27 de fevereiro de 2017 – Segunda-feira, 8ª semana

 

Leitura: Eclo 17,20-28 (grego 24-29)

No livro de Eclo, um mestre da sabedoria (Jesus Ben Sirac) dá conselhos; na leitura de hoje convida à conversão e louvor pelo perdão de Deus.

Aos arrependidos Deus concede o caminho de regresso, e conforta aqueles que perderam a esperança, e lhes dá a alegria da verdade (v. 20).

Deus deu aos homens inteligência, discernimento e bom senso (cf. vv. 5-6) e deu a seu povo a “lei da vida” (v. 9), ou seja, orientação para uma vida responsável e fecunda. Todos os seres humanos e especialmente o seu povo deveriam estar em condições de discernir entre o bem e o mal e atuar de forma correspondente. No entanto, o pecado e a injustiça existem. O ser humano sabe do bem, no entanto tende para o mal (cf. v. 14, cf. Rm 7,14-25). Mas não precisa se desesperar, porque Deus que vê e julga tudo, sabe também desse problema: “Aos arrependidos Deus concede o caminho de regresso, e conforta aqueles que perderam a esperança, e lhes da alegria da verdade” (v. 20; cf. Lc 15,11-24; Jo 8,32).

Volta ao Senhor e deixa os teus pecados, suplica em sua presença e diminui as tuas ofensas. Volta ao Altíssimo, desvia-te da injustiça e detesta firmemente a iniquidade. Conhece a justiça e os juízos de Deus e permanece constante no estado em que ele te colocou, e na oração ao Deus altíssimo (vv. 21-24).

Mas o homem tem que fazer sua parte (vv. 21-25), o arrependimento deve levá-lo a “volta”, ou seja, a “conversão” ao Senhor, ao Altíssimo (vv. 21-22), deixar os pecados e as ofensas (injustiça e iniquidade-idolatria podem representar as duas tabuas da lei, ou seja, os 10 mandamentos). Há de “conhecer a justiça” de Deus e permanecer “constante” (v. 24) na oração e no estado em que ele te colocar (por ex.: não cometer adultério, não roubar; cf. 1Cor 7,17-24).

Anda na companhia do povo santo, com aqueles, que vivem e proclamam a glória de Deus. Não te demores no erro dos ímpios, louva a Deus antes da morte; o morto, como quem não existe, já não louva. Louva a Deus enquanto vives; glorifica-o enquanto tens vida e saúde. Louva a Deus e glorifica-o nas suas misericórdias. Quão grande é a misericórdia do Senhor, e o seu perdão para com todos aqueles que a ele convertem! (vv. 25-28).

Mais duas colocações ajudam na conversão.

Primeiro: “Anda na companhia do povo santo”, ou seja, não ser individualista e querer a salvação sem a comunidade (igreja). “Aprouve, contudo, a Deus santificar e salvar os homens não singularmente, sem nenhuma conexão uns com os outros, mas constituí-los num povo” (Concílio Vaticano II, LG 24). A participação do indivíduo no coletivo da igreja (Povo de Deus a caminho) ajuda para se manter nos caminhos do Senhor.

Segundo: A conversão não se pode adiar para além desta vida. Há de converter-se “enquanto tens vida e saúde”, antes que chegue a morte e seja tarde (vv. 26-27). Para Ben Sirac e sua época, uma existência além da morte está fora da esfera benéfica de Deus. O destino do homem – louvar a Deus – se frustra no Xeol ou abismo (vv. 26-27; Is 38,18; Sl 30,10; 88; 115,18). Mas para aqueles que se convertem em tempo, “grande é a misericórdia do Senhor e seu perdão” (v. 28; cf. Lc 23,39-43; Sl 32; 136).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 868) comenta o contexto: Leitura da história de Israel muito próxima da dinâmica deuteronomista e de Ezequiel, apontando para Israel incapaz de se afastar do mal e mudar seu coração de pedra em coração de carne (cf. Ez 11,19; 36,26). Reforça-se a ideia de que Deus vê, castiga, recompensa, perdoa e salva. É um convite motivado pela esperança de que Deus adia a morte do pecador para que se converta (cf. Sl 6,6; 30,10; Is 38,18).

Evangelho: Mc 10,17-27

No cap. 10, depois de uma catequese familiar sobre matrimônio e o valor das crianças, Mc trata a questão dos bens que podem impedir um homem a seguir Jesus.

Quando Jesus saiu a caminhar, veio alguém correndo, ajoelhou-se diante dele, e perguntou: “Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” (v. 17).

Jesus caminha, mas “veio alguém correndo” (v. 17), um homem com pressa (angustiado, estressado?). Ele tem observado os mandamentos “desde a sua juventude” (v. 20; em Mt 19,16 ele é um “jovem”), mas “ajoelhou-se diante dele e perguntou: “Bom Mestre, que devo fazer para ganhar a vida eterna?” (v. 17b; cf. Lc 10,25). A pergunta revela que o homem acredita na ressurreição e sabe que não basta pertencer ao povo de Deus para salvar-se, mas precisa da decisão e da conduta ética do indivíduo. É a Lei que orienta para isso, mas na época de Jesus havia várias interpretações da lei que confundiam o povo.

Jesus disse: “Por que me chamas de bom?” Só Deus é bom, e mais ninguém. Tu conheces os mandamentos: não matarás; não cometerás adultério; não roubarás; não levantarás falso testemunho; não prejudicarás ninguém; honra teu pai e tua mãe!” (vv. 18-19).

A resposta de Jesus parece estranha para nós: “Porque me chamas de bom? Só Deus é bom e mais ninguém” (v. 18). Jesus quer corrigir a expectativa do homem: A resposta a esta pergunta cabe só a Deus, o único que salva. O que Jesus comunica, não é uma opinião pessoal, mas a vontade de Deus.

“Tu conheces os mandamentos” (v. 19). Jesus cita a segunda tábua da Lei (10 Mandamentos); a primeira tábua (os primeiros três mandamentos) já estava incluída na frase anterior sobre a unicidade e bondade de Deus (cf. Dt 6,4-6). Assim, Jesus não cita a proibição das imagens incluída no primeiro mandamento, nem o segundo mandamento sobre o nome de Deus e nem o terceiro sobre o sábado; os cristãos vão mudar o primeiro e terceiro. Citando apenas a segunda tábua e omitindo a citação dos três primeiros mandamentos, Jesus abre espaço para um homem poder salvar-se pela sua ética e boa conduta, independentemente da sua fé e religião. Assim será no juízo final em Mt 25,31-46 (cf. o bom samaritano em Lc 10,25-37 e Vaticano II, LG 16).

A sequência dos mandamentos citados é diferente: Jesus cita o 5º, 6º, 7º e 8º mandamento, depois o 4º no final (vv. 19; cf. Ex. 20,12-16; Dt 5,16-20), antes acrescenta “não prejudicarás ninguém”; este último pode ser um resumo do 9º e 10º mandamento, mas a tradição helenista destacava as obrigações sócias, então poderia se referir aos pobres e empregados cujos salários não se deve atrasar (este preceito convém para um rico; cf. Eclo 4,1 com a mesma palavra, e Dt 24,14). Também o 4º mandamento no final expressa obrigações sociais a respeito dos pais (cf. 7,10-13; Eclo 3,1-16).

Ele respondeu: “Mestre, tudo isso tenho observado desde a minha juventude.” Jesus olhou para ele com amor, e disse: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me!” Mas quando ele ouviu isso, ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico (vv. 20-22).

Até agora nada de novo para este homem que pode constatar que “tudo isso tenho observado” (v. 20). Mas Jesus convida para segui-lo, “olhou com ele com amor e disse: ‘Só uma coisa te falta, vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu. Depois vem e segue-me’” (v 21).

No judaísmo surgiu a ideia de que esmolas e boas obras serão recompensadas no céu (cf. Mt 6,2-4; 6,9-21). Para ganhar a vida eterna, não se deve “correr” (v. 17) atrás de dinheiro, mas atrás de Jesus que também é pobre e caminha para cruz. Mas a vocação fracassou desta vez, o homem “ficou abatido e foi embora cheio de tristeza, porque era muito rico” (v. 22; cf. 4,19).. Quem vai seguir Jesus no caminho a Jerusalém, será Bartimeu, o mendigo cego e curado (v. 52, final do cap. 10).

Jesus então olhou ao redor e disse aos discípulos: “Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!” Os discípulos se admiravam com estas palavras, mas ele disse de novo: “Meus filhos, como é difícil entrar no Reino de Deus! É mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!” (vv. 23-25).

Jesus lamenta e se dirige agora aos discípulos: “Como é difícil para os ricos entrar no reino de Deus!” (v. 23); “entrar no reino de Deus” significa aqui o mesmo da pergunta: “ganhar a vida eterna” (v. 17; cf. 9,43-47). Repetindo a frase, Jesus chama os discípulos: “meus filhos” (v. 24; lit. “crianças”; só aqui os chama assim em Mc) e diz: ”É mais fácil um camelo entrar no buraco de uma agulha do que um rico entrar no reino de Deus” (v. 25). Não se deve atenuar o contraste trocando a palavra camelo por cámilo (corda de navio) ou aludir a um portal no muro de Jerusalém com o nome camelo. Já os rabinos e outros autores da época conheciam as comparações absurdas do elefante e da agulha ou do contraste da formiga e do camelo.

Eles ficaram muito espantados ao ouvirem isso, e perguntavam uns aos outros: “Então, quem pode ser salvo?” Jesus olhou para eles e disse: “Para os homens isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível” (vv. 26-27).

Os discípulos ficaram muito espantados e perguntaram uns aos outros: “Então quem pode ser salvo?” (v. 26); a mesma pergunta de v. 17, só desta vez generalizada. Riqueza e outros poderes do mundo seduzem o homem e se opõem ao reino de Deus. Mais uma vez Jesus orienta para a soberania de Deus (cf. v. 18). Só Deus é bom e pode superar os obstáculos: “Para os homens isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus tudo é possível” (v. 27; cf. Gn 18,14; Jó 42,2; Zc 8,6; Lc 1,37). Assim a preocupação do homem passa do material para o espiritual, da dependência do dinheiro para gratuidade (graça) de Deus.

Em Lc 19,1-10, depois da cura do cego que segue Jesus, aparece um rico cobrador de impostos, Zaqueu. Ele se converte, não segue Jesus no caminho, mas se salva dando a metade dos seus bens aos pobres.

Na história da Igreja havia interpretações diversas do texto de hoje. No evangelho apócrifo dos nazarenos, o rico é visto como hipócrita: como ele pode dizer que cumpre os mandamentos, se está na lei: “Amarás o próximo como a si mesmo” (Lv 19,18). Alude-se a vida comunitária dos primeiros cristãos (cf. At 2,44-45; 4,32-37), e Clemente de Alexandria diz: “Todas as coisas são propriedade comum, e os ricos não devem querer mais para si do que para os outros”. São Tomás de Aquino assegura o direito à propriedade particular, no entanto, as propriedades têm obrigações sociais (e ambientais, acrescentamos hoje). O homem rico no evangelho fracassou na vocação, mas o texto inspirou Santo Antão e São Francisco a venderem seus bens para levar uma vida simples. A exigência de Jesus é vista como um conselho para alguns, não como mandamento para todos (cf. 1Cor 7,10-25), assim se vive os três conselhos “pobreza, castidade, obediência” nas congregações religiosas, mas há de lembrar a todos as pessoas de suas obrigações sociais e da opção preferencial pelos pobres de Jesus e da Igreja (cf. Lc 4,18; 6, 20-25; 16,19-31).

O site da CNBB comenta a respeito: O evangelho de hoje nos apresenta, no caso do jovem rico, um grave erro que pode ocorrer na vida de todos nós no que diz respeito à questão da salvação e que se refere ao sujeito da salvação. Às vezes, a gente escuta que as pessoas devem esforçar-se para se salvarem e eu penso que eu devo conseguir me salvar. Ora, ninguém salva a si próprio. Eu não posso ser o meu salvador. Os discípulos perguntaram: “Quem então poderá salvar-se?” A resposta de Jesus é: “Para os homens isso é impossível, mas não para Deus. Para Deus, tudo é possível”. Não podemos confiar a nossa salvação nem em nós mesmos, nem nos outros e nem nos bens materiais, pois nada ou ninguém, a não ser o próprio Deus, podem nos salvar.

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