27 de Junho de 2021, Domingo -13º Domingo do Tempo Comum:

13º Domingo do Tempo Comum

 1ª Leitura: Sb 1,13-15; 2,23-24

Falando da imortalidade, a 1ª leitura combina com a ressurreição que Jesus realiza no evangelho de hoje. A crença numa vida após a morte, porém, aparece tarde no Antigo Testamento. Em Dn 12,2s e 2Mc 7 afirma-se a ressurreição dos corpos dos justos (numa visão também em Ez 37). O livro de Sb fala mais da imortalidade da alma, crença comum na cultura grega (helenista). De fato, Sb é o último livro na ordem cronológica (a atribuição a Salomão é fictícia, cf. 7,7-11; 9,7s.12), e foi escrito por sábio judeu em grego (por isso, não acolhido nas Bíblias hebraicas e protestantes) numa cidade helenista, em Alexandria do Egito.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 839) comenta: Estamos em Alexandria, por volta do ano 30 a.C., quando o Egito se torna colônia romana. Os imigrantes judeus perdem muitos privilégios, e sua pobreza aumenta. Por isso, o autor faz apelo aos mandatários para que o governem com justiça. Quem pratica a justiça e busca a Deus encontra a sabedoria. Pois o Deus da vida, claro que não fez a morte (cf. Ez 18,32; 33,11), que é fruto da injustiça. Ao contrário, a justiça é imortal, e conduz para Deus, e consequentemente para a vida. 

Deus não fez a morte, nem tem o prazer com a destruição dos vivos. Ele criou todas as coisas para existirem, e as criaturas do mundo são saudáveis: nelas não há nenhum veneno de morte, nem é a morte que reina sobre a terra: pois a justiça é imortal (1,13-15).

A Bíblia de Jerusalém (p.1204) comenta: O autor visa ao mesmo tempo a morte física e a morte espiritual, ligadas uma à outra: o pecado é a causa da morte espiritual e eterna. O autor remete a narração de Gn 2-3 para daí tirar as intenções do Criador: o homem foi feito para a imortalidade e nada na criação pode obstruir a vontade divina; pelo contrário, “as criaturas” ajudam a salvação do homem. – São Paulo (Rm 5,12-21) retomará a doutrina da morte introduzida pelo pecado, opondo ao primeiro Adão-pecador o novo Adão-salvador.

O autor comentário livremente Gn 1-3: tudo é bom, impera a vida (cf. 2,23s). Deus, o Senhor (Javé “Aquele que é”, cf. Ex 3,14) criou todas as coisas para que elas tenham uma vida real, sólida, durável. “As criaturas do mundo são saudáveis”, no sentido de que asseguram a continuação da vida.

A origem da morte é concebida de duas dimensões: a) a morte física, patrimônio de todo homem, 7,1 (cf. Gn 2,3; Ez 18,28-32; 33,11; Rm 5,12-21); b) e a morte escatológica, definitiva, própria dos ímpios e perversos neste livro (cf. Is 45,7; Dt 32,39).

“Nem é a morte que reina sobre a terra”, lit. Hades (grego) – o Xeol dos hebreus (Nm 16,33). O Hades representa aqui não a morada dos mortos como na mitologia grega, mas o poder do Morte personificada (cf. Mt 16,18; Ap 6,8; 20,14). O Xeol designava as profundezas da terra (Dt 32,22; Is 14,9, onde os mortos descem (Nm 16,30.33), onde maus e bons se confundem (1Sm 28,19; Sl 89,49; Ez 32,17-32) e tem uma sobrevivência apagada (Ecl 9,10), onde Deus não é louvado (Sl 6,6; 88,6.12s; 115,19: Is 38,18). Contudo, o poder de Deus vivo (cf. Dt 5,26) se exerce mesmo nesta habitação desolada (1Sm 2,6; Sb 16,13; Am 9,2). A doutrina das recompensas e penas além-túmulo e a da ressurreição (Ez 37,1-14; Dn 12,2s), preparadas pela esperança dos salmistas (Sl 16,10s; 49,16; 73,24), só aparecem claramente no fim do AT em ligação com a crença na imortalidade da alma (Sb 3,1-9; 2Mc 7; 12,38-45).

“A justiça é imortal”. O autor cria uma dessas frases que evitam a precisão para se carregar de sentido. Frase lapidar, triunfal, que com sua ressonância vai dominar todo o livro. A justiça é imortal, e os justos participam desta imortalidade (1,15; 3,1-4).

De fato, o autor identifica a sabedoria com a justiça e, depois de mostrar que ela é o guia da vida (1,16-5,23) e apresentar a sua natureza (6,1-9,18), faz uma longa meditação sobre o êxodo no qual Israel experimentou a justiça de Deus (10,1-19,21). Doravante, toda sabedoria implica exercício da justiça, e este, se for verdadeiro, produz a libertação.

Uma inclusão enquadra o primeiro capitulo: “Amai a justiça… a justiça é imortal” (vv. 1.15). Outra inclusão (vv. 2 e 13-14) tem Deus como sujeito: é acessível, é autor da vida, não da morte. Mais à frente o autor esclarece que os justos são chamados a imortalidade (2,22-23; 3,4-9; 5,15). Manuscritos latinos acrescentam no v. 15: “Mas a injustiça é a aquisição da morte”. Esta adição é mal documentada, não deve representar o texto grego original.

Nossa liturgia omite 1,16-22, quase um cap. inteiro que descreve o pensamento e comportamento dos ímpios que não acreditam numa vida e justiça após a morte, procuram o prazer e condenam o justo que os repreende. A morte não é o último acontecimento na vida do justo, mas abre um entreato para a nova e definitiva situação. Toma o justo onde o deixaram os perversos: condenado e morto (vv. 2,17-20). Fica algo dele? Na convicção dos perversos, o assunto terminou, provaram sua tese sobre a inutilidade da justiça.

O autor assegura a continuidade com uma série de repetições verbais ou sinonímicas. Os perversos faziam uma prova com o justo (2,17.19); na realidade, era Deus que submetia à prova (3,5.6); eles o submetiam tormentos (2,19), mas o tormento não o tocou (3,1); a vida era uma centelha (2,2), a nova vida é um incêndio glorioso (3,7); os perversos atropelavam o desvalido (2,10), os justos submetem os povos (3,8); os perversos se declaravam fraco inútil (2,11), agora se vê que as obras deles são inúteis (3,11); o justo olhava o perverso como escória (2,16), agora o justo é ouro acrisolado (3,6); o justo estava nas mãos do perverso (2,18), agora está na mão de Deus (3,1). A “esperança” (3,4) faz compreender a verdade (3,9).

Deus criou o homem para a imortalidade e o fez à imagem de sua própria natureza; foi por inveja do diabo que a morte entrou no mundo, e experimentam-na os que a ele pertencem (2,23-24).

Pelo tema, esses dois versículos se ligam diretamente com 1,13-14. Deus criou o ser humano “para a imortalidade”, como capacidade e destino, vinculado ao fato de ser “imagem” de Deus (Gn 1,26-27), “de sua própria natureza” (lit.: “de sua própria propriedade”, var.: “de sua própria eternidade”, ou: “de sua própria semelhança”). O Deus da vida comunica vida e imortalidade a suas imagens.

O autor chama de “diabo” (traduz, na LXX, o hebraico satan; cf. Jó 1,6) a serpente do paraíso (Gn 3; Ap 12,9; 20,2) ou a “inveja” homicida de Caim (Gn 4,5-8; cf. Mc 15,10; Jo 8,44; Rm 5,12; Hb 2,14). O autor remonta à origem da morte, conceito de duas dimensões: a morte física, patrimônio de todo ser humano (7,1; Gn 2-3; Ez 18,28-32; Rm 5,12-21) e a morte escatológica, definitiva, própria dos perversos neste livro (cf. Dt 32,39; Is 45,7; Ap 21,8). Pelo contexto (cf. 3,1) se vê que o autor pensa aqui na morte definitiva, não na morte que dá passagem à vida, como é a do justo.

2ª Leitura: 2Cor 8,7.9.13-15

Nossa liturgia saltou a leitura dos caps. 6-7 nos quais Paulo começou a tratar das relações diretas com a comunidade. Mencionou fatos anteriores, superados agora pelo clima de alegria e confiança mútua. A visita de Tito à comunidade recuperou o ânimo e a coragem (7,5-15; cf. 8,6). Com tudo isso, demonstra como os fatos negativos podem ser superados positivamente, graças à força cristã do perdão e da reconciliação.

Nos caps. 8 e 9, Paulo exorta os coríntios a “generosidade”, explanando temas que lhe são caros: a pobreza fonte de enriquecimento para os outros (7,2 e 6,10), o exemplo de Cristo (8,9; cf. 1,7), o dom de Deus (8,1) que suscita o dom dos cristãos (8,5; cf. 9,8s).

Nestes caps. 8-9, Paulo aborda duas vezes o tema da coleta (sobre a partilha nas igrejas já tratou em Rm 15,25-32 e 1Cor 15,1-4). Para dizer “coleta”, emprega os termos gregos koinonia (“comunhão/comunidade”; 8,4; 9,13; Rm 15,26) e diaconia (“serviço”). Este último ocorre doze vezes, sendo 2Cor o escrito do NT que mais o emprega.

No ano 48, houve grande fome na Judéia e em Jerusalém (At 11,28-30), por causa da colheita fraca do ano precedente, que tinha sido sabático, no qual os judeus não semeiam, para que a terra possa descansar (cf. Ex 23,10-11; Lv 25,1-7; Ne 10,32; 1Mc 6,49-53). Para atender à situação, organizou-se uma ajuda econômica em favor dos cristãos de Jerusalém. Depois, no ano de 49, durante o primeiro concílio dos apóstolos em Jerusalém (cf. At 15), Paulo prometeu que, em suas missões entre os pagãos, daria sempre atenção aos irmãos pobres de Jerusalém (cf. Gl 2,10; At 24,17).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1412) comenta: Era então necessário apelar para a solidariedade das igrejas da Grécia em favor das comunidades de Jerusalém. A pobreza de algumas pessoas generosas pode ser fonte de riqueza para outras bem mais pobres. O exemplo maior é de Jesus Cristo, que sendo rico se fez pobre. Na partilha manifesta-se o dom de Deus que distribui tudo generosamente. Assim, a coleta cristã se faz para “haver igualdade” (8,13.14).

E como tendes tudo em abundância – fé, eloquência, ciência, zelo para tudo, e a caridade de que vos demos o exemplo –  assim também procurai ser abundantes nesta obra de generosidade (v. 7).

Na primeira carta aos coríntios, Paulo já tinha descrito os dons (“carismas”) e colocado acima deles o “amor-caridade” (1Cor 12-13). Agora aplica o dito: reconhece os carismas dos coríntios e os põe a prova da generosidade, “é para testar a sinceridade da vossa caridade que eu lembro a boa vontade de outros” (v. 8, omitido).

Na verdade, conheceis a generosidade de nosso Senhor Jesus Cristo: de rico que era, tornou-se pobre por causa de vós, para que vos torneis ricos, por sua pobreza (v. 9).

O ponto culminante é o exemplo do próprio Cristo que fundamenta e exalta a caridade cristã. É cristologia “descendente”, da riqueza divina (Cl 2,9) desce à pobreza humana para enriquecer-nos com sua plenitude (Jo 1,16). Cristo na terra despojou-se voluntariamente da sua glória e dos seus privilégios divinos; quis compartilhar nossos sofrimentos, nossa morte (Fl 2,7), para nos enriquecer de privilégios aos quais ele renunciara. O mesmo tema ocorre no hino de Fl 2,6-11, com ênfase na glorificação final de Cristo pelo Pai (cristologia ascendente). Em 2Cor 8,9, o acento é colocado sobre o a obra salvífica de Cristo. A motivação do comportamento dos cristãos a partir do exemplo de Cristo é característica da moral paulina (Rm 14,8; Ef 5,1; 5,25; Fl 2,5; etc; cf. 2Ts 3,7).

Nos vv. 10-12 (omitidos), Paulo lembra a boa vontade que os coríntios já têm mostrado e que agora deve se levar a termo. “Quando há boa vontade, somos bem aceitos com os recursos que temos; pouco importa o que não temos” (v. 12).

Não se trata de vos colocar numa situação aflita para aliviar os outros; o que se deseja é que haja igualdade. Nas atuais circunstâncias, a vossa fartura supra a penúria deles e, por outro lado, o que eles têm em abundancia venha suprir a vossa carência (vv. 13-14).

A Bíblia do Peregrino (p. 2781) comenta: É o ideal de igualdade relativa: a cada um segundo a sua necessidade; como na partilha – ideal e aproximada – da terra prometida segundo o tamanho das tribos e clãs (Js 13-19). Mas é a igualdade instável, que se deve restabelecer periodicamente (era a função do jubileu). Alguns comentaristas restringem a “abundância” de Jerusalém a bens espirituais. Ver Pr 3,27; Tb 4,9.

Uns referem o v. 14 aos macedônios (de Filipos e Tessalônica) cuja coleta foi mencionada no início do cap. (vv. 1-5), outros à comunidade cristã em Jerusalém, assim a Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 2242) sobre a “penúria deles”: O regime de comunidade dos bens, a fome citada em At 11,28 tinham empobrecido e Igreja de Jerusalém. Os seus membros são chamados “os pobres” (Gl 2,10), palavra que evoca os pobres do AT (“ebionim” e “anawim”).

A Bíblia de Jerusalém (p. 2181) comenta a “penúria deles … e abundância”: Paulo só pede aos coríntios o supérfluo, ao passo que os cristãos da Macedônia, em sua “pobreza extrema”, haviam dado “além dos seus meios” (vv. 2-3; cf. Mc 12,41-44p). – Apresentando-lhes o exemplo de Cristo (v. 9), Paulo convida-os discretamente a imitar a generosidade de seus irmãos macedônios … Seja em bens materiais, dado que as situações se invertem, seja, antes, em bens espirituais, desde o momento presente (cf. 9,14; Rm 15,27).

Como está escrito: “Quem recolheu muito não teve de sobra e quem recolheu pouco não teve de falta” (v. 15).

Paulo cita de uma das tradições sobre o maná (Ex 16,18): a despeito da avidez ou mesquinhez humanas, houve como certa igualdade na repartição do maná.

Nestes caps. 8-9, descobrimos uma indicação preciosa sobre a organização material das Igrejas paulinas e sua solidariedade financeira. Paulo tomou muito a sério o assunto da coleta a favor dos cristãos pobres de Jerusalém (Gl 2,10). A Bíblia do Peregrino (p. 2781) comenta: Podemos considerar como antecedentes o tributo do templo e outras ofertas voluntárias com as quais os judeus da Judéia e da diáspora contribuíram periodicamente para manutenção do templo e para o culto. Além do valor material, semelhante contribuição expressava a identidade e a unidade do povo disperso (Sl 133), sua união em torno do templo amado (Ez 24,21 … ). Lida nessa luz, a coleta poderia sugerir que os cristãos reconheciam nos pobres de Jerusalém uma presença especial de Deus, como um novo templo.

Acrescenta-se a importância que a esmola foi adquirindo importância depois do desterro, como provam numerosos textos: … Eclo 29,1-13 e s conselhos de Tobit a seu filho (Tb 4,7-11: “quem dá esmola, apresenta ao Altíssimo uma boa oferenda”); esses textos prolongam e intensificam o que já se encontra na lei (por ex. Dt 15,1-11) e nos numerosos provérbios (Pr 19,17: “Quem se compadece do pobre, empresta ao Senhor”). … no caso presente, além de aliviar uma situação local, a coleta expressava a unidade das igrejas cristãs em uma Igreja, a estima especial pela igreja-mãe de Jerusalém, a harmonia de pagãos e judeus convertidos, a solicitude de um membro mais forte por outro mais fraco (1Cor 12).

Por outra parte, a situação em Jerusalém mostra que a partilha dos bens (At 4,32-5,11), aliada a outros fatores, não tinha resolvido todos os problemas econômicos.

Evangelho: Mc 5,21-43

O evangelho de hoje apresenta duas curas, uma encaixada na outra. Esta técnica narrativa de inserir uma cena no meio de outra, os exegetas (peritos da Bíblia) chamam de “sanduiche”. Mc a usa também em 3,20-35; 6,7-33; 11,11-21; 14,1-14. Aqui a cura da hemorragia no meio do caminho atrasa outra cura da menina moribunda que acaba de falecer, mas assim o milagre se torna ainda maior (cf. o atraso em Jo 11): Jesus tem o poder de ressuscitar os mortos. No mesmo gênero literário podemos ler como Elias e Eliseu ressuscitaram mortos (1Rs 17,17-24; 2Rs 4,25-37), também Pedro e Paulo o fizeram (At 9,36-43; 20,7-12).

Jesus atravessou de novo, numa barca, para a outra margem. Uma numerosa multidão se reuniu junto dele, e Jesus ficou na praia (v. 21).

Da Decápole (região de dez cidades gregas, cf. v. 20), Jesus voltou ao território nativo e a multidão conhecida se juntou dele na praia (cf. 2,13; 3,7; 4,1).

Aproximou-se, então, um dos chefes da sinagoga, chamado Jairo. Quando viu Jesus, caiu a seus pés, e pediu com insistência: “Minha filhinha está nas últimas. Vem e põe as mãos sobre ela, para que ela sare e viva!” Jesus então o acompanhou (vv. 22-24a).

“Um dos chefes da sinagoga chamado Jairo”, pode ser o responsável pelo culto ou outro membro eminente desta comunidade judaica (em Cafarnaum? Cf. 1,21-29; 3,1-6; 6,2; Lc 4,14-30; Jo 6,59; At 9,19; 13,14-43 etc.). “Quando viu Jesus, caiu a seus pés”; este gesto de prostração expressa um extraordinário respeito. Sua “filhinha está nas últimas” e ele pede para Jesus impor “as mãos sobre ela”. O pai supõe que as mãos de Jesus transmitam força vital de cura (cf. 1,31.41; 7,32; 8,23.25), até para uma  moribunda, “para que ela sare (lit. se salve) e viva”.

Uma numerosa multidão o seguia e o comprimia. Ora, achava-se ali uma mulher que, há doze anos, estava com uma hemorragia; tinha sofrido nas mãos de muitos médicos, gastou tudo o que possuía, e, em vez de melhorar, piorava cada vez mais. Tendo ouvido falar de Jesus, aproximou-se dele por detrás, no meio da multidão, e tocou na sua roupa. Ela pensava: “Se eu ao menos tocar na roupa dele, ficarei curada”. A hemorragia parou imediatamente, e a mulher sentiu dentro de si que estava curada da doença (vv. 24b-29).

No caminho à casa de Jairo, no meio da multidão, encontra-se outra doente: “uma mulher que, há 12 anos, estava com hemorragia” (v. 25). O fracasso dos médicos (v. 26; cf. Tb 2,10; Eclo 38,1-15) serve para exaltar por contraste o poder de Jesus, verdadeiro médico por força divina. A doença da mulher a exclui, porque o sangue da menstruação e da hemorragia torna uma mulher impura (cf. Lv 15,25-30). Embora soubesse que seu contato contaminava, a mulher considerava Jesus como carregado de um fluido terapêutico descarregado e transmitido por contato, mesmo que seja mediato, “aproximou-se dele por detrás” (cf. Lc 7,38) “e tocou na roupa” (v. 27; cf. 1,41; 3,10; 6,56; 8,22; At 19,12). “A hemorragia parou imediatamente” (v. 29), lit.: a fonte do seu sangue secou.

Jesus logo percebeu que uma força tinha saído dele. E, voltando-se no meio da multidão, perguntou: “Quem tocou na minha roupa?” Os discípulos disseram: “Estás vendo a multidão que te comprime e ainda perguntas: “Quem me tocou”?” Ele, porém, olhava ao redor para ver quem havia feito aquilo. A mulher, cheia de medo e tremendo, percebendo o que lhe havia acontecido, veio e caiu aos pés de Jesus, e contou-lhe toda a verdade. Ele lhe disse: “Filha, a tua fé te curou. Vai em paz e fica curada dessa doença” (vv. 30-34).

Jesus sentiu a diferença do contato da multidão que o comprimia (cf. v. 31); “percebeu que uma força tinha saído dele” (v. 30; cf. Lc 6,9), e perguntou quem era que tocou. “A mulher cheia de medo e tremendo” (v. 33), porque tinha violado as leis da pureza, ainda na presença de um chefe da sinagoga que deve zelar pela pureza ritual. “Caiu aos pés de Jesus”, como antes Jairo. Prostrada e humilde, confessa (confirmando o provérbio de 4,21: “não há nada de oculto, que não se descubra, nada encoberto que não se divulgue”). Jesus não a condena, sim encoraja chamando-a carinhosamente. “Filha, a tua fé te curou (salvou)”. A fé em Jesus salva, não a lei judaica (cf. Rm 3,21-26). A fórmula usual de despedida “vai em paz” (v. 34) ganhou novo sentido.

Ele estava ainda falando, quando chegaram alguns da casa do chefe da sinagoga, e disseram a Jairo: “Tua filha morreu. Por que ainda incomodar o mestre?” Jesus ouviu a notícia e disse ao chefe da sinagoga: “Não tenhas medo. Basta ter fé!” E não deixou que ninguém o acompanhasse, a não ser Pedro, Tiago e seu irmão João (vv. 35-37).

Entretanto a menina morreu e trazem a notícia a Jairo. Não há nada de fazer, a doença podia ser curada, mas para a morte não há remédio. Pensavam que o poder de Jesus se deteria ante a fronteira da morte (cf. Jo 11,21.32). Daí o apelo de Jesus a fé: “Não tenha medo, basta ter fé” (v. 36; cf. Jo 11,26). A continuação vai acontecer em segredo; Jesus só leva os três discípulos mais íntimos consigo (cf. vv. 37.40; 9,2; 13,3; 14,33).

Quando chegaram à casa do chefe da sinagoga, Jesus viu a confusão e como estavam chorando e gritando. Então, ele entrou e disse: “Por que essa confusão e esse choro? A criança não morreu, mas está dormindo”. Começaram então a caçoar dele. Mas, ele mandou que todos saíssem, menos o pai e a mãe da menina, e os três discípulos que o acompanhavam (vv. 38-40b).

Enquanto isso, o tradicional pranto fúnebre começou (cf. Jr 9,16-17), e as pessoas caçoam da frase de Jesus: “A menina não morreu, mas está dormindo” (v. 39). Muitas vezes, na linguagem bíblica e em outras culturas, a morte é designada pela imagem do sono (cf. Jr 51,39,57; Jo 14,12; Sl 13,4; Mt 27,52; Jo 11,11-12; 1Cor 11,30; 15,6; 1Ts 4,13-15).

 Depois entraram no quarto onde estava a criança. Jesus pegou na mão da menina e disse: “Talitá cum” – que quer dizer: “Menina, levanta-te!” Ela levantou-se imediatamente e começou a andar, pois tinha doze anos. E todos ficaram admirados. Ele recomendou com insistência que ninguém ficasse sabendo daquilo. E mandou dar de comer à menina (vv. 40c-43).

No quarto, só na presença dos três discípulos e dos pais (v. 40), Jesus devolve a vida da menina pelo gesto do contato (“pegou a mão”, cf. 1,31) e pela palavra aramaica (“Talita cum” traduzida em “Menina, levanta-te”). Era comum em relatos da época, um curandeiro usando palavras em língua estrangeira (mágica). Mc já escreve em grego, mas conserva algumas palavras em aramaico, no entanto as traduz para não parecerem pura magia (7,34; 11,9; 14,36; 15,34).

A cura é demonstrada (levantar-se, comer), mas Jesus recomenda com insistência que ninguém fique sabendo disso (v. 43). Com este segredo messiânico, muito difícil de guardar em tais circunstâncias (cf. v. 38), Mc quer dizer que a narrativa só pode ser verdadeiramente compreendida depois da ressurreição de Jesus (cf. 9,9) como antecipação do poder de Jesus sobre a morte (cf. 1Cor 15,55.57).

O detalhe de que a menina tinha doze anos, igual período que a mulher adulta sofria de hemorragia, pode inspirar uma reflexão sobre a situação psicológica em que a menina se encontrava: o susto da primeira menstruação e o peso da lei de pureza (Lv 15,19-33) que impedia qualquer contato social porque ela “contaminava” tudo nesta situação por sete dias, podem ser causa da sua doença e morte. Hoje é a ditadura da moda (a lei da beleza) que pode levar meninas a beira da morte, não querendo mais comer (anorexia, bulimia). Jesus, porém, supera a lei do puro e impuro (cf. Mc 7,21-23) e devolve vida e fecundidade doando sua própria vida, seu próprio sangue como remédio contra a morte (cf. 14,24; Jo 19,34).

O site da CNBB comenta: A pessoa de fé é aquela que acolhe a revelação divina e responde de forma positiva aos seus apelos. Quando a pessoa acolhe Jesus como sendo o Filho de Deus e procura responder de forma positiva a esta presença de Deus em sua vida, ela é constantemente movida ao encontro de Deus e passa a se beneficiar de suas graças e bênçãos. Mas quem não acolhe a revelação, não reconhece Jesus como o verdadeiro Deus presente no meio de nós, não vai ao seu encontro, não participa da sua vida e do seu projeto de amor e, consequentemente, não se beneficia de tudo aquilo que ele nos concede.

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