27 de junho de 2018, quarta-feira: Cuidado com os falsos profetas: Eles vêm até vós vestidos com peles de ovelha, mas por dentro são lobos ferozes

Leitura: 2Rs 22,8-13; 23,1-3

A leitura de hoje nos fala da reforma religiosa que o rei Josias iniciou quando se achou o livro de Deuteronômio nas dependências do templo em Jerusalém em 622 a.C. Josias reinou de 640 a 609 a.C; a Bíblia o Peregrino (p.707) comenta o contexto histórico:

Quando Josias subiu ao trono, a situação política tinha mudado notavelmente. A Assíria tinha iniciado já o curso de sua decadência definitiva. O rei Assurbanipal é famoso, mais pela grande biblioteca que organizou do que por suas campanhas militares…

Durante o reinado de Josias, caiu Nínive, capital do império assírio, sob a pressão combinada de medos e babilônios: acontecimentos profetizados por Naum. Depois do silêncio imposto pela perseguição de Manassés, os profetas voltam a falar: primeiro Sofonias, depois Jeremias. Como Ezequias teve Isaias ao seu lado, assim Josias contou com Jeremias; são duas duplas extraordinárias. A vocação de Jeremias aconteceu em 627, mas é difícil dizer quando começou sua colaboração com o rei (quando em 622 encontrou o livro, consulta Hulda, não Jeremias).

Josias passa a história pela sua radical reforma cultual e pela sua morte trágica. A reforma religiosa começou provavelmente enquanto o rei se consolidava no trono e o partido pró-assírio perdia terreno. O autor concentra os fatos de tal modo que é impossível reconstruir as etapas da reforma…

A descoberta do Livro da Lei ou Livro da Aliança é um dos fatos transcendentes desse reinado. Provavelmente se tratava de uma versão anterior, menos desenvolvida, do nosso Deuteronômio. O núcleo deste livro, caps. 12-26, é uma espécie de código legal, com explicações e exortações incorporadas à série das leis. O livro é estilizado aproximadamente, em forma de documento de aliança: com uma introdução histórica, uma série de leis, uma lista de bênçãos e maldições. Os capítulos 29-31 apresentam uma segunda aliança em terras de Moab, ao passo que uma seção do capitulo 27 se refere à renovação da aliança em Siquém. Nenhum livro como o Deuteronômio merece o duplo titulo de Livro da Lei e Livro da Aliança.

É certo que várias partes do livro são posteriores a Josias, e que algumas pressupõem o desterro. Por outro lado, é impossível indicar as datas de composição do resto.

No campo político, o livro tem espírito democrático; no religioso, postula uma rígida centralização do culto; no militar, renova o antigo ideal da guerra santa; etnicamente toma uma atitude intolerante perante a população cananéia; no social, é um livro animado de profundo senso de justiça e caridade.

O narrador vai concentrar-se na reforma cultual de Josias, sem nada dizer em suas reformas sociais, que devem ter sido importantes. Deve-se completar esses dois capítulos com a leitura do profeta Jeremias.

O sumo sacerdote Helcias disse ao secretário Safã: “Achei o livro da Lei na casa do Senhor!” Helcias deu o livro a Safã, que também o leu. Então o secretário Safã foi à presença do rei e fez-lhe um relatório nestes termos: “Os teus servos juntaram o dinheiro que se achou no templo e entregaram-no aos empreiteiros encarregados do templo do Senhor”. Em seguida, o secretário Safã comunicou ao rei: “O sacerdote Helcias entregou-me um livro”. E Safã leu-o diante do rei (22,8-10).

A descoberta do livro parece fato casual. Como o templo ocultou por algum tempo o sucessor de Davi até a sua coroação (Joás sob Atalia, 2Rs 11; cf. leitura de sexta-feira passada), assim agora o templo guarda um precioso documento de renovação e volta ao ideal primitivo da aliança.

O livro achado introduz-se com artigo “o” (livro), como coisa conhecida. A arca da aliança continha o livro ou protocolo da aliança sinaítica (o decálogo escrito em tábuas de pedra: Ex 25,16.21; 31,18; 32,15; 34,29; cf. Ex 24,3s.7). Mas o novo livro é coisa diferente, não radicalmente nova, porém reconhecível. O sacerdote que o encontrou foi quem deu a notícia; na sua profissão, devia estar familiarizado com muitos conteúdos desse livro.

A expressão “livro da Lei” encontra-se apenas em Dt 28,61; 29,20; 30,10; 31,26; Js 1,8; 8,34. Este “livro da Lei”, chamado “livro da Aliança” em 23,2.21 é o Deuteronômio, no mínimo a seção legislativa do Dt que vai inspirar a Josias sua reforma religiosa. É o documento da aliança com Javé, talvez redigido em relação com a reforma do rei Ezequias (18,4; cf. cap. 18-20) e escondido, ou perdido, ou esquecido no reinado do ímpio rei Manassés (cap. 21). A descoberta certamente não é uma fraude dos sacerdotes de Jerusalém (cf. 23,9).

Ao ouvir as palavras do livro da Lei, o rei rasgou as suas vestes. E ordenou ao sacerdote Helcias, a Aicam, filho de Safã, a Acobor, filho de Miquéias, ao secretário Safã e a Asaías, ministro do rei: ”Ide e consultai o Senhor a meu respeito, a respeito do povo e de todo Judá, sobre as palavras deste livro que foi encontrado. Grande deve ser a ira do Senhor que se inflamou contra nós, porque nossos pais não obedeceram às palavras deste livro, nem puseram em prática tudo o que nos fora prescrito” (22,11-13).

Ao ouvir “as palavras do livro da lei” (cf. Dt 17,18-19; 28, 58; 31. 24; Js 8,34), o rei rasgou suas vestes em sinal de luto. Basta ler algumas maldições dos capítulos 27 e 28 do Dt para compreender a tristeza e o terror do rei. Aos ouvidos do rei, o livro parecia uma voz profética denunciando delitos acumulados em gerações que pesam sobre a geração presente. Era preciso fazer uma consulta para buscar um meio de expiar o delito e afastar a cólera de Deus.

Neste momento, não bastava um oráculo sacerdotal ordinário; os dignitários da corte, incluído o sumo sacerdote, tinha de recorrer ao oráculo profético (cf. 1Rs 22,7-8; Jr 21,2; cf. também 1Rs 14,5).

A nossa leitura de hoje saltou a consulta à profetisa Hulda a respeito do livro (22,14-20). Por que Hulda? Será porque Jeremias ainda não era acreditado? O autor não acha nada de estranho na escolha. Jeremias pertencia a uma família sacerdotal de Anatol, ao passo que Hulda era a mulher de um empregado subalterno do templo. Outras profetisas também são mencionadas na Bíblia: Míriam (Ex 15,20); Débora (Jz 4,4); Noadias (Ne 6,14); Ana (Lc 2,36) e as filhas do diácono Filipe (At 21,8s). Aqui não se trata nem de Jeremias, nem de Sofonias, mas de Hulda, provavelmente porque ela morava nas proximidades do templo, onde seu marido exercia o cargo de sacristão.

Então o rei mandou que se apresentassem diante dele todos os anciãos de Judá e de Jerusalém. E subiu ao templo do Senhor com todos os homens de Judá e todos os habitantes de Jerusalém, os sacerdotes, os profetas e todo o povo, do maior ao menor. Leu diante deles todo o conteúdo do livro da Aliança que tinha sido achado na casa do Senhor. De pé, sobre o seu estrado, o rei concluiu a aliança diante do Senhor, obrigando-se a seguir o Senhor e a observar seus mandamentos, preceitos e decretos, de todo o seu coração e de toda a sua alma, cumprindo as palavras da Aliança escritas naquele livro. E todo o povo aderiu à Aliança (23,1-3).

As cerimônias de renovação da aliança eram conhecidas, e o autor não se detém em descrevê-los todas. O rei age qual mediador, como Moisés e Josué em outros tempos (não segue o modelo de Joás  em 2Cr 24,17s; leitura de sábado passado). “O rei concluiu a aliança” no templo, num lugar reservado ao rei, “sobre seu estrado”, e o povo escutava a leitura pública e respondia com aceitação, talvez repetindo o tríplice “serviremos” (cf. Ex 19,8; 24,3.7; Js 24,21-24).

Diversas expressões são típicas do Dt e de Jr: “Homens de Judá e habitantes de Jerusalém”, expressão característica de Jr 4,4; 11,2: 17,25: 18,11: 32,32 etc. igualmente “os sacerdotes e os profetas”: Jr 4,9; 13,13; 26,7-8. 11. 16: e ainda: “todo o povo, do maior ao menor (pequenos e grandes)”: 8,10; 42,1-8. “Observar seus mandamentos, preceitos e decretos, de todo o seu coração e de toda a sua alma” é que Javé Deus ordenou em Dt 26,16; 30,2.10. “De todo o seu coração e de todo seu ser (alma)” é fórmula em Dt 4,29; 10,12; 11,13: 13,4; 26,16; 30,2.10. “Mandamentos, preceitos e decretos”, a mesma enumeração em Dt 6,17. “As palavras da Aliança”, cf. Dt 28,69: 29,8; Jr 11,2,3,6,8.

Nossa leitura não narra mais como se concretizou a reforma de Josias. Depois desta renovação da aliança, ele mandou destruir todos os objetos e lugares dedicados à devoção aos deuses estrangeiros (Baal, Ashera, Astarte) e aos astros em Jerusalém e seu redor (23,4-14), profanou o lugar onde se sacrificava as crianças e acabou com a prostituição sagrada e outras práticas supersticiosas (vv. 7.10.24). Centralizou o culto em Jerusalém (cf. Dt 12) profanando os “lugares altos” de outros cultos. Estendeu sua reforma até ao território do antigo reino do norte (demolindo os templos em Bet-El e Samaria, vv. 15-20) e renovou a festa da Páscoa (vv. 21-23). Mas todos os seus esforços eram tarde demais para aplacar a “ira de Deus que se inflamou” contra Judá e provocará a destruição (incêndio) de Jerusalém (cf. leitura dos próximos dias). A morte prematura de Josias numa batalha (23,29) foi considerada uma graça para não ver esta desgraça futura (cf. a profecia da profetisa Hulda em 22,17-20).

 

Evangelho: Mt 7,15-20

No final do sermão da montanha (7,13-27), Jesus dá dicas para o cristão que deve tomar decisões a partir deste sermão e caminhar entre dificuldades e ambiguidades. Jesus o previne e lhe oferece critérios para distinguir, usando e renovando as imagens tradicionais do caminho (estreito ou largo, vv. 13-14), da arvore (frutos bons ou maus, vv. 15-20) e da construção (na rocha ou na areia, vv. 24-27, evangelho de amanhã).

Cuidado com os falsos profetas: Eles vêm até vós vestidos com peles de ovelha, mas por dentro são lobos ferozes (v. 15).

Profetas e profecias desempenharam um papel importante nas primeiras comunidades cristãs (At 2,17s; 11,27s; 13,1; 15,32; 19,6; 21,9-11; cf. 1Cor 12 e 14, etc.), não sem provocar distúrbios (Mt 24,11.24p; Mc 9,38-40; At 13,6; 20,29s; Tt 1,1-16; 2Pd 2,1; 1Jo 4,1-6; Ap 2,20; 16,13; 19,20; 20,10).

Os “falsos profetas” foram os pesadelos dos autênticos (cf. Jr 23; Ez 13; Dt 13 entre outros). Elogiam e não denunciam (Is 30,10); prometem falsamente a paz (Jr 6,14; 8,11). Não faltam falsos profetas nas comunidades cristãs (Mt 24,11.24; cf. 1Jo 2,18 “anticristos”), nem mestres que “elogiam os ouvidos” (2Tm 4,3). Doutores de mentira seduzem o povo com falsas aparências de piedade, enquanto no íntimo buscam fins interesseiros (cf. Mt 24,4s.24).

A metáfora da ovelha e do lobo é conhecida no AT (Is 11,1; 65,25; Eclo 13,17; cf. Mt 10,16), mas ”lobos vestidos com peles de ovelha” é expressão própria de Mt. Nada se parece tanto com um verdadeiro profeta, como um falso profeta. As ideologias que nos afastam da opção fundamental pelo Reino e sua justiça, são cheias de fascínio, e sempre trazem a aparência de humanidade e até mesmo de fé. Só podemos perceber a sua falsidade através daquilo que elas produzem (“frutos”) na sociedade: ex. a cobiça e a sede de poder, que levam à exploração e opressão.

Vós os conhecereis pelos seus frutos. Por acaso se colhem uvas de espinheiros ou figos de urtigas? Assim, toda árvore boa produz frutos bons, e toda árvore má, produz frutos maus. Uma árvore boa não pode dar frutos maus, nem uma árvore má pode produzir frutos bons. Toda árvore que não dá bons frutos é cortada e jogada no fogo. Portanto, pelos seus frutos vós os conhecereis (vv. 16-20).

Mt dá uma regra para discernir os espíritos. A comparação com os “frutos” também é tradicional (Eclo 27,6; Pr 1,31; 3,9; 10,16; 11,30; 31,3; Tg 3,12.17; cf. também as parábolas de Joatão em Jz 9 e a de Isaias em Is 5). Podem ser as ações ou os efeitos da pregação (cf. Jr 8,11; Ez 13,10). Mt copiou esta parábola da fonte comum (Q) com Lc 6,43-46 e a aplica também em Mt 3,8.10; 12,33; 21,43; designa o comportamento concreto do homem, seja nos atos, seja nas palavras, que permite discernir ou reconhecer  (11,27; 14,35; 17,12) a autenticidade da atividade profética.

O site da CNBB comenta: Existem profetas que falam o que as pessoas gostam de ouvir e existem profetas que falam o que deve ser dito. O falso profeta é aquele que fala o que a pessoa gosta de ouvir, de modo que ela não muda de vida e não produz fruto algum, vive uma espiritualidade estéril; ele vive de acordo com a situação porque esta lhe é favorável e satisfaz seus interesses. O verdadeiro profeta fala o que a pessoa precisa ouvir para converter-se, mudar de vida e produzir frutos que permaneçam, ele não aceita a situação atual, marcada pelos privilégios e pecados e quer que ela mude, porque o seu interesse é que o Reino de Deus aconteça na história dos homens.

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