28 de agosto d e2017 – Segunda-feira, 21ª semana

Leitura: 1Ts 1,1-5.8b-10

Nossa liturgia semanal faz um salto grande. Depois uma sequência longa de leituras do Antigo Testamento (AT), desde Gn até Rt (a continuação em 1-2Sm e 1-2Rs só no ano par, 1ª a 5ª e 10ª a 12ª semana), ouvimos nesta semana trechos da carta mais antiga do apóstolo Paulo Paulo. Redigida em Corinto cerca de 50-51 d.C., a carta 1Ts é o primeiro documento escrito do Novo Testamento (NT) e do cristianismo.

Na sua segunda viagem missionária, Paulo entrou na Grécia, primeiro país da Europa a receber o Evangelho. Atingido pela perseguição, Paulo teve que deixar às pressas a cidade de Filipos. Dirigiu-se a Tessalônica (At 16,19-40), grande cidade comercial na Macedônia e ponto de encontro para muitos pensadores e pregadores das mais diversas filosofias e religiões. Paulo anuncia o Evangelho e forma aí um pequeno grupo. Mas, perseguido outra vez, tem que fugir (At 17,1-10) e seu trabalho corre o risco de se esvaziar diante das inúmeras propostas dessa grande cidade. Então, de Atenas, ele envia seu colaborador Timóteo para visitar e trazer notícias dessa comunidade perseguida (1Ts 3,1-2). Timóteo reencontra Paulo em Corinto (3,6). Ao receber dele a boa notícia de que a comunidade de Tessalônica continuava fervorosa e ativa, ele escreve esta carta para comunicar a sua alegria e estimular a perseverança da comunidade.

Paulo, Silvano e Timóteo, à igreja dos tessalonicenses, reunida em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo: a vós, graça e paz! (v. 1)

A saudação segue os costumes da época: N. a N. deseja X; depois acrescente uma oração, ação de graças ou suplica. O esquema convencional se enche de conteúdo novo, cristão. Embora os remetentes sejam três (os mesmos em 2Ts 1,1; Silvano: 2Cor 1,19; 1Pd 5,12; idêntico com Silas: At 15,22.40-18,5; Timóteo: At 16,1-3; 17,14s; 18,5; 19,22; 20,4; 1Ts 3,2.6; 1Cor 4,17; 16,10; 2Cor 1,19; Rm 16,21; 1 e 2Tm), um é o autor da carta: Paulo que se apresenta aqui sem mencionar o título de apóstolo.

Destinatário é a “igreja … em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo”. A igreja é a comunidade cristã local formada pelas pessoas que acreditam em Deus e se comprometem com o testemunho de Jesus Cristo. ”Igreja” é palavra grega (ekklésia) que designa o grupo de dirigentes nas cidades gregas. Mas corresponde ao hebraico “assembleia (qahal) de Deus (Javé, Senhor)”, que é o povo (Nm 16,3 contraposto a autoridade; Dt 23,4; Mq 2,5; 1Cr 28,8 título de Israel). Para Paulo, nesta carta o lugar de Deus ou Javé é ocupado igualmente por Deus e Senhor, o Pai, e o próprio Jesus Cristo (cf. Jo 8,24.27.58; 10,30).

“Graça” (cháris – benevolência) é a uma saudação grega; em chave cristã é o favor de Deus, agora concedido por meio do seu Filho. “Paz” é a saudação hebraica (shalom); em concreto, os pereginos saúdam Jerusalém com a paz (cf. Sl 122,6-8); o contexto cristão enriquece o conteúdo da palavra (cf. Mt 5,9; 10,12s; Lc 10,5-6; Jo 14,27; 20,19.21.26).

Damos graças a Deus por todos vós, lembrando-vos sempre em nossas orações (v. 2).

Depois da saudação, Paulo costuma agradecer primeiro (Rm 1,8; 1Cor 1,4; Fl 1,3; Cl 1,3; 2Ts 1,3; 2Tm 1,3; Fm 1,4; cf. Fl 4,6), aqui pela evangelização em Tessalônica.

Diante de Deus, nosso Pai, recordamos sem cessar a atuação da vossa fé, o esforço da vossa caridade e a firmeza da vossa esperança em nosso Senhor Jesus Cristo (v. 3).

Com frequência, Paulo destaca estas três virtudes teologais “fé, amor, esperança” (1Cor 13,13; Rm 5,2-5; Gl 5,5-6; Cl 1,4s; 1Ts 5,3; cf. Hb 6,10-12; 1Pd 1,21-22). A “fé” é aceitar a vida e ação de Jesus e continuá-las de maneira viva e ativa em obras de caridade (Gl 5,6): o “amor” (agápe) é o fraterno que implica solidariedade, partilha, esforço e disposição ao sacrifício (cf. Jo 15,12s); a “esperança” no reino de Deus e na vinda de Jesus (v. 10) torna a comunidade paciente e perseverante. A carta propõe uma transformação do indivíduo e de toda a sociedade.

Sabemos, irmãos amados por Deus, que sois do número dos escolhidos (v. 4).

O judeu Paulo chama os pagãos convertidos de “irmãos”, titulo cristão. A escolha, um dos termos básicos do AT, é ato do amor de Deus (cf. Dt 7,7-8).

Porque o nosso evangelho não chegou até vós somente por meio de palavras, mas também mediante a força que é o Espírito Santo; e isso, com toda a abundância (v. 5a).

Esta doutrina sobre o anúncio evangélico se estende depois aos outros escritos. “Agradecemos a Deus porque acolhestes a sua Palavra que pregamos a vós não como palavra humana, mas como ela realmente é, como Palavra de Deus que age com eficácia em vós que acreditais” (2,13). A pregação não é simples palavra humana, mais vai carregada ou vitalizada com a energia e eficácia do Espírito Santo; por isso é fecundada e produz fruto (cf. Is 55,10s sem menção do Espírito; Rm 15,19; 1Cor 2,4).

Sabeis de que maneira procedemos entre vós, para o vosso bem … A vossa fé em Deus propagou-se por toda parte (vv. 5b.8b).

Paulo imita Jesus, a comunidade imita Paulo e torna-se modelo para outros fiéis (vv. 6-8a omitidos pela nossa liturgia; cf. 1Cor 4,16). Assim a fé irradia e se delata.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1446) comenta: A carta passa para o tema do modelo ou imitação (2Ts 3,7). O Pai transmite seu projeto a jesus, que o ensina aos apóstolos, os quais, pro sua vez, são imitados pela comunidade, que serve de modelo para as outras da Macedônia e Acaia, e a partir destas a palavra ecoa por toda a parte (2Cor 9,2).

Assim, nós já nem precisamos de falar, pois as pessoas mesmas contam como vós nos acolhestes e como vos convertestes, abandonando os falsos deuses, para servir ao Deus vivo e verdadeiro, esperando dos céus o seu Filho, a quem ele ressuscitou dentre os mortos: Jesus, que nos livra do castigo que está por vir (vv. 8b-10) 

 “As pessoas mesmas” são as comunidades da região da Macedônia e da Acaia e outros (vv. 7.8a) que já divulgam a fé. A vida cristã, conforme o evangelho, assegura por si mesma a difusão da fé: ela é uma forma da palavra de Deus.

“… de como vocês se converteram, deixando os ídolos e voltando-se para Deus, a fim de servir ao Deus vivo e verdadeiro, esperando dos céus o seu Filho a quem ele ressuscitou dentre os mortos, Jesus que nos liberta da ira futura” (vv. 9b-10).

Os vv. 9-10 parecem uma síntese do kerigma (primeira pregação) e da conversão. Dois pontos centrais estruturam o evangelho pregado por Paulo: uma afirmação vigorosa do monoteísmo (1Cor 8,4-6; 10,7.14; Gl 4,8-9 etc.; cf. Mc 12,29) e uma cristologia que insistia sobre a vinda (parusia) iminente do Senhor ressuscitado (cf. 4,16-17; 1Cor 1,7; 15,23). Aos ídolos (falsos deuses) “mortos” e inertes (Sl 115; 135,15-18; Br 6) se opõe o Deus “vivo” (Dt 5,26; Js 3,10; 1 Sm 17,26.36; Is 37,4; Jr 10,8-10; os 2,1; Sl 42,3; 84,3 etc. cf. Mt 16,16; 26,23; Rm 9,26; 1Tm 3,15 etc.), aos deuses “falsos” e vazios (Jn 2,9; Sl 31,7; Jr 51,18) se opõe o Deus “verdadeiro” e autêntico.

O caminho desta conversão a Deus é a adesão a “seu Filho” (título dado a Jesus desde a primeira carta de Paulo), que está no céu (portanto glorificado) a quem o Pai “ressuscitou” (logo, tinha morrido) e se identifica com “Jesus” (nome histórico) que nos liberta da “ira futura” (de Deus), ou seja, da condenação no juízo final. A “ira” (Zf 1,15; Mq 7,9; Rm 1,18; 2,5s) faz parte do Dia de Javé (cf. Am 5,18 etc.), expressa em termo de sentimento a condição de Deus inconciliável com o pecado, e a sentença de condenação que deve ser executada (castigo). Mas para os cristãos, a vinda de Jesus será libertadora (Lc 21,28).

Os ídolos são valores considerados absolutos, mas tiram a liberdade, sustentam uma estrutura de sociedade baseada na opressão e exploração do corpo e da consciência dos seres humanos. Servir ao Deus vivo é comprometer-se com Jesus Cristo, que manifesta na história a presença e ação do Deus verdadeiro, o qual está comprometido com a libertação e a vida do homem. A conversão é um processo contínuo na história. Os cristãos dão seu testemunho, animados pela esperança na plena manifestação de Jesus ressuscitado.

 

Evangelho: Mt 23,13-22

Continuamos no discurso contra os fariseus e mestres da lei que se estende por todo o cap. 23 de Mt (cf. início e introdução no sábado passado).

A crítica dura de Mt se explica pela situação histórica do autor e da sua comunidade, não é objetiva e não concorda com a descrição dos letrados fariseus por outras fontes. Por outro lado, é possível e conveniente tomar o texto como descrição de tipos (p. ex. o hipócrita) que podemos encontrar em outros grupos religiosos, inclusive na nossa própria Igreja e nas comunidades O relacionamento com os judeus é bem diferente hoje do que no tempo de Mt. Hoje devemos interpretar este texto mais como uma autocrítica, já que este discurso tem como destinatários os próprios discípulos e as multidões (cf. v. 1)!

Podemos dividir este discurso num retrato de escribas e fariseus com recomendações para a comunidade (vv. 1-12), sete lamentações (“Ai…”; vv. 13-31), duas invectivas (vv. 32-33) e um anúncio terrível do julgamento (vv. 34-36).

Ai de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós fechais o Reino dos Céus aos homens. Vós, porém não entrais, nem deixais entrar aqueles que o desejam (v. 13).

Primeiro de sete ais, gênero que já se encontra em série em textos proféticos (Is 5,8-23; 10,1; Hab 2,7-20; Os 7,13; em Mt, cf. 11,21; 18,7; 24,19; 26,24). Mt já encontrou parte destas lamentações na fonte Q (palavras de Jesus) que partilha com Lc 11,37-52 (duas vezes três ais). O número 7 parece intencional e próprio de Mt (cf. sete preces do Pai Nosso em 6,9-13) como também o endereço repetido “mestres (doutores) da Lei e fariseus hipócritas” (em Lc é mais variado). Mas Jesus não está falando diretamente a eles, mas “às multidões e a seus discípulos” (v. 1).

Na versão dos ais de Mt, predominam a contradição da conduta e hipocrisia com grande afã proselitista, mas resistência ativa contra o Reino, os contrastes entre ser e aparecer, o periférico e o central, o pequeno e o grande, o interior e o exterior, a agressão em vida e a honra após a morte. No contexto do evangelho de Mt, os sete ais contrastam com as bem-aventuranças (5,3-12), com as quais têm estrutura parecida em Lc 6,20-26.

O primeiro Ai se refere às exigências da casuística rabínica que tornavam impossível a observância da lei (cf. v. 4). A imagem de “fechar o Reino dos Céus” supõe que os fariseus e doutores da lei obtêm a chave para isso, quer dizer, sua doutrina determina quem entra e com quais condições (cf. a “alfândega” na expressão de Papa Francisco); no v. 2 destacou-se sua autoridade. Em 16,19, porém, Jesus, o Filho de Deus e representante deste reino, entregou as chaves do reino a Simão Pedro. Este e os outros apóstolos vão enfrentar a hostilidade do judaísmo contra a pregação libertadora do evangelho do reino, documentada em vários episódios dos Atos dos Apóstolos.

“Ai de vocês, doutores da Lei e fariseus hipócritas! Vocês exploram as viúvas, e roubam suas casas e, para disfarçar, fazem longas orações. Por isso, vocês vão receber uma condenação mais severa“ (v. 14). Este versículo é só um acréscimo em alguns manuscritos (omitido na liturgia de hoje e na maioria das Bíblias), tomado a Mc 12,40 e Lc 20,47, elevando a oito o número de sete maldiçoes.

Aí de vós, mestres da Lei e fariseus hipócritas! Vós percorreis o mar e a terra para converter alguém, e quando o conseguis, o tornais merecedor do inferno, duas vezes pior do que vós (v. 15).

“Converter alguém”, lit. “fazer um prosélito”, quer dizer um pagão convertido ao judaísmo e circuncidado (cf. At 2,11; 13,43), enquanto os “tementes a Deus” (At 10,2.22.35; 13.16.26) ou os “adoradores de Deus” (At 13,43.50; 16,14; 17,4.17; 18,7) eram só simpatizantes do judaísmo e frequentavam a sinagoga sem circuncidar-se. A propaganda judaica no mundo greco-romano era muito ativa (cf. At 2,11; 6,5; 13,43). Com a circuncisão, o prosélito obriga-se a cumprir toda a lei e se expõe ao castigo do descumprimento. “Merecedores do inferno”, literalmente “filhos da Geena” (13,42) em oposição a “filhos do reino” (13,34). Hoje, o termo “proselitismo” é usado para caracterizar o zelo e a propaganda agressiva para conseguir alguém para aderir uma determinada religião.

Ai de vós, guias cegos! Vós dizeis: “Se alguém jura pelo Templo, não vale; mas, se alguém jura pelo ouro do Templo, então vale!” Insensatos e cegos! O que vale mais: o ouro ou o Templo que santifica o ouro? Vós dizeis também: “Se alguém jura pelo altar, não vale; mas, se alguém jura pela oferta que está sobre o altar, então vale!” Cegos! O que vale mais: a oferta, ou o altar que santifica a oferta? Com efeito, quem jura pelo altar, jura por ele e por tudo o que está sobre ele. E quem jura pelo Templo, jura por ele e por Deus que habita no Templo. E quem jura pelo céu, jura pelo trono de Deus e por aquele que nele está sentado (vv. 16-22).

O terceiro Ai é mais extenso e diferente dos outros por ter como destinatário “guias cegos” (cf. v. 24; 15,14; 26,17 cf. Is 49,6; “guia dos cegos” parece ter sido um termo de honra na missão dos pagãos, cf. Rm 2,19) em vez de “doutores da Lei e fariseus hipócritas”, mas é o mesmo grupo.

Mt ridiculariza a interpretação casuística sobre o juramento; aqui não condena o juramento em si (como já fez em 5,35-37), mas seu abuso. A explicação detalhada nos vv. 20-22 mostra que o juramento estava em uso na comunidade de Mt. Jurar significa tomar Deus como testemunha.

Normalmente o juramento era feito por Deus; mas por respeito a seu santo nome e para não pronunciá-lo em vão (cf. Ex 20,7; Dt 5,11), foi substituído: invoca-se o céu ou o templo ou o altar. A fim de desobrigar aqueles que tinham contraído votos imprudentemente, os rabinos recorriam a argúcias sutis. Não ficou esclarecido se o ouro se refere à decoração do templo, seus vasos sagrados ou seu tesouro. O altar e o templo, porém, valem mais por sua consagração (cf. Ex 29,37) que santifica as outras coisas (ofertas, ouro etc.). O templo e o céu pertencem a Deus, são sua morada, seu trono (cf. 1Rs 8,13; Sl 26,8; Is 66,1; Mt 5,34).

O site da CNBB comenta: Muitas vezes, temos dificuldades de ver a religião na sua totalidade e, com isso, a reduzimos a alguns aspectos que julgamos mais importantes, mas que são frutos na nossa subjetividade. O problema é que, na maioria das vezes, nos prendemos ao que é acidental no plano da fé, como, por exemplo, sinais externos ou formas de espiritualidade e nos esquecemos dos valores que de fato são essenciais à nossa fé, seja no plano das verdades, seja no campo da espiritualidade, seja no campo da moral ou da virtude, de modo que a nossa religiosidade fica sendo superficial e unilateral, a religião que nós queremos viver e não a religião que Deus quer que nós vivamos.

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