27 de Maio de 2021, Quinta-feira: Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”. No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho (v. 52).

8ª Semana 5ª feira – Ano Ímpar

Leitura: Eclo 42,15-26 (grego 15-25)

Entramos na última grande seção de Eclo, um louvor de Deus que se compõe de duas partes: um hino à grandeza de Deus manifestada pela natureza (42,15-43,33), e depois um elogio dos antepassados ilustres na história (44,1-50,24). O autor Ben Sirac viu a natureza e ouviu ou leu a história.

Os conterrâneos de Ben Sirac (séc. II a.C.) já não tinham mais autonomia política e podiam perder sua identidade cultural e religiosa na dominação grega da época. A presença de Deus e na história deve consolar e fortalecer os judeus na sua fé. O Deus de Israel é o Deus que tudo criou (18,1; 24,8; 39,21; 43,27.33; cf. Is 44,24), o Deus de tudo (36,1; 45,23), o Deus que dá sabedoria aos piedosos.

Vou recordar as obras do Senhor, vou descrever aquilo que vi. Pelas palavras do Senhor foram feitas as suas obras, de acordo com a sua vontade realizou-se o seu julgamento (v. 15).

O começo do hino lembra Sl 77,12s: “Vou recordar as obras do Senhor, vou descrever …” O texto hebraico atribui a criação à Palavra (singular!) de Deus. O termo utilizado – hebr. B: na (ou pela) palavra de Deus, por sua vontade –  é da mesma raiz que o substantivo Memrá (Palavra) das versões aramaicas, o qual se tornará o substantivo costumeiro do Nome inefável de Deus no uso da sinagoga. Talvez seja uma manifestação da tendência que chegará em ambiente cristão, a personificar a Palavra (Jo 1), uma das primeiras manifestações da doutrina da Palavra criadora (cf. 43,28 [gr. 26]; Gn 1; Sl 33,6; Sb 9,1s; Jo 1,1ss). No conjunto da literatura sapiencial, é antes a Sabedoria considerada criadora (cf. Pr 8,22ss).

“Com a sua vontade realizou-se o seu julgamento”(esta parte foi omitida pelo texto grego); hebraico: “uma obra de sua benevolência (ou: vontade), de sua doutrina”.

O sol brilhante contempla todas as coisas, e a obra do Senhor está cheia da sua glória (v. 16).

A construção deste louvor da criação parece ser: dois versos de introdução (v. 15), quatro estrofes de três versos. A figura do sol (cf. 26,21 [gr.16]) serve de contraste explícito em duas estrofes (vv. 16-25 nossa leitura; e 43,1-5), e a lua mutável parece servir de contraste implícito na terceira estrofe (43,6ss).

O sol, como esplendor único e total que tudo abrange, supera e ilumina, é símbolo favorito da divindade em muitas religiões. À sua imagem se concebe a “glória” de Deus, como presença luminosa, universal, sem imagem (cf. Is 6,3; Sl 19).

Os santos do Senhor não são capazes de descrever todas as suas maravilhas. O Senhor todo-poderoso as confirmou, para que tudo continuasse firme para sua glória (v. 17).

“Os santos do Senhor”, quer dizer, os anjos (Jó 5,1) que vivem na presença de Deus (sua corte, cf. Sl 89,6; 103,21). O Senhor todo-poderoso, lit.  “Senhor dos exércitos”.

A Bíblia do Peregrino (p. 1666) comenta: Exércitos do Senhor são os astros e constelações: multidão em ordem, movimento pausado, firmes quando o seu Senhor os passa em revista: 17,32; Is 13,4. O mesmo verbo estar firme é empregado para a presença litúrgica, e o povo de Israel é também exército do Senhor, Ex 12,51. Sobre o tema, ver 16,27-28.

O texto hebraico tem (em lugar de 17b): “O Senhor concedeu a seus exércitos a força de subsistir perante a sua glória”. Trata-se aí da glória de Deus. O grego atribui esta gloria às maravilhas criadas por Deus.

Ele sonda o abismo e o coração, e penetra em todas as suas astúcias. Pois o Altíssimo possui toda a ciência e fixa o olhar nos sinais dos tempos. Ele manifesta o passado e o futuro e revela as coisas ocultas. Nenhum pensamento lhe escapa e nenhuma palavra lhe fica escondida (vv. 18-20).

“Ele sonda o abismo e o coração” (Pr 15,11; Jó 26,6), tramas em sua ambiguidade de bem e mal. A ciência universal de Deus é como o sol, que ilumina, revela e penetra tudo com seu calor (Sl 19,7: “nada escapa”) e luz (17,9.31; cf. também 15,18s; 16,17-23). Exposição clássica em Sl 139.

“Penetra em todas as suas astúcias” (hebr.: os seus segredos). Os astros foram criados por Deus para dividir e marcar o tempo (Gn 1,14). Eles são os “sinais dos tempos”, não só porque dividem regularmente o tempo (43,6; Gn 1,14-18), mas também porque, segundo o conceito mais divulgado, o futuro já estava inscrito no céu (cf. Jr 10,2). Hoje, porém, sabemos que os astros revelam o passado, não o futuro. Sua luz demora anos de luz para chegar à nossa terra. Uma estrela que vemos hoje, talvez não exista mais.

Ben Sirac afirma que Deus conhece os astros e, por conseguinte, é ele quem domina o futuro (cf. Is 41,23s; 45,11). A abrangência do tempo, sobretudo o futuro, é mais admirável que do espaço. O texto hebraico não fala de “sinais do tempo”, mas do que deve acontecer até a eternidade. Podemos pensar aqui particularmente nos sinais extraordinários no céu que anunciam a vinda do Messias (Nm 24,17; Mt 2,1-12; Mc 13,24-27p).

O texto grego acrescentou o v. 19a: “O Altíssimo conhece todos os sentimentos e contempla o sinal eterno”; no seu original, confundiu “futuro” com “sinal”, influenciado por 43,6 onde a lua é chamada “sinal eterno “. Esse acréscimo parece variante de 20a e 19b.

Pôs em ordem as maravilhas da sua sabedoria, pois só Ele existe antes dos séculos e para sempre. Nada lhe foi acrescentado, nada tirado, e Ele não precisa de conselheiro algum (vv. 21-22).

Conforme Ben Sirac, a sabedoria é a primeira obra de Deus, aquele que dirige as restantes (cf.  cap. 1). O verso seguinte recorda o Segundo Isaias (Deutero-Isaías: Is 40-55) e também 18,6 (cf. Ecl 3,14; Tg 1,17s). Aqui é onde a lua com suas fases pode atuar como contraste implícito.

Na sua presença espacial e temporal, de seu saber e agir, Deus mostra sua unicidade. “Só ele existe” (hebr.: ele é o mesmo). “Nada acrescentado nem tirado”, seja à obra de Deus (cf. 18,6; Ecl 3,14), seja ao próprio Deus. O estilo elíptico não permite uma escolha definitiva.

Como são desejáveis todas as suas obras brilhando como centelha que se pode contemplar! (v. 23).

O versículo falta no manuscrito hebraico, e a segunda parte do v. é um tanto duvidoso, cf. hebr. Massadá: “até uma centelha e uma visão fugida (lit. visão de aparência)”, embora recorde passagens como Is 40,15 (“gotas de um balde”).

Tudo isso vive e permanece sempre, e em todas as circunstâncias tudo lhe obedece (v. 24).

Para a mentalidade hebraica, o que se move está vivo, também os astros e os fenômenos atmosféricos. Conhecemos o aspecto “funcional” pela teodiceia do cap. 40. Outros leem: “e estão guardadas para as suas funções”; cf. grego e hebraico: “obedece” que é uma corruptela do texto hebraico original: “e para todas a necessidades, tudo está guardado”.

Todas as coisas existem aos pares, uma frente à outra, e Ele nada fez de incompleto: uma coisa completa a bondade da outra, quem, pois, se fartará de contemplar a sua glória? (vv. 25-26).

Mais que o paralelismo e a correspondência sublinhada pela tradução grega sob a influência de 33,15 (“duas e duas estão todas uma diante da outra”), o autor inculca a variedade e a diversidade; hebraico: “Todas as coisas são diferentes uma da outra e ele não faz nenhuma delas em vão (inútil)”.

Talvez sob influência da cultura grega, aqui se torna explícita a sensibilidade “estética” (contemplação da beleza), implícita em vários salmos, “contemplar a sua glória”; hebr. a sua = delas, das criaturas.        

Evangelho: Mc 10,46-52

Ouvimos hoje a cura do cego mendigo que segue Jesus após sua cura. Uma característica do evangelho de Mc é o segredo messiânico. O cego viu mais do que aqueles que não tinham problema de vista, i. é Jesus é o filho de Davi, ou seja, o messias a quem devemos seguir.

Esta cura do cego pouco se parece com a anterior (8,22-26). O episódio de Jericó, pelo grito do cego, prepara imediatamente a entrada em Jerusalém e se integra assim num bloco de quatro atos significativos de Jesus: cura do cego (10,46-52), acolhida triunfal (11,1-11), maldição da figueira (11,12-14) e purificação do templo (11,15-19; evangelho de amanhã). A esses atos seguirão as controvérsias com as autoridades e uma instrução para os discípulos sobre o futuro e o final.

A Bíblia do Peregrino (p. 2426) comenta: Através do realismo narrativo da cena impõe-se o paradoxo da situação. O cego, condenado por sua doença e reprimido pelo povo, percebe o que os outros não veem. Ouve mencionar Jesus de Nazaré, invoca o “filho de Davi”. A sua fé, embora imperfeita, é um órgão mais penetrante: “não tendo olhos vê”. Por ela receberá de Jesus o dom da visão recuperada. Nele cumprem-se as profecias: “verão a glória do Senhor … abrir-se-ão os olhos dos cegos” (Is 35,5; 42,7.18). Imediatamente “segue” Jesus, que mandara “chamar”. Um itinerário exemplar, de fé e iluminação, chamado e seguimento.    

Jesus saiu de Jericó, junto com seus discípulos e uma grande multidão (v. 46).

Para “subir” (v. 32) a Jerusalém partindo da Transjordânia (v. 1), Jesus tem de atravessar o Jordão e passar pela cidade das palmeiras, Jericó, refazendo de certo modo o itinerário dos israelitas (Js 3-6).

Jesus está cercado de uma “multidão”, provavelmente peregrinos que iam para a festa da Páscoa em Jerusalém (cf. Lc 2,41-50; Dt 16,16). Os judeus evitavam o caminho pela hostil Samaria (cf. Lc 9,51-55) e preferiam descer pelo vale do Jordão e a partir de Jericó, situado 250m abaixo do nível do mar, subir a Jerusalém (800m acima do nível do mar) passando pelo deserto da Judeia (cf. Lc 10,30).

O filho de Timeu, Bartimeu, cego e mendigo, estava sentado à beira do caminho. Quando ouviu dizer que Jesus, o Nazareno, estava passando, começou a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!” (vv. 46-47).

Como não havia INSS (segurança social) na época, uma pessoa deficiente muitas vezes era mendigo para ter seu sustento. Em Mc, ele tem nome completo: “o filho de Timeu, Bartimeu”. Podemos supor que era conhecido na comunidade de Mc (como os filhos do cirineu, cf. 15,21)? Nos relatos paralelos é anônimo (Lc 18,35; conforme seu costume, Mt duplica as pessoas e ainda o relato: Mt 20,30; 9,27).

Enquanto o povo de Nazaré não teve fé no seu conterrâneo Jesus como messias (cf. 6,1-6; cf. 1,9; 3,21.31-35), o próprio Jesus é conhecido como “nazareno” ou “nazoreu” (cf. Mt 26,71; Lc 18,37; Jo 1,45; 19,19; At 2,22; 3,6; 4,10; 6,14; 10,38; 22,8; 26,9). Em At 24,5, os cristãos são chamados assim.

O seu grito é uma confissão messiânica (cf. 8,29), Jesus é um descendente legítimo do rei Davi, o anunciado e esperado (Jr 23,5; 33,15; Zc 3,8); cf. a aclamação na entrada de Jerusalém em 11,10 e seu ensino no templo em 12,35-37 (sobre o Sl 110). “Filho de Davi” era título popular do Messias (cf. 11,10p; 12,35; Mt 9,27; 15,22; 20,30s; 21,9.15; Lc 3,23 etc.).

Muitos o repreendiam para que se calasse. Mas ele gritava mais ainda: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” Então Jesus parou e disse: “Chamai-o”. Eles o chamaram e disseram: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!” (vv. 48-49).

Em Jericó, Herodes Grande (cf. Mt 2) tinha construído um palácio como residência luxuosa do inverno para escapar do frio de Jerusalém. Portanto, o grito do cego pertinho deste palácio tinha algo de subversivo (cf. vv. 47s). O grito do pobre na porta do rico incomoda (cf. Lc 16,19-21). O povo o repreende porque grita, pelo que grita.

Jesus, porém, ouve o grito do oprimido (cf. Ex 3,7) e manda chamá-lo. Como rei ideal, tem o dever de escutar e aliviar os pobres (Sl 72,12s). Jesus aceita a confissão, além de confirmá-la como brotada da fé (v. 52). O grito do cego prepara a aclamação do povo na entrada de Jesus como messias, descendente (filho) de Davi em Jerusalém (cf. 11,9s; “Hosana” em hebraico, significava “socorra, salve-nos”).

O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. Então Jesus lhe perguntou: “O que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que eu veja!” (vv. 50-51).

Jogar o manto, abandonar as vestes é sinal de agitação emocional, alvoroço ou pânico (cf. 2Rs 7,15). Em Jerusalém, muitos estenderam suas vestes pelo caminho para receber Jesus como rei (11,8p). Aqui o mendigo deixa para trás sua única posse, o manto para dormir à noite (cf. Dt 24,12s; Ex 22,25s).

A pergunta de Jesus a respeito do desejo do pedinte lembra o v. 36 e sublinha sua autoridade real que acabou de chamar o cego como que numa audiência.

O cego responde com um título respeitoso, “Mestre”, lit. “Rabuni” (hebraico, no NT, ainda em Jo 20,16), uma forma mais respeitosa ainda que “Rabi” (9,5) denotando afeição. Mt e Lc (ou talvez já uma segunda edição de Mc, Deutero-Marcos, que Mt e Lc poderiam ter usado) converteram esta expressão em “Kyrie” (grego: Senhor). A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1942p) comenta:  Com este título respeitoso, “meu Senhor” (de “rab”: grande) dirigia-se a palavra aos doutores da lei, mas também a outros personagens. Dirigidos a Jesus (11,21; 14,442, cf. 10,51), este título é reproduzido em Jo 1,38 por mestre (grego “didáskalos”). Pelos fins do século I, a palavra perdeu o valor vocativo e passou a designar os doutores da lei (donde o uso ainda atual da palavra “rabino”).

Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”. No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho (v. 52).

Em vez de relatar um gesto de cura, é a palavra de Jesus que consta: “Tua fé te salvou”. Esta fórmula, já conhecida desde 5,34p (cf. Mt 9,22; Lc 7,50; 17,19), revela que o relato desta cura é uma história de fé e seguimento. Como Pedro, o cego declarou sua fé em Jesus como “Cristo” (messias, filho de Davi; cf. 1,1; 8,29); ele foi chamado por Jesus e abandonou sua posse (manto) como os primeiros discípulos (1,16-20; 2,14). Agora, curado, “seguia Jesus pelo caminho” a Jerusalém. Desta vez, não é necessário Jesus mandar calar sobre sua identidade messiânica e sua divulgação (segredo em Mc, cf. 1,25.34.44; 3,11s; 5,43; 7,36; 8,25.30; 9,9), porque Bartimeu segue Jesus para a cruz (cf. 8,34). Ele inverte a incompreensão de 4,11s (citado de Is 6,9s; cf. Jo 9,39-41).

Ele é o último discípulo que segue Jesus voluntariamente (pela menção dos filhos, podemos supor que Simão Cireneu, pai de Alexandre e Rufo, também se tornou discípulo, cf. 15,21).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1240) comenta: No início da cena o cego está “à beira” do caminho; ao final segue a Jesus “no” caminho, justamente quando Jesus está quase chegando a Jerusalém para seu confronto final com os poderes aí estabelecidos. A cura que Jesus proporciona ao pobre marginalizado o converte em modelo de discípulo.

O site da CNBB comenta: Existem muitas pessoas que passam por sérias dificuldades e sofrimentos, que resultam em exclusão social. O Evangelho de hoje nos mostra uma realidade muito triste: a maioria das pessoas que são excluídas da sociedade também são excluídas da Igreja e do próprio relacionamento com Deus. Vemos que os seguidores de Jesus, que deveriam contribuir com ele para que houvesse a inclusão de todos no Reino são os primeiros que excluem o cego Bartimeu, pois querem que ele se cale. O Evangelho de hoje exige de todos nós um sério exame de consciência sobre os nossos valores e sobre a forma como nós vemos a religião e o seguimento de Jesus para que, em nome dele, não excluamos ninguém. O Mestre chama, conduzamos até ele.

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