28 de Julho de 2017- Sexta-feira, 16ª Semana

Leitura: Ex 20,1-17

A chegada do povo de Israel no Sinai e a descida de Deus no monte em forma de fogo, terremoto e tempestade (cf. leitura de ontem) eram apenas a preparação para a peça central de todo AT, a promulgação dos “dez mandamentos”, chamado o decálogo (“dez palavras”, Dt 4,13; cf. Dt 10,4; Ex 34,28). Os biblistas concordam majoritariamente que historicamente Deus não entregou a Moisés as tábuas da lei com todas as letras no monte Sinai, mas que se trata de uma reflexão longa, na maior parte no exílio babilônico (séc. VI a.C.), sobre a questão: qual a essência da identidade do povo de Israel constituída por Javé? Não é mais o rei, nem a terra pátria com o templo (tudo destruído no exílio), mas é a Torá (Lei) representada e encabeçada pelo decálogo, projetado numa história de origem idealizada.

O decálogo existe em duas versões, Ex 20 e Dt 5, que são quase idênticas (apenas três modificações; a de Dt é considerada provavelmente mais antiga). Depois das duas versões se seguem outras leis, que se pode interpretar como interpretações e aplicações do decálogo: em Ex 20,22-23,29 o código da aliança, em Dt 12-26 o código deuteronômio. Assim o decálogo representa a lei básica, ou seja, a constituição para o povo de Deus que acabou de ser libertado da escravidão e agora representa um sujeito coletivo livre.

A autoridade do decálogo vem de Javé Deus que o fala diretamente ao povo, enquanto as outras leis são transmitidas por intermédio de Moisés. O povo não aguentava o “trovão da voz” (Dt 4,12) e pediu a Moisés para intermediar (Ex 20,19). O decálogo se destaca porque é fala de Deus imediata, e ainda foi escrito pelo próprio Deus e proclamado duas vezes (Ex 20 e Dt 5). As dez palavras são escritas ora por Moisés (Ex 24,3s), ora por Deus em duas tábuas de pedra (24,12; 31,18; 32,15s), cuja primeira edição Moisés destruiu quando viu o bezerro do ouro (32,19); tinha que lavrar outras tábuas nas quais Deus escreveu a segunda edição (34,1.3.29).

No texto, Deus entrega as tábuas só depois das outras leis no Sinai (20,22-31,17; 34,10-28; cf. Dt 9,11), porque o decálogo representa também elas. O decálogo e as demais leis devem ser considerados juntos. O escriba judaico Saadja Gaon especulou que as 613 letras do decálogo correspondem às 613 leis da Torá (lei de Moisés, ou seja, os primeiros cinco livros da Bíblia, chamados também de pentateuco).

Leis são essenciais para a convivência de um povo. A questão é como apreciar o decálogo no conjunto das leis da humanidade, do Antigo Oriente e da modernidade (direitos humanos). Como expressão religiosa, o decálogo só vale só dentro da sinagoga e da igreja? Ou é expressão natural dos seres humanos de criar leis justas, independente da religião?

Na Babilônia, encontram-se muitos contratos civis em letras cuneiformes. O Código do rei caldeu Hamurabi (1750 a.C.) apresentou um progresso (ex. a lei do talião limita a vingança e proporciona pela primeira vez delito e pena, cf. Ex 21,22-25). Mas todo direito no Antigo Oriente é direito do rei que é instrumento dos deuses (na Mesopotâmia) ou considerado divino (no Egito). Não se concebia justiça independente do rei. Só na crise do séc. VII a.C., a crítica da ideologia dos reis da Assíria levou em Israel ao conceito de um direito independente do rei. A justiça em Israel não se faz mais presente onde se apresentam os símbolos reais de dominação nacional, mas onde se cumpre a vontade de Deus através dos mandamentos. Assim o decálogo, como constituição e estatuto de fundação do povo de Israel, torna-se uma alternativa e abre espaço para pensar em liberdade política (direitos humanos etc.). A abertura do decálogo com a auto-apresentação de Deus libertador (v.2) é contrária à fundamentação do direito babilônico sobre o mandato místico do rei (cf. a imagem na estela de Hamurabi).

No Egito, o “livro dos mortos” tem uma defesa do falecido no submundo, nela se apresenta uma série de comportamentos. Além de destacar os pecados da língua e do coração, há também correspondentes para cada mandamento do decálogo, com exceção do primeiro e do terceiro: o egípcio não se preocupava em não adorar outros deuses, mas em não se esquecer de nenhum deles! No Egito, havia muitas festas, mas estas não foram prescritas como foi o sábado.

O decálogo apresenta princípios de lei (lei apodítica), sem mencionar a punição ainda (diferente das leis seguintes, cf. 21,17; 31,15). Na sua origem provavelmente continha leis breves (vv. 13-16). Embora breve e seletiva, abrange um campo amplíssimo de conduta. Pode-se considerar como um bem-sucedido esforço de síntese.

Agora se divide em “duas tabuas”, a primeira se refere a Deus, a segunda aos seres humanos. Mas a contagem dos 10 difere: os católicos (cf. abaixo as observações a respeito da catequese) e luteranos seguem St.º Agostinho contando como primeiro mandamento a ordem de não ter outros deuses e de não fazer imagens e, no final, dividindo o último mandamento em dois (versão de Dt 5). As igrejas ortodoxas, evangélicas reformadas e a anglicana seguem ao filósofo judeu Fílon de Alexandria (cerca de 20 a.C. – 50 d.C.) que dividiu as tábuas em duas vezes cinco mandamentos, contando como primeiro o de não ter outros deuses, como segundo o de não fazer imagens, e, no final, juntando num único mandamento aqueles que se referem à cobiça (da mulher do próximo e dos bens dele; versão de Ex 20). Os rabinos (mestres judeus) contam como primeiro mandamento/palavra já a apresentação de Deus (v. 2: Que eu seja teu Deus, …), entendem como segundo mandamento a ordem de não ter outros deuses e de não fazer imagens e, no final, juntam aqueles que se referem à cobiça.

Deus pronunciou todas estas palavras: ”Eu sou o Senhor teu Deus que te tirou do Egito, da casa da escravidão (vv. 1-2).

A introdução é solene, em vez de outros sinônimos frequentes, como “mandamentos, preceitos, decretos, prescrições, ordens” (cf. Sl 119), prefere “palavras”. Para o Talmud (comentário dos rabinos), esta auto-apresentação de Deus já é o primeiro mandamento (a primeira palavra).

No início do êxodo, na sarça ardente no pé da mesma montanha, Deus já se revelou a Moisés como Yhwh (Javé, traduzido por “Senhor”, explicado em Ex 3,14s: “Eu sou que sou”; cf. 6,2). Agora se revela ao povo todo que já fez a experiência do seu poder (pragas, passagem pelo mar, providência e proteção no deserto), mas agora é comunicado a vontade e essência de Deus (“Eu sou Yhwh, teu Deus…”) que chama o povo a viver e manter-se na liberdade. Esta evocação dos benefícios de Deus dá sentido as exigências que seguem (cf. 19,5; Jz 6,8-10; Am 2,10). Pode-se igualmente traduzir: “Sou eu, o Senhor, que sou teu Deus, por te haver feito sair da terra do Egito.”

O decálogo está enraizado na aliança, instrumento jurídico entre partes. Aqui, o soberano (Deus) enumera os benefícios outorgados à parte inferior (povo). Daí procede a oferta de uma relação jurídica estável e seguem-se a condições e clausulas particulares aceitas pelo povo (24,3.7). O ato é selado com um sacrifício (cap. 24), e o protocolo se registra por escrito (as duas tábuas), e se conserva em lugar sagrado.

Na redação sacerdotal, as tábuas com o decálogo como “testemunho” da aliança são guardadas no lugar mais santo do templo, na arca da aliança (25,16; 40,20; cf. Dt 10,1-5; a arca desaparece na destruição de Jerusalém em 586, cf. Jr 3,16; 2Rs 25). A festa agrícola da ceifa (primeiros feixes), a festa das (sete) semanas, torna-se a festa de Pentecostes em que os judeus comemoram a entrega da lei e a aliança no Sinai (23,16; 34,22; Dt 16,9; Nm 28,26; Tb 2,1; 2Mc 12,32; cf. At 2: entrega do Espírito).

Não terás outros deuses além de mim. Não farás para ti imagem esculpida, (e) nem figura alguma do que existe em cima, nos céus, ou embaixo, na terra, ou do que existe nas águas, debaixo da terra. Não te prostrarás diante destes deuses nem lhes prestarás culto, pois eu sou o Senhor teu Deus, um Deus ciumento. Castigo a culpa dos pais nos filhos até à terceira e quarta geração dos que me odeiam, mas uso da misericórdia por mil gerações com aqueles que me amam e guardam os meus mandamentos (vv. 3-6).

Deus se revelou pela palavra, mas permaneceu invisível (Dt 4,15s). O Senhor proclama seu direito a ser reconhecido por Israel, com exclusão de qualquer outra divindade “além de mim” (lit. contra a minha face); cf. Os 13,4.

Pelo acréscimo “e” entre “imagem esculpida” (lit. ídolo) e “figura alguma”, a redação sacerdotal de Ex 20 divide este mandamento em dois. Na versão de Dt 5,7-9, “não se prostrar” se referiu a outros deuses, em Ex 20 às imagens (ídolos). Em Dt 5 ainda se conta com a existência de outros deuses, mas estes não devem ter mais importância para os israelitas que devem adorar só Javé (monolatria); Javé Deus é o único Deus a ser amado (Dt 6,4s). Talvez a redação sacerdotal de Ex 20 tenha sido influenciada pela polêmica por seu conterrâneo Deutero-Isaias (que estava no mesmo exílio). Este profeta salientou que nem existe a realidade divina apresentada pelos ídolos, são apenas madeira ou gesso (Is 40,18-20; 41,29; 44,9-20), a monolatria torna-se monoteísmo (outros deuses nem existem).

A Bíblia do Peregrino (p. 144) comenta:

O preceito simples proíbe toda representação plástica de Yhwh, exige um culto sem imagens, “anicônico” (ver Ex 32). A enumeração divide o mundo em três planos horizontais e se refere a animais (embora “o que há em cima no céu” possa ser aplicado aos astros). Dt 4,15 dá uma motivação histórica: o Senhor revelou-se em palavra, não em imagem. A motivação do v. 5 liga este preceito ao primeiro: do singular (“uma imagem”) passa ao plural (“eles”); emprega a terminologia típica da idolatria (“prostrar-se e prestar culto”); apela para o caráter “ciumento” de Yhwh, que não admite rivais (Dt 6,14s; Js 24,19). Os pregadores posteriores supõem impossível qualquer representação plástica de seu Deus, razão pela qual toda imagem é automaticamente ídolo.

A retribuição divina penetra e dura temporalmente. Filhos, netos e bisnetos sofrem as consequências do pecado, ou o pai sofre neles. Por outro lado, a bondade de Deus perdura na história até uma distância inatingível. Paralelos: Ex 20,22-23; 34,14.17; Lv 19,4; 26,1; Dt 27,15. Este princípio genérico e assimétrico de retribuição não deve ser confundido com cláusula penal.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 127) comenta:

Esse desenvolvimento sobre o castigo e o perdão divinos mostra o amadurecimento da teologia israelita. De início, acreditava-se que um pecador podia ser castigado nos seus descendentes, ao menos até os bisnetos (assim 2Rs 24,3 pensa que Joaquim foi castigado por causa de seu bisavô Manassés). Mais tarde, textos como Dt 7,10; 24,16; Jr 31,29-30; Ez 18 afirmam a responsabilidade própria de cada geração: o que explica as precisões aduzidas aqui: o castigo ou a graça são hereditárias, se os descendentes perseveram na atitude dos antepassados.

Não pronunciarás o nome do Senhor teu Deus em vão, porque o Senhor não deixará sem castigo quem pronunciar seu nome em vão (v. 7).

Israel recebeu a revelação do nome (cf. Gn 32,30) de Deus, a fim de poder louvá-lo, invocá-lo (15,3), fazê-lo conhecido das nações, ser abençoado (Nm 6,22-27). Mas não deve servir-se dele “em vão”, lit.: não levantarás o nome do Senhor, teu Deus, para uma coisa vã (ou falsa).

Não se deve servir do nome santo sem razão, abusando-o para práticas obscuras e perigosas (falsos juramentos, magia, maldições etc.), manipulando a autoridade do Senhor. Uma forma grave é o juramento falso, que tenta dar consistência, com o nome de Yhwh, a quem não tem, porque não é (cf. 23,1). Outro abuso pode ser a blasfêmia (Ez 23,9-12). Outras expressões: profanar (Lv 20,3; Ez 43,8), abusar (Pr 30,9); o contrário de profanar é santificar (cf. Ez 36,20-24; o pedido no pai-nosso em Mt 6,9p). Este mandamento tem vários equivalentes no livro egípcio dos mortos (pecados da língua).

No judaísmo começou-se a nem pronunciar mais o nome de Yhwh, por isso não sabemos mais a pronúncia correta hoje (“Javé” é portuguesado; “Jeová” é errado, mistura de vogais de Yhwh com consoantes de Adonai=Senhor). Só o sumo sacerdote pronunciava o nome de Javé, mas só uma vez por ano e só no lugar santíssimo do templo (no dia do perdão, cf. Lv 16; Hb 9,7). O nome de Javé foi substituído por expressões como “Senhor, Céu, Nome, Bendito, Eterno, Rei…” (o evangelista de Mt preferiu escrever “reino dos céus” em vez de “reino de Deus”). Depois da destruição do templo (70. d.C.) continua este respeito até hoje entre os judeus.

Lembra-te de santificar o dia de sábado. Trabalharás durante seis dias e farás todos os teus trabalhos, mas o sétimo dia é sábado dedicado ao Senhor teu Deus. Não farás trabalho algum, nem tu, nem teu filho, nem tua filha, nem teu escravo, nem tua escrava, nem teu gado, nem o estrangeiro que vive em tuas cidades. Porque o Senhor fez em seis dias o céu e a terra, o mar e tudo o que eles contêm; mas no sétimo dia descansou. Por isso o Senhor abençoou o dia do sábado e o santificou (vv. 8-11).

Este mandamento e o próximo são os únicos que começam em formulação positiva (cf. formulação negativa: Lv 23,7; Jr 17,22; positiva: Ex 23,12; 31,15; 34,21; Lv 23,3). O do sábado tem motivação ampla. Não impõe práticas cultuais, e sim descanso, porém, dedicado ao Senhor. Como o templo delimita um espaço, assim o sábado delimita um tempo e o consagra a Deus. A motivação é estritamente teológica, ao passo que Dt 5 dá uma motivação social.

Esta é a maior diferença entre as duas versões Ex 20 e Dt 5: a justificativa do sábado. Na redação sacerdotal de Ex 20 que escreveu também Gn 2,1-3, o “sábado” justifica-se pelo descanso de Deus depois da criação (motivo cultual), enquanto Dt 5 o preceito do sábado deve-se pela má lembrança da escravidão (motivo social).

A observância deste preceito foi ganhando importância (Is 56,2-7; 58,13), até as fórmulas que provocaram a polêmica de Jesus no NT (significativo, Jo 5,16s). Em Ex 31,12-17, o sábado é chamado “sinal perpétuo” da aliança eterna e declara-se a pena de morte para quem o viola.

Conjetura-se que o “sete” surge como divisão do mês lunar. Mas o sétimo dia não corresponde bem, porque o mês lunar tem 29 ½ dia. Os povos antigos dividiram o tempo segundo os ciclos da natureza (calendário solar no Egito, lunar na Mesopotâmia). No calendário babilônico tem uma festa da lua cheia, chamado shabatum. O verbo hebraico shabat significa “parar”. Na origem, o dia de “sábado” pode ter sido uma festa da lua, como indica Am 8,5 que coloca em paralelo a lua nova e o sábado: “Quando passará a lua nova, para que possamos vender o grão, e o sábado, para que possamos vender o trigo?” (cf. Os 2,13; Is 1,13; 66,23; 2Rs 4,23). Como passou o dia mensal (da lua) de parar (“sábado”) o trabalho e o comércio para o “sétimo dia” (da semana)?

Já em Canaã se conhecia um ano de descanso agrícola; o fato de que é o sétimo ano talvez tenha a ver que na língua semítica (hebraica): o número “sete” está ligada a raiz da palavra “plenitude”. Assim, o solo pode se regenerar e trazer plenitude. No antigo Código da Aliança se apresenta um motivo social: “Durante seis anos semearás a tua terra e recolherás os seus furtos. No sétimo ano, porém, a deixarás descansar e não a cultivarás, para que os pobres achem o que comer e o que resta comam os animais do campo” (Ex 23,10-11). E logo se seguida, se apresenta uma lei trabalhista: “Durante seis dias farás os teus trabalhos e no sétimo descansarás, para que descanse o teu boi e o teu jumento, e tome alento o filho de tua serva e o estrangeiro” (23,12). Adaptou-se o descanso da terra aos recursos humanos. No Antigo Oriente, havia contratos de serviço que exigiam o décimo dia como dia de descanso. Estas leis (cf. também 34,22) se referem apenas ao tempo de serviço contratado (na época do plantio e da colheita) e ainda não são uma estrutura geral da divisão do tempo semanal em toda sociedade. Pode ser que a contagem de 6+1 levou a instituição da “festa das semanas” (34,22) que representava o fim do período agrícola.

Só em Dt 5,14 (e depois em Ez 20) se junta o conceito do sábado (festa lunar; cf. Ex 12) com o do sétimo dia (descanso): “o sétimo dia é sábado”. O sábado agora é semanal e ligada a libertação da escravidão do Egito. Assim se criou um ritmo de 6+1, independente dos ciclos naturais (da lua ou do sol). Em Dt 5,12 se deve “guardar” (como festa de “guarda”) o sábado, em Ex 20,8 “lembrar” (conscientizar-se). A redação sacerdotal aprofunda esta nova estrutura. Em Gn 1,3-5, ele apresenta Deus criando o “dia”, independente do sol ou da lua (criados só no quarto dia em Gn 1,14-19). Assim estrutura-se a criação segundo esta medida. Em 1,31 se destaca ainda “o sexto dia”, mas não se repete a mesma fórmula no próximo dia. Assim aparece a ritmo semanal de 6+1 como estrutura oculta da natureza à qual Deus também obedece “parando”, descansando da sua obra.

Esta estrutura semanal não se pode conhecer a partir da natureza, fica oculta durante todo período dos patriarcas. Só através de um milagre (o maná em Ex 16), Israel descobre que o sétimo dia deve ser algo especial. Em Ex 20, finalmente, explica-se este milagre revelando a Israel esta estrutura oculta da criação, da qual se deve “lembrar”, tornar consciente. Enquanto em Dt 5, o sábado se parece mais com um dia nacional, em Ex 20, a semana ganha dimensão cósmica, e esta mudança explica seu sucesso: como um relógio com precisão, sentimos agora passando o tempo, isso traz uma estabilidade a qual hoje o mundo inteiro aderiu seguindo esta contagem da semana (6+1).

Além disso, este mandamento inverteu o conceito de trabalho. Na antiguidade, trabalho e ócio foram divididos em grupos de pessoas: escravos (aos quais foi negado o ócio: neg-ócio) e donos livres. No decálogo, se divide entre dias de trabalho e de descanso. Se, como norma, se exige de todos um dia de descanso, então o trabalho não é mais algo mal de se evitar, mas algo “normal” para todos, e isso independentemente dos tipos de trabalho (inferior ou superior).

A menção dos “escravos e escravas” demostra que ainda permaneceu a escravidão em Israel (cf. a lei em 21,1-11: até sete anos), como em toda antiguidade (no Brasil até 1888 d.C.!). Paulo vai minar este conceito igualando livres e escravos no batismo (Rm 8,14-17; Gl 3,26-28), na eucaristia (1Cor 11,20-22) e no tratamento (Fm 12.16).

“E o estrangeiro que vive em tuas cidades”, lit. nas tuas portas, isto é, dentro dos muros da cidade.

“O Senhor abençoou o dia do sábado e o santificou”. O verbo hebraico santificar/consagrar recebeu também o sentido de desposar. A tradição judaica, aliás, comparou o sábado (palavra feminina em hebraico) a uma noiva (ou rainha) alegremente acolhida por este cântico, entoado ao anoitecer de sexta-feira: “Vem, meu amigo, diante da noiva; acolhamos a face do sábado”.

Honra teu pai e tua mãe, para que vivas longos anos na terra que o Senhor teu Deus te dará (v. 12).

Outro mandamento que começa em formulação positiva. É o único mandamento com uma promessa (na linguagem típica do Dt). O tema é frequente na literatura sapiencial (cf. Eclo 3,1-16). Honrar inclui também sustentar, manter os pais idosos (cf. polêmica de Mc 7,11p). Estabelece a família como primeira realidade social, igualando pai e mãe.

A origem pode estar em Ex 21,15.17 (cf. Dt 5,16 que se refere a outras leis) onde tem uma cláusula penal: a pena de morte para o filho que bate ou amaldiçoa os pais (cf. Lv 20,9). A Bíblia aqui é mais dura do que a lei do Antigo Oriente (cortar a mão do filho que bate nos pais, ou cadeia). Dt 21,18-21 declara a pena de morte para um filho rebelde.

“Honra” lit. glorifica. Sendo a glória de uma pessoa o seu valor real, glorificar alguém é dar-lhe toda a sua importância, seu peso. Glorificar os pais é efetivamente reconhecer neles os instrumentos de Deus, fonte da vida, e a importância da transmissão da fé pelos pais. Ml 1,6 aplica à relação ao próprio Deus. Para Fílon de Alexandria (e as igrejas ortodoxas, anglicana e evangélicas reformadas), este mandamento é o quinto e pertence ainda à primeira tábua.

Não matarás (v. 13).

Os próximos mandamentos são os mais curtos e tratam dos temas: vida, convivência (sexual) e bens (propriedade). Os três vv. 13-15 não tem objeto (só o verbo), enquanto os vv. 16-17 tratam dos mesmos temas, mas tem como objeto o “próximo”.

A Bíblia do Peregrino (p. 145) comenta: À luz de outras leis e da prática constante, que admitem e prescrevem a pena capital, seria preciso entender esta proibição em sentido restrito: não cometerás assassínio, não matarás ilegalmente. Gn 9,5 parece atribuir a competência a Deus: “pedirei contas”. Paralelos: Ex 21,12; Dt 27,24.

Como a leis do Antigo Oriente, a Bíblia declara a pena de morte para um assassino (Ex 21,12.14; cf. lei do talião: 21,23-25; Lv 24,19s; Dt 19,21) e faz uma diferença entre assassinato e lesão (briga) com consequência letal (21,12-14), autodefesa ou guerra. Davi é elogiado porque “matou 10.000” (1Sm 18,7) dos inimigos, mas é censurado pela ordem de assassinar Urias (2Sm 11-12).

 

Não cometerás adultério (v. 14).

A legislação penal distingue entre adultério e fornicação (Lv 18; 20,10-21). O decálogo só se refere ao adultério. Na literatura sapiencial há uma explanação ampla do tema em Eclo 23,16-27; cf. também Pr 6,24-35.

Na visão machista do Antigo Oriente não há igualdade de sexos. Também o AT entende por adultério apenas prejudicar o marido: A mulher casada comete adultério numa relação com qualquer estranho; o homem casado, só em suas relações com uma casada. O homem só viola o matrimônio alheio (com a esposa de outro homem, cf. Davi e Betsabeia em 2Sm 11, diferente da relação com prostitutas, cf. Judá e Tamar em Gn 38; os espiões em Js 2; Sansão em Jz 16,1), enquanto a mulher viola o próprio matrimônio (traindo o marido ou noivo com qualquer outro homem).

Mas também a Bíblia diferencia entre do delito em flagrante, com provas ou apenas suspeito (cf. Dn 13). Quando as provas são insuficientes, exige-se um ordálio (um juízo “divino”; costume até a idade média), na Babilônia pelas águas do rio, na Bíblia por intervenção do sacerdote, oferendas e juramento (Nm 5,11-31). Como em todo Antigo Oriente, adultério é punido com a morte (Dt 22,22; Lv 20,10). Se houver apenas suspeito, o marido pode demitir a esposa infiel (Os 2,4s), mas em flagrante é pena de morte sem alternativa, porém, o marido traído não pode matar a esposa pela própria mão quando a flagra. A Bíblia fortalece a instituição do tribunal.

Não furtarás (v. 15).

Na sua formulação atual, o alcance este mandamento é geral; se refere a tirar bens (móveis incluindo pessoas; imóveis se menciona no último mandamento). Parece que em seu alcance original se referia a sequestro de pessoa com fim lucrativo: Ex 21,16; Dt 24,7.

No código da aliança, há um capítulo dedicado a leis sobre a propriedade (21,37-22,14).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 127) comenta: Conforme uma tradição bem-atestada (Ex 21,16, os midrashim mais antigos: a exegese judaica de Ráshi), retomada por exegetas modernos, esse mandamento estaria proibindo apoderar-se de pessoas para reduzi-las à escravidão; desse modo, visaria toda e qualquer alienação da liberdade de outrem. Mas foi também legítimo ver aí uma proibição geral de roubar os bens de alguém.

Não levantarás falso testemunho contra o teu próximo (v. 16).

Nos últimos mandamentos temos a mesma sequência de antes (vv. 13-15: vida, família, bens), mas desta vez com o objeto “teu próximo”, ou seja, um membro da comunidade (diferente Lc 10,29-37). No tribunal, falso testemunho pode levar a morte (1Rs 21, a vinha de Nabot; Dn 13 Susana e os dois anciãos).

O mandamento refere-se ao processo jurídico, no qual as testemunhas juram. O tema é frequente também na literatura sapiencial (Pr 6,19; 19,5.9; 25,18).

Não cobiçarás a casa do teu próximo. Não cobiçarás a mulher do teu próximo, nem seu escravo, nem sua escrava, nem seu boi, nem seu jumento, nem coisa alguma que lhe pertença” (v. 17).

Se Ex 20 é a versão mais nova, que desdobrou o primeiro mandamento em dois, agora, para manter as “dez” palavras, precisa juntar o nono e o décimo que estavam separados em Dt 5,21. A redação sacerdotal consegue isso, dando outro sentido a palavra “casa”. Casa agora se entende no sentido mais ampla de família: agora é um mandamento só, mas não subestima a “mulher” como nos pode parecer num primeiro momento (achando ela é mais importante do boi, mas menos importante do que o imóvel, a casa construída).

A Bíblia do Peregrino (p. 144) comenta: Cobiçar como atitude interna, apaixonada e ativa; o autor não pensa em afetos ineficazes, em veleidades; contudo propõe um princípio de interiorização. Ver a maturação deste começo em Mt 15,19. O objeto são as propriedades, entre as quais e em primeiro lugar figura a mulher. Paulo cita este texto em Rm 7,7. Conclui-se que o Decálogo, na presente formulação, não pode ser proposto sem importantes adaptações como norma de vida cristã.   

Observação: O decálogo no Novo Testamento e na catequese atual

A interpretação de Jesus é interessante: Ele cita os mandamentos da segunda tábua (Mc 7,10 e 10,18s), mas não menciona a proibição das imagens e relativiza o sábado (Mc 2,27s; Jo 5,17). Perguntado sobre o maior mandamento (Mc 12,28-31p), cita Dt 6,4-5 e Lv 19,18, assim resumindo e superando as duas tábuas do decálogo (não falando de proibições, mas de “amor” a Deus e ao próximo; cf. 1Jo 4,7-21; Jo 13,34s; 15,12s). Alguém disse: Quem guarda os dez mandamentos ainda não é um bom cristão, é um bom judeu. O bom cristão deve guardar o novo mandamento de Jesus, ou seja, amar com Ele nos amou (Jo 13,34s)

Paulo polemiza contra a lei judaica (circuncisão etc.), mas valoriza o decálogo resumindo a segunda tábua no amor ao próximo (Rm 13,18-10; cf. Gl 5,14): Amor-caridade é a plenitude da lei (cf. 1Cor 13; Cl 3,14)

A Catequese cristã modificou bastante o decálogo do AT (Antigo Testamento). O primeiro mandamento que as crianças aprendem é: “amar (palavra de Jesus, cf. Mc 12,30s; Dt 6,5) a Deus sobre todas as coisas”, porque na sociedade cristã não se acreditava mais em outros deuses, mas o perigo da idolatria continua, “adorar” tanta outra coisa que não é Deus (cf. Mt 4,8-10: satanás; 6,24: dinheiro; Ap 13: imperador).

Fazer imagens ou “ídolos” continua um assunto polêmico: Nos tempos de Moisés, os povos pagãos erraram imaginando e representando deuses com cabeças de animais (Egito, Babilônia). Mas Deus é invisível (Ex 33,20-23; Eclo 43,31; dif. Ex 24,10; Nm 12,8; cf. Jo 1,18; 6,46; 1Jo 4,12), por isso não se podia fazer imagens de Deus. Em Jesus, porém, nasceu a “imagem de Deus invisível” (Cl 1,15). “A palavra (de Deus) se fez carne”, podia ser vista e tocada (e se tivesse maquina, fotografada e filmada; cf. Jo 20,25-28). “Quem me viu, viu o Pai”, disse Jesus (Jo 14,9).

Aos poucos a Igreja Católica (também a Ortodoxa, não era separada até 1054) aceitou imagens artísticas de Jesus e dos santos (não para adorar, mas para lembrar a presença do representado). Pela influência do islamismo (profeta Maomé, 570-632) surgiu uma briga por causa das imagens que foi resolvida pelo II Concílio de Nicéia no século VIII: por causa da encarnação é licito venerar imagens de Jesus e dos santos. É um ato de fé acreditar que Deus sé tornou visível em Jesus, cujo amor maior (cf. Jo 15,12s) pode ser representado num crucifixo, por exemplo,

No terceiro mandamento cristão o dia sagrado de “sábado” mudou para o domingo e não diz mais uma justificativa. O motivo foi a ressurreição de Jesus no 1º dia da semana que representa uma nova criação. O primeiro da semana e tornou-se o dia da reunião dos apóstolos para celebrar a presença do Ressuscitado (Lc 24,1.13; Jo 20,1.19. 26; At 20,7). Todas as igrejas cristãs fizeram esta mudança, somente no século 19 os “adventistas do sétimo dia” voltaram atrás para celebrar o sábado com os judeus.

O quinto e o sexto mandamento se radicalizaram pela influência do sermão da montanha, no qual Mt apresenta Jesus como novo Moisés ensinando cumprir a lei em vez de aboli-la (Mt 5,17): “Não assassinar” virou “não matar” questionando a defesa legitima e a guerra justa (cf. Mt 5,21-26;38-48; 26,51s), e “não cometer adultério” tornou-se “não pecar contra castidade” referindo-se a qualquer atividade sexual fora do casamento, qualquer desvio e abuso sexual (cf. Mt 5,27-31; 18,6-9).

Os mandamentos na versão catequética são uma versão atualizada do decálogo, mas perdeu-se a motivação que se tinha antes, principalmente a frase introdutora: ”Eu sou o Senhor teu Deus que te tirou do Egito, da casa da escravidão” (v. 2). Deus quer a nossa liberdade, por isso deu estas orientações para continuarmos vivendo em liberdade (Torá: “Lei” em hebraico, quer dizer orientação, como sinais de transito para encontrar o caminho certo). Sem motivação e justificativa resta uma série de proibições, colocada em cheque por uma ideologia sem Deus (sem Deus e sem a igreja, o ser humano estaria mais livre para pensar e fazer o que quiser? Ou criam-se novas dependências?). É preciso ensinar e mostrar o contexto, a transformação e a motivação do decálogo, e saber defender-se com argumentos contra filosofias ateias, práticas supersticiosas ou um fundamentalismo evangélico.

Evangelho: Mt 13,18-23

O evangelho de hoje explica a parábola do semeador (vv. 1-9; cf. evangelho de 4ª-feira passada). Mt copia tudo isso de Mc 4,13-20, com leves modificações.

Ouvi a parábola do semeador: (v. 18)

Depois da bem-aventurança dos discípulos (vv. 16-17), o texto volta ao chão da realidade retomando a parábola do semeador. Mc 4,13 era uma bronca aos discípulos incompreensíveis: “Se não compreendeis esta parábola, como podereis entender todas a parábolas?”. Mt e Lc atenuaram independentemente ou talvez já antes deles um redator de Mc (Deutero-Marcos como modelo para Mt e Lc) tenha tirado tantas incompreensões dos discípulos do evangelho de Mc.

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1883) comenta: Antes que proporcionar uma aplicação moral (Mc, Lc), Mt reitera, sob forma de interpretação, a proclamação do acontecido que a parábola anuncia em linguagem simbólica e que os discípulos estão vivendo (13,16-17): releitura teológica e ética do texto.

Todo aquele que ouve a palavra do Reino e não a compreende, vem o Maligno e rouba o que foi semeado em seu coração. Este é o que foi semeado à beira do caminho (v. 19).

Para Mc, semente era apenas a Palavra, Mt e Lc especificam: “palavra do Reino” (v. 19; cf. 4,23; 9,35; 24,14), “palavra de Deus” (Lc 8,11). Ambos também acrescentam o “coração” (Mt: semeado em seu coração; Lc: arrebata-lhes a palavra do coração). É possível, que Deuteromarcos já tenha feito estas mudanças. Só Mt, porém, acrescenta “e não a compreende” (cf. v. 23). Para Mt, os discípulos não devem apenas ouvir superficialmente como as multidões (cf. v. 13s), mas aprender pelo ensino de Jesus e serem capazes de entender (cf. vv. 36-52; 15,10.12-20; 16,5-17,13). Para isso, Jesus explica as metáforas desta parábola, como era costume entre os rabinos (cf. Ne 8,6) e no gênero apocalíptico (explicar visões e sonhos, cf. Dn 2,26ss etc.).

A metáfora “semear a palavra” já era comum entre os gregos e em parte entre os judeus (cf. Os 10,12; cf. Is 55,11). Em Mc (e Lc) não há clareza, porque “a semente é a palavra” (Mc 4,14; Lc 8,11), e depois identifica a planta com as pessoas que ouviram a palavra (Mc 4,16). Mt evita a identificação em v. 19. Para ele, a semente são as pessoas, como em v. 38, aludindo a outra metáfora judaica: Deus semeia/planta seu povo no mundo (cf. Jr 31,27s).

O “Maligno” (cf. 6,13; 13,38; diferente em 5,39) é o diabo (frequente em 1Jo; cf. Ef 6,16), apresentado como pássaro que se aproxima a recém-convertidos (1Tm 3,6; cf. 1Pd 5,8).

A Tradução Ecumênica da Bíblia (p. 1883) comenta: Este versículo não descreve duas atividades sucessivas, mas explica a primeira (ouvir e não compreender) pela segunda (a do Maligno).

A semente que caiu em terreno pedregoso é aquele que ouve a palavra e logo a recebe com alegria; mas ele não tem raiz em si mesmo, é de momento: quando chega o sofrimento ou a perseguição, por causa da palavra, ele desiste logo (vv. 20-21).

Também a segunda metáfora é conhecida. Na literatura sapiencial, o sábio é como árvore plantada na beira do riacho tendo raízes firmes, mas o ímpio é como árvore sem raízes que logo seca (positivo: Jr 17,8; Ez 31,2-5; Sl 1,3; cf. Jó 14,8s; negativo: Eclo 40,15; Sb 4,3s; cf. Is 40,24; Eclo 23,25).

Uns recém-convertidos acolhem a palavra “com alegria” (cf. 1Ts 1,6), mas vivem ainda com os valores terrenos (2Cor 4,18; Cl 3,2s). Mt mencionará novamente o “sofrimento” (lit. tribulação) no discurso escatológico (24,9.21.29) incluindo a inimizade dos pagãos. A “perseguição” é uma experiência constante da comunidade de Mt, principalmente por parte dos judeus (5,10-12; 10,23; 23,34). A desistência dos homens terrenos é sinal dos últimos tempos (24,10); “ele desiste logo”, lit. fica escandalizado (cai).

A semente que caiu no meio dos espinhos é aquele que ouve a palavra, mas as preocupações do mundo e a ilusão da riqueza sufocam a palavra, e ele não dá fruto (v. 22).

A imagem dos espinhos e cardos é associada ao mal (cf. Gn 3,18; Jr 12,13). Os leitores de Mt se lembram do trecho no sermão da montanha, onde Jesus falava da riqueza e logo em seguida das preocupações (6,19-34); para Mt é uma advertência central (cf. 10,9s; 19,16-30). As preocupações do (ou pelo) mundo são o aspecto subjetivo. A “ilusão” (sedução; Vulgata: falácia) representa o aspecto objetivo do perigo que a riqueza representa; pode significar também prazer, como traduz Lc 8,14. Também não dá frutos.

A semente que caiu em boa terra é aquele que ouve a palavra e a compreende. Esse produz fruto. Um dá cem, outro sessenta e outro trinta (v. 23).

Depois dos exemplos negativos, finalmente o final positivo. Há também seres humanos em que a semente cai em terra boa. “É aquele que ouve a palavra e a compreende”. Os discípulos chegam a compreensão apenas por Jesus (15,10; 16,12; 17,13). Primeiramente compreender é coisa de cabeça, mas não só: ouvir, compreender e fazer (praticar) pertencem juntos, para Mt como para o judaísmo (cf. 7,24,26; fazer e produzir frutos: 3,8.10; 7,17-19; 13,26; 21,43).

Apenas este último tipo de pessoas “compreende” (cf. v. 19). Os leitores devem compreender que o significado desta parábola são eles mesmos (cf. 2Sm 12,7). Os frutos podem ter tamanhos diferentes (100, 60, 30; Mt inverte a sequência de Mc), como na parábola dos talentos (25,20.22).

A parábola é um espelho para a comunidade cristã, não se trata apenas dos problemas dos recém-convertidos, mas cada um se deve perguntar sobre seus próprios frutos. Mt vê na comunidade pessoas que não se tocam com a palavra do reino e outros em que a palavra é sufocada e não produz. Não se deve aplicar os três tipos falidos apenas aos outros (aos judeus, crentes protestantes ou católicos não praticantes), mas avaliar sem autossuficiência e praticar uma autocrítica (cf. a parábola do joio, vv. 36-43, e a do convidado sem traje de festa, 22,11-14; cf. a perspectiva de 24,37-25,46).

O site da CNBB comenta: Todos nós falamos muito em felicidade e todas as pessoas desejam ser felizes. Em nome da felicidade as pessoas fazem as maiores proezas e correm os maiores riscos. A felicidade está sempre naquilo que nós mais valorizamos na nossa vida. É justamente aqui que nós encontramos o elemento de análise principal para encontrarmos a causa de tanto sofrimento e tanta dor que estão presentes no mundo de hoje. Deus é o valor absoluto e somente a partir dele pode haver felicidade verdadeira. Qualquer felicidade que encontre o seu fundamento fora de Deus, coloca o seu fundamento em um falso valor, de modo que é na verdade uma falsa felicidade, que só pode trazer dor e sofrimento.

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