28 de Maio de 2021, Sexta-feira: E ensinava o povo, dizendo: “Não está escrito: ‘Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos’? No entanto, vós fizestes dela uma toca de ladrões” (v. 17).

8ª semana 6ª feira – Ano Ímpar

Leitura: Eclo 44,1.9-13

O livro de Eclesiástico é uma coleção de provérbios e conselhos de mais diversos temas, mas no final destaca a glória de Deus na natureza (42,15-43,33) e na história (44,1-50,29). O livro é chamado de “eclesiástico” porque foi aprovado como parte da Bíblia pela Igreja Católica (não pelos judeus nem pelos protestantes). Seu autor, Ben Sirac, é um escriba sábio, e como educador valoriza o exemplo dos antepassados e grandes figuras na Bíblia.

Vamos fazer o elogio dos homens famosos, nossos antepassados através das gerações (v. 1).

Este elogio mostra como Ben Sirac, um judeu piedoso do século II a.C. compreendia a história de Israel (cf. o paralelo breve no testamento de Matatias em 1Mc 2,51-64; no NT, cf. Hb 11).

Na época dominada pelos homens, Ben Sirac não se pensa em mulheres (como Sara, Rebeca, Débora, etc.; cf. a genealogia de Jesus em Mt 1), mas em “homens famosos”, hebraico: “homens de bem” (cf. v. 10). O termo “de bem”, aqui traduzido por “famosos”, é o clássico hésed: homens que receberam de Deus a bondade (ou misericórdia) e a praticam com os outros. Isso já significa uma seleção na mente do autor: benfeitores.

Trata-se dos homens piedosos, hasidim (cf. 43,33), homens de piedade (hésed), termo que deu origem aos “(h)assideus” (cf. 43,33; 1Mc 2,42; 7,13), aqueles judeus que na época da revolta dos macabeus (166-162 a.C.) se distinguiram por sua fidelidade a Deus e à Lei e resistiram à dominação grega. Se o tradutor grego de Eclo não traduziu com exatidão a expressão, é talvez porque ele a julgava, em sua época, carregada de um sentido por demais preciso.

O emprego desta expressão para designar os homens devotados à Lei situa o autor Ben Sirac entre esses predecessores longínquos dos fariseus e dos essênios. Além disso os considera na sua categoria de “antepassados”, com forte expressão de continuidade e pertença, quase tradição biológica (o texto grego diz: “e de nossos pais pela geração”).

Outros não deixaram lembrança alguma, desaparecendo como se não tivessem existido. Viveram como se não tivessem vivido, e seus filhos também, depois deles (v. 9).

Nossa liturgia omitiu a lista genérica, sem citar nomes, de governantes, conselheiros, videntes, príncipes das nações, chefes, pensadores sábios e poetas, compositores, ricos e poderosos (vv. 2-8). Os vv. 2-9 podem ser ou uma descrição das glórias profanas conhecidas fora de Israel, às quais o autor oporia (vv. 1 e 10s) os antepassados dos judeus, ou uma visão de conjunto das glórias de Israel que o autor vai pormenorizar em seguida.

“Outros não deixaram lembrança alguma…” parecem ser homens não incluídos na lista precedente. Com isso prepara-se a estrofe seguinte. É maldição e desgraça não deixar nome de família nem lembrança (cf. 41,6/9).

Mas estes, ao contrário, são homens de misericórdia; seus gestos de bondade não serão esquecidos (v. 10).

Os “homens de misericórdia” de v. 10 são os mesmos de v. 1 (“famosos”) com a mesma expressão no hebraico: hesed, “piedade, misericórdia, graça”.

“Seus gestos de bondade não serão esquecidos”; hebraico: “o que eles esperam não terminará”; leitura que parece exprimir uma esperança de imortalidade que não aparece no texto grego.

Eles permanecem com seus descendentes; seus próprios netos são a sua melhor herança (v. 11).

Outra tradução: “Seus bens perduram em sua descendência, sua herança passa de filhos a netos” (com o hebraico é preciso ligar bens a v. 11a; o grego o transforma em adjetivo, transposto para v. 11b: “Com a sua descendência permanece / uma herança, os seus rebentos”.

A descendência deles mantém-se fiel às alianças, e, graças a eles, também os seus filhos. Sua descendência permanece para sempre, e sua glória jamais se apagará (vv. 12-13).

A tradição de Israel é formada pela continuidade das gerações e da memória. A memória torna presente e atuais os antepassados, como os descendentes tornam presente uma estirpe.

A memória está ligada a caridade, conforme a convicção do autor (40,17; cf. Sl 112): a prática da misericórdia (piedade) encabeça o fragmento. Mas segundo ele, o homem não sobrevive, só sua fama perdura (cf. 39,9-11: “… e se morre, isto lhe basta”). Não se firmou ainda a fé na ressurreição no Antigo Testamento, mas “sua descendência permanecerá para sempre” (v. 13b). Este texto é lida na festa dos santos Joaquim e Ana (26 de julho) cujo neto é Jesus, sua melhor herança.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 890) comenta o conjunto que começa a citar pessoas concretas com seus nomes a partir do v. 16: Palavra-chave desta historiografia é fidelidade aos mandamentos e a aliança com Deus único. A seleção de nomes feita pelo escriba tem como objetivo justificar a prática de piedade dos seus seguidores, em contraposição ao elogio dos heróis gregos. Começa exaltando os homens piedosos (assideus, cf. 44,10) por serem praticantes do bem e da justiça (cf. 44,1-15); passa para a tradição dos patriarcas com Henoc e Noé (cf. Gn 5,21-24; 6-9) como exemplo de culto (cf. 45,6-22); e conclui a listagem com Simão II, último sumo sacerdote da linhagem sadoquita.

 

Evangelho: Mc 11,11-26

O evangelho de hoje narra os primeiros dias de Jesus em Jerusalém. Faz parte de um bloco de duas vertentes. A primeira, positiva, mostra Jesus poderoso em milagre (cura do cego em Jericó, evangelho de ontem) e aclamado (entrada em Jerusalém, cf. Domingo de Ramos). A segunda (evangelho de hoje), negativa, mostra-o rejeitando o uso que fazem do templo e repelindo o povo numa ação simbólica. Narrativamente as peças estão ligadas por indicações geográficas: Jericó, Jerusalém, Betânia, o Templo.

Com maestria, o evangelista inseriu a purificação do templo no meio da maldição da figueira, Esta técnica narrativa de inserir uma cena no meio de outra, os exegetas (peritos da Bíblia) chamam de “sanduiche”. Mc a usa também em 3,20-35; 5,21-43; 6,7-33; 11,11-21; 14,1-14.

(Tendo sido aclamado pela multidão,) Jesus entrou, no Templo, em Jerusalém, e observou tudo. Mas, como já era tarde, saiu para Betânia com os doze (v. 11).

Imediatamente após sua entrada em Jerusalém, Jesus faz a visita de inspeção ao templo. O cuidado do templo era competência do rei desde a sua construção (cf. 1Rs 6-8), portanto convém ao messias Jesus. Este pormenor prepara a cena da expulsão dos vendilhões do Templo no dia seguinte (vv. 15-19). Aqui se trata da observação do conjunto, com seus átrios, e não do edifício que constituía o coração do Templo e cujo acesso só era permitido aos sacerdotes (cf. 14,58; 15,29.38).

No dia seguinte, quando saíam de Betânia, Jesus teve fome. De longe, ele viu uma figueira coberta de folhas e foi até lá ver se encontrava algum fruto. Quando chegou perto, encontrou somente folhas, pois não era tempo de figos. Então Jesus disse à figueira: “Que ninguém mais coma de teus frutos.” E os discípulos escutaram o que ele disse (vv. 12-14).

Apesar da hospitalidade em Betânia (cf. 14,3), Jesus teve fome? Aqui se trata de uma ação simbólica cujo sentido se revela pela peça no meio do sanduiche, a ação no templo. Entre dois episódios situados no Templo, a figueira pode representar Israel, ou seja, o culto no próprio Templo, onde o Messias não encontra fruto algum (cf. Jr 8,13; Os 9.16-17; Jl 1,7; Mq 7,1). Portanto anuncia o fim de Israel como povo escolhido (na parábola em 12,1-12) e o fim do templo (13,1s), que acontece de fato com a destruição de Jerusalém em 70 d.C.

O símbolo da figueira já se encontra no AT (Os 9,10; Mq 7,1ss; Jr 24,1-10; 29,17). “Não era tempo de figos”; este pormenor (omitido na narração de Mt) deixa Jesus parecer irracional, mas em Mc o fato tem valor de sinal: Israel pode ter perdido o tempo propício (cf. os paralelos Lc 13,6-9 e Mc 13,28a.33; cf. 2Cor 6,2 citando Is 49,8). Para seus leitores gregos que não conhecem o AT, Lc substituirá a maldição da figueira pela lamentação de Jesus sobre Jerusalém (Lc 19,41-44).

A Bíblia do Peregrino (p. 2427s) comenta: O que se segue é a primeira parte de uma ação simbólica, como faziam os antigos profetas em tempos críticos, sobretudo Jeremias e Ezequiel. A ação simbólica é uma espécie de parábola em forma de mímica. O gesto, embora desconcertante, pode ser fator expressivo. Portanto, não estranhemos se nos parece estranha a ação de Jesus. A figueira, como outras árvores, pode representar o povo escolhido (Jr 8,13; Os 9,10); os figos representam os judeus (Jr 24,1-8); agora a figueira representa o povo incrédulo, que tem folhagem de aparências e não dá fruto. A imagem dos frutos é convencional à força de repetição (Is 37,31; Ez 17,8-9.23). O texto não parece distinguir entre a estação das bêberas e dos figos (que o hebraico distingue com dois termos; “bêbera” é quase igual a “primogênita”); o mês de abril não é estação de figos, mas quando muito de bêberas (Ct 2,13).

O destino que Jesus dá a figueira ilustra a ação que ele está para realizar no Templo.

Chegaram a Jerusalém. Jesus entrou no Templo e começou a expulsar os que vendiam e os que compravam no Templo. Derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos vendedores de pombas. Ele não deixava ninguém carregar nada através do Templo (vv. 15-16).

A Bíblia do Peregrino (p. 2428) comenta: Também a chamada “purificação” do tempo é uma ação simbólica de Jesus. Na esplanada do templo, no átrio acessível aos pagãos, montava-se para a Páscoa um verdadeiro mercado de animais para o sacrifício e bancas de câmbio para o imposto do templo (Ex 30,12-16); tudo era tolerado pelas autoridades. Esse é um dado realista. A intervenção de Jesus deve ter sido limitada quanto à extensão; um gesto, mais que uma operação sistemática. Três detalhes representam a totalidade: pombas (oferta da população pobre), cambistas, o átrio como caminho para o transporte de mercadorias.

A compra e venda acontecia no átrio dos pagãos. O gesto de Jesus cumpre o oráculo de consagração em Zc 14,21: “Não haverá mais vendedor na casa do Senhor todo-poderoso naquele dia.” Decerto, o átrio dos pagãos servia de atalho entre a cidade e o monte de Oliveiras; passava-se por ele sem dar atenção à perturbação daí resultante. ”Ele não deixava ninguém carregar nada”, lit. “ele não deixava ninguém atravessar o Templo transportando um objeto”.

E ensinava o povo, dizendo: “Não está escrito: ‘Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos’? No entanto, vós fizestes dela uma toca de ladrões” (v. 17).

Jesus começa a ensinar no templo (cf. v. 18; 12,14.35.38). Depois da ação simbólica, pronuncia as palavras que explicam e ampliam o alcance do gesto profético. São uma citação combinada de Is 56,7 e Jr 7,11. Só Mc cita as últimas palavras de Is 56,7: “para todos os povos”, que anunciam a extensão do culto messiânico. Destarte, a purificação do Templo adquire um alcance universal: o átrio dos pagãos é tão santo quanto o de Israel. No seu cap. 7, o profeta Jeremias proclama a inutilidade para os judeus de virem adorar no Templo, se o seu modo de vida não se conforma com a justiça e o respeito à lei (estes são os frutos desejados por Deus, cf. Is 5,1-7).

A Bíblia do Peregrino (p. 2428) comenta as duas citações: Comecemos pela segunda: Jeremias denuncia o abuso do templo por parte dos judeus, que o convertem em refúgio para continuar pecando impunemente (como fazem os bandidos em seus covis); a citação aumenta a gravidade do abuso. A primeira se encontra no começo da terceira parte de Isaías: é uma profecia para o futuro, com abolição de uma lei precedente. Duas coisas são essenciais no versículo: a função do templo, casa de Deus, casa de oração, e a abertura aos pagãos. A citação ultrapassa a situação imediata e projeta a visão para o futuro, para o novo templo, casa de Deus, aberto a todos.

Os sumos sacerdotes e os mestres da Lei ouviram isso e começaram a procurar uma maneira de o matar. Mas tinham medo de Jesus, porque a multidão estava maravilhada com o ensinamento dele. Ao entardecer, Jesus e os discípulos saíram da cidade (vv. 18-19).

Os leitores de Mc captam o alcance. De algum modo também as autoridades judaicas, que querem eliminar Jesus pelo que fez e disse: “ouviram isso”. A ação de Jesus, como Mc apresenta, não era tal violenta: não havia resistência. Não tem alcance político: não alarmou os romanos, nem é citada no processo (cf. 14,55-59)!

“Os sumos sacerdotes” são membros das grandes famílias sacerdotais, entre as quais era escolhido o Sumo Sacerdote. O gesto de Jesus não foi (apenas) uma purificação, mas expressou um julgamento de justiça aos que aí acorriam para cultuar a Javé. Jesus recorreu a Jeremias (Jr 7,11) para denunciar qualquer tipo de apoio religioso à violência e à corrupção. Não é à toa que as principais autoridades religiosas, articuladas com o poder político, querem a morte de Jesus (como perseguiam antigamente Jeremias).

“Ao entardecer, Jesus e os discípulos saíram da cidade”; outra tradução: Quando sobrevinha a noite, Jesus e seus discípulos saíam da cidade. Não se trataria mais de um fato isolado, mas de um costume (cf. vv. 11.19.27; 13,1; 14,3; 14,26).

Na manhã seguinte, quando passavam, Jesus e os discípulos viram que a figueira tinha secado até a raiz. Pedro lembrou-se e disse a Jesus: “Olha, Mestre: a figueira que amaldiçoaste secou” (vv. 20-21).

Este é o único milagre de castigo nos evangelhos, mas existe um nos At 5,9-11 e muitos na tradição dos rabinos. A eficiência da palavra de Jesus (a maldição de v. 14 se cumpriu logo), ilustra, segundo Mc, o poder da fé e da oração (vv. 20-25).

Jesus lhes disse: “Tende fé em Deus. Em verdade vos digo, se alguém disser a esta montanha: ‘Levanta-te e atira-te no mar’, e não duvidar no seu coração, mas acreditar que isso vai acontecer, assim acontecerá. Por isso vos digo, tudo o que pedirdes na oração, acreditai que já o recebestes, e assim será (vv. 22-24).

A Nova Bíblia Pastoral (p. 1240) comenta: A figueira secou, expressando o alcance da ação de Jesus no Templo. A comunidade que se forma a partir das palavras e ação de Jesus pode, então, colocar de lado a montanha (onde o Templo estava construído) e começar novo caminho, baseado na efetiva confiança em Deus e na vivencia do perdão.

A Bíblia do Peregrino (p. 2428) comenta: Um dia Jeremias esmigalhou um jarro de louça e explicou aos presentes que dessa forma o Senhor quebraria o povo e a cidade, “como se quebra uma vasilha de louça e não é possível recompô-la” (Jr 18,1-2.10-11). Aquilo que o profeta fez com as mãos, Jesus o faz com a palavra: amaldiçoa e deixa estéril a árvore simbólica. O resultado, a figueira seca, completa a ação simbólica, a maldição: entre as maldições de Dt 28 e Lv 26, várias se referem a árvores frutíferas. Para a comunidade cristã o sentido é claro. Para a instrução imediata dos discípulos, Jesus toma um dado particular e dá a seu comentário uma direção inesperada. Não fala da rejeição dos incrédulos (Sl 37,22), mas da oração dos fiéis. Com isso prolonga uma frase pronunciada antes no templo, “casa de oração”.

Como deve ser a oração? Tendo em Deus uma fé que confia em seu poder e quer escutar, “que peça confiante e sem duvidar” (Tg 1,6). O exemplo é uma hipérbole expressiva, talvez proverbial (cita-o 1Cor 13,2).

Enquanto Mt valoriza o poder do crente (17,20; 21,21; cf. Lc 17,6), a fórmula de Mc evoca o de Deus em resposta à fé (cf. 5,36; 9,23; 10,27; 11,24). O v. 24 é chave para a teologia da prosperidade (cf. o artigo de Luiz Alexandre Solano Rossi: A Bíblia reinterpretada pela teologia da prosperidade, Revista Vida Pastoral, nº. 303, maio-junho de 2015, p. 17-24).

Quando estiverdes rezando, perdoai tudo o que tiverdes contra alguém, para que vosso Pai que está nos céus também perdoe os vossos pecados” (v. 25).

Falando de oração, por associação, é atraído o tema do perdão no Pai-nosso (que Mc não cita no seu evangelho, cf. 14,36). Alguns manuscritos acrescentaram o v. 26: “Porém, se não perdoardes, também o vosso Pai, que está nos céus, não vos perdoará as vossas ofensas” (influência de Mt 6,15). A instrução de Jesus a seus discípulos encerra-se com a referência ao “Pai do céu” (cf. o episódio em Lc 2,41-50).

O site da CNBB comenta: O Evangelho de hoje nos leva a questionar se a Igreja é para nós o local privilegiado para o encontro com Deus e o crescimento da fé ou é o local de práticas que têm por finalidade a nossa promoção pessoal, o lucro, a competição e a concorrência entre as pessoas, o desenvolvimento de sentimentos como ciúmes, rancor, raiva, ira, inveja, etc. A Igreja deve ser o local onde se cria comunhão entre nós e o próprio Deus e entre nós mesmos, como irmãos e irmãs. Tudo o que diverge disso não corresponde ao plano de Deus e faz com que a nossa presença na Igreja seja ocasião de pecado.

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