordenada e contrária à tradição que de nós receberam (v. 6).

A exortação se abre com solenidade (“em nome de nosso Senhor…”), como assunto grave a tratar. A primeira atitude errada, “comportar-se de maneira desordenada” (v. 11; cf. 1Ts 5,14), consiste em desconsiderar a “tradição”, ou seja, as instruções precedentes de Paulo “de viva voz ou por carta” (2,15). Aqui a tradição (no singular) parece ter-se tornado sinônimo de “as tradições” (no plural; 2,15). Trata-se do conjunto do ensinamento de Paulo.

Bem sabeis como deveis seguir o nosso exemplo, pois não temos vivido entre vós na ociosidade. De ninguém recebemos de graça o pão que comemos. Pelo contrário, trabalhamos com esforço e cansaço, de dia e de noite, para não sermos pesados a ninguém. Não que não tivéssemos o direito de fazê-lo, mas queríamos apresentar-nos como exemplo a ser imitado. Com efeito, quando estávamos entre vós, demos esta regra: “Quem não quer trabalhar, também não deve comer” (vv. 7-10).

“Seguir o nosso exemplo” (vv. 7.9); a Bíblia de Jerusalém traduz “imitar-nos” e comenta (p. 2225): Imitando a Paulo (1Cor 4,16; Gl 4,12; Fl 3,17), os fiéis imitarão a Cristo (1Ts 1,6; Fl 2,5; cf. Mt 16,24; Jo 13,15; 1Pd 2,21; 1Jo 2,6), que o próprio Paulo imita (1Cor 11,1). Finalmente, eles devem imitar a Deus (Ef 5,1; cf. Mt 5,48) e imitar uns aos outros (1Ts 1,7; 2,14; Hb 6,12). Na base desta comunidade de vida, existe o “modelo” da doutrina (Rm 6,17) recebido pela “tradição” (v. 6; 1Cor 11,2; 1Ts 2,13). Os chefes responsáveis que a transmitem devem ser, por sua vez, “exemplos” (v. 9; Fl 3,17; 4,8.9; 1Tm 1,16; 4,12; Tt 2,7; 1Pd 5,3), dos quais se devem imitar a fé e a vida (Hb 13,7).

O trabalho é maldição em Gn 3,30-34 e destino sereno em Sl 104,15.23. Inúmeros provérbios criticam a ociosidade (Pr 26,13-16 etc.). Na sociedade greco-romana, os senhores desfrutaram do ócio, enquanto aos escravos foi negado o ócio (daí o termo: “neg-ócio”). O Filho de Deus, porém, não viveu no ócio, mas trabalhou com as próprias mãos como carpinteiro na construção civil, dando a ética do trabalho seu maior valor. Seus conterrâneos, porém, achavam isso incompatível com o conceito de messias (Mc 6,3). Sobre os direitos do missionário e a prática de Paulo, cf. 1Cor 9,4.6; 1Ts 2,9; At 18,3; 20,33s etc..

Contra o mal-entendido da vinda iminente de Cristo, o autor argumenta: Se a parusia nos exime do trabalho, também nos exime de comer. “Quem não quer trabalhar, também não deve comer” (v. 10); esta regra visa apenas à recusa de trabalhar, provém talvez de uma palavra de Jesus, ou simplesmente de uma máxima popular. É a “regra de ouro do trabalho cristão”.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1452) comenta: Trabalhar evangelizando e evangelizar trabalhando: era a prática missionária de Paulo, que apresenta essa opção radical como exemplo para as comunidades, ao exigir que trabalhem (At 18,3; 20,34; Ef 4,28). Dirige-se a uma comunidade de pessoas marginalizadas, em meio a uma sociedade escravista. Como o trabalho era considerado atividade de escravos, Paulo apresenta aqui diversas motivações, ampliando o texto de 1Ts 4,11-12. Não se trata de uma novidade para os tessalonicenses, pois o Apóstolo ensina isso como tradição (v. 6), portanto, como ponto de partida para a vida cristã. Trabalhar é também um exemplo a ser imitado (vv. 7.9), é condição para assegurar o sustento da vida (vv. 8.10), é garantia de nova ordem social (vv. 6.7.11) e certeza de paz social (v. 12). Em consequência, trabalhar é condição para pertencer à comunidade (vv. 6.8.14). O contrário é a desordem (vv. 6.7.11). Quer dizer, quem como cidadão livre defende o ócio, contraria a ordem de trabalhar e vive sem honra.

Que o Senhor da paz, ele próprio, vos dê a paz, sempre e em toda a parte. O Senhor esteja com todos vós. Esta saudação é de meu próprio punho, de Paulo. Assim é que assino todas as minhas cartas; é a minha letra. A graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja com todos vós (vv. 16-18).

Nossa liturgia saltou os vv. 11-15 e nos apresenta o final da carta (v. 18 é quase idêntica com o final da primeira carta: 1Ts 5,28). Esta saudação final invoca o nome do Senhor três vezes (vv. 16.18), pois no contexto era importante frisar o senhorio de Jesus. Ele é o Senhor da paz, que concede a paz (v. 16) e a graça (v. 18). Os tessalonicenses devem “trabalhar na tranquilidade” (v. 12). O “Senhor da paz… vos dê a paz” (cf. o Deus da paz na saudação final de 1Ts 5,23 e a benção aarônica em Nm 6,24-26) “em toda parte” (ou: de toda forma).

“Assim é que assino todas as minhas cartas; é a minha letra” (v. 17); lit.: é um sinal em todas as cartas: assim é que eu escrevo (cf. 1Cor 16,21; Gl 6,11; Cl 4,18). Era costume ditar as cartas e autorizá-las com a assinatura. Há opiniões divergentes entre os peritos da Bíblia a respeito da autoria da segunda carta. Sem dúvida, a primeira carta aos Tessalonicenses é de Paulo (escrito e Corinto por volta de 51 ou 52 d.C.). A segunda carta, porém, corrige algumas expectativas exageradas naquela comunidade a respeito da parusia (segunda volta de Cristo no fim dos tempos). Por isso, alguns peritos pensam num discípulo do apóstolo como autor desta carta usando o nome de Paulo para mostrar sua fidelidade ao mestre, não para falsificar. Esta pseudepigrafia era costume de época; hoje, os exegetas costumam atribuir a Paulo apenas sete cartas (Rm; 1 e 2Cor; Gl; Fl; 1Ts e Fm). Discípulos da segunda e terceira geração continuaram escrever na tradição do apóstolo, em nome dele: Ef e Cl; 2Ts e as cartas pastorais 1 e 2Tm; Tt. A carta aos hebreus (Hb) é anônima (sem nome).

Evangelho: Mt 23,27-32

No discurso em Mt 23 sobre os fariseus e mestres da lei, Jesus critica e condena os líderes religiosos, os doutores da lei e os fariseus. Na época de Mt não havia mais os sacerdotes saduceus, porque sua área de atuação, o templo de Jerusalém, foi destruído em 70. d.C. Os fariseus ficaram como único partido e liderança do judaísmo.

Mt é duro na sua crítica: Os fariseus destacam a lei e sustentam um sistema formalista e hipócrita: não consideram o Reino de Deus como dom nem respeitam a liberdade dos filhos de Deus. Tal sistema impede de entrar no Reino (v. 13), pois não leva à conversão, mas à perversão e destrói o verdadeiro espírito das Escrituras, chegando a matar até mesmo os enviados de Deus (vv. 34s). Jesus mostra que a religião formalista e jurídica não é meio de salvação, mas produz uma prática escravizadora; portanto, é frontalmente oposta àquela que deve ser vivida por qualquer comunidade cristã. Ouvimos hoje as duas últimas e mais graves de sete lamentações, introduzidas por “ai de vós” (cf. evangelhos de ontem e antes de ontem).

Ai de vós, mestres da lei e fariseus hipócritas! Vós sois como sepulcros caiados: por fora parecem belos, mas por dentro estão cheios de ossos de mortos e de toda podridão! Assim também vós: por fora, pareceis justos diante dos outros, mas por dentro estais cheios de hipocrisia e injustiça (vv. 27-28).

No sexto “ai”, retoma-se o contraste de “dentro” e “fora” (cf. vv. 25s). Sem mencionar certa ação dos fariseus, eles são comparados aos sepulcros caiados. Os judeus da época costumavam enfaixar e enterrar o cadáver num túmulo cavado na rocha ou numa caverna, acessíveis por fora. Depois de um ano, quando restava só o esqueleto, os ossos foram retirados e colocados em cestas ou sacolas, enterrados de novo nos campos ou em cavernas chamadas “casa de ossos”. Para serem visíveis também na noite, estes lugares foram pintados com cal e cada ano, depois da chuva, renovava-se a pintura, porque cadáveres e sepulcros produziam por contato a máxima contaminação e deviam ser evitados (Lv 21,11; Nm 6,6; 19,11-21; Eclo 34,25). Por outro lado, os túmulos eram ornamentados para honra dos defuntos. A comparação dos hipócritas com o mundo da morte é forte. Pode chegar à conclusão que eram extremamente abomináveis e podres, e o contato com eles devia ser evitado para não se contaminar.

Como a cor branca é só uma pintura que esconde ossos mortos, assim a justiça dos fariseus é só aparência por fora; os doutores da lei se preocupam para parecerem justos e corretos, mas por dentro estão cheios de “hipocrisia e iniquidade (injustiça)”; Mt emprega estas duas palavras com preferência (cf. 7,23; 13,41). Os rabinos fariseus, porém, consideravam como iniquidade (“fora da lei”) a interpretação da lei por Jesus no sermão da montanha.

Aí de vós, mestres da lei e fariseus hipócritas! Vós construís sepulcros para os profetas e enfeitais os túmulos dos justos, e dizeis: ‘Se tivéssemos vivido no tempo de nossos pais, não teríamos sido cúmplices da morte dos profetas’. Com isso, confessais que sois filhos daqueles que mataram os profetas (vv. 29-31).

O costume de erigir mausoléus ou monumentos funerários é documentado (de Raquel: Gn 35,20; de Sobna: Is 22,16; do poderoso: Jó 21,32). O último “ai” se refere à veneração dos profetas e justos. Para este fim, os fariseus e os mestres lei construíam túmulos e sepulcros para eles. O que está errado nisso? Nada, se estes monumentos documentassem uma mudança de pensamento, ou seja, a conversão que as gerações negaram quando ouviram as palavras dos antigos profetas. Mas a fala dos fariseus e mestres da lei demonstra que são filhos dos pais que mataram os profetas. Também eles se negam a converter e matarão de modo violento os “profetas, sábios e escribas” (cf. Jr 18,18) que Jesus enviará a eles (cf. vv. 34s).

Completai, pois, a medida de vossos pais! (v. 32).

Esta frase pode ser uma alusão irônica à morte próxima do próprio Jesus. Os mestres da lei completam a medida (cf. Gn 15,16), matando o último e maior profeta (Dt 18,15), o Filho de Deus, Jesus (cf. 21,38s).

O discurso de Mt 23 com os sete “ais” é o contraste negativo à sermão da montanha que começou com as bem-aventuranças. Todo este discurso de Mt 23 reflete a situação da comunidade de Mt em 80 d.C.: depois da guerra Judaica (66-73) e da destruição do templo pelos romanos restaram apenas os fariseus como líderes no judaísmo e começaram impor sua interpretação da lei como pensamento único, perseguindo os cristãos (no ano 90, os excluíram, excomungavam da sinagoga; cf. Jo 9,22, 16,2).

Hoje a situação é diferente. Depois de séculos de perseguições que os judeus sofreram por parte dos cristãos, cabe a Igreja fazer uma autocrítica e pedir desculpas a “nossos irmãos mais velhos” na fé (como fez o papa João Paulo II em 2000). Hoje a relação entre cristãos e judeus é de respeito e certa amizade. Jesus dirigiu esse discurso aos próprios discípulos (23,1) para eles não repetirem os erros de uma religião praticada pelos fariseus que afasta de Deus. Então, hoje somos nós os convidados à reflexão e conversão.

O site da CNBB comenta: Devemos sempre estar alertas em relação à nossa vivência da fé porque, se não nos cuidarmos, podemos criar um abismo muito grande entre o que falamos e o que vivemos ou, pior ainda, podemos viver uma religiosidade de aparências, uma religiosidade ritual em detrimento de uma real vivência de fé, de uma resposta pessoal aos apelos que nos são feitos para que assumamos os compromissos do nosso batismo a partir de uma vida verdadeiramente profética que denuncie os contra-valores do mundo e anuncie a verdade dos valores que foram pregados por Jesus Cristo. Deste modo, a nossa vida religiosa não será simplesmente ritual, mas também compromisso.

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