28 de Março de 2020, Sábado – Quaresma: Nicodemos, porém, um dos fariseus, aquele que se tinha encontrado com Jesus anteriormente, disse: “Será que a nossa lei julga alguém, antes de o ouvir e saber o que ele fez?”

4ª Semana da Quaresma 

Leitura: Jr 11,18-20

A leitura de hoje faz parte da primeira de cinco “confissões de Jeremias” (11,18-12,6; 15,10.15-20; 17,14-18; 18,18-23; 20,7-18); refere-se provavelmente à perseguição sofrida por ocasião da reforma de Josias (622-609 a.C.). Nestas confissões, o profeta se queixa amargamente do seu isolamento, da sua alienação e insignificância da sua condição, mas a resposta é que faz parte da sua missão profética. Ele era um profeta que incomodava, “incansavelmente, durante vinte e três anos” (25,3) denunciava a culpa dos israelitas, sua inclinação à idolatria e suas injustiças sociais. Desmascarou a autoconfiança daqueles devotos que se achavam seguros no templo. Profetizou a destruição de Jerusalém contra os falsos profetas que anunciavam que Deus quebraria o domínio da Babilônia em tempo.

Senhor, avisaste-me e eu entendi; fizeste-me saber as intrigas deles (v. 18).

Para calá-lo, seus adversários tramaram a morte dele, porque ele não aceitaria a proibição de profetizar em nome do Senhor. Até seus parentes se juntaram às “intrigas”. O complô dos parentes de Jeremias pode ser motivado pela colaboração (ou oposição, cf. 8,8s) de Jeremias na reforma deuteronomista do rei Josias que centralizou o culto em Jerusalém (cf. vv. 2-8; 2Rs 22-23; Dt 12,1-12). O pessoal da sua cidade natal “Anatot” (v. 21; cf. 1,1) principalmente os sacerdotes da sua família teriam se oposto à supressão do culto local; contudo este episódio parece situar-se melhor depois do discurso de Jeremias contra o culto no templo em Jerusalém (Jr 7; 26). Jeremias teria se retirado em Anatot, mas a perseguição o alcançou mesmo no refúgio da sua terra natal.

A Nova Bíblia Pastoral (p. 973s) comenta: A posição contrária de Jeremias à centralização exclusiva do culto em Jerusalém provoca a hostilidade dos “homens de Anatot” que provavelmente são os guerreiros do rei residentes na cidade de Anatot (38,4; 39,4; 41,16; 52,7.25). Pois a cidade onde havia santuários dos levitas devia ser controlada permanentemente pelo Estado e seu exército.

Até os parentes (Mq 7,6; Sl 50,20) e conterrâneos voltam-se contra o profeta incômodo, primeiro com a calúnia por trás (6,28; 9,3); mas tarde intimidando com ameaças de morte. “Também teus irmãos e tua família são desleais para contigo, também eles te caluniam pelas costas, não confieis, mesmo que te digam boas palavras” (12,6). “Assim sentencia o Senhor contra os homens de Anatot, que procuravam me matar, dizendo: ‘Não profetizarás em nome do Senhor, senão morrerás pelas nossas mãos’” (v. 21).

Eu era como manso cordeiro levado ao sacrifício, e não sabia que tramavam contra mim: “Vamos cortar a árvore em toda sua força, eliminá-lo do mundo dos vivos, para seu nome não ser mais lembrado” (v. 19).

Jeremias se sente “como cordeiro levado ao sacrifício” (v. 19a); esta imagem de inocência indefesa pode ter inspirado, mais tarde no exílio, o canto do servo sofredor em Is 53,7 e passará ocupar um lugar central no NT (cf. Jo 1,29.36; 19,36; Ap 5,6.12s etc.).

“Vamos cortar a arvore em toda sua força, eliminá-lo do mundo dos vivos, para seu nome não ser mais lembrado” (v. 19b); a imagem vegetal é tradicional (Sl 1; 92,13-15; 128,3). Se Jeremias não tinha filhos (cf. 16,12), com sua morte seu nome se extinguia. Se nem entre parentes está seguro, Jeremias só pode confiar em Deus, a ele confia sua causa.

E tu, Senhor dos exércitos, que julgas com justiça e perscrutas os afetos do coração, concede que eu veja a vingança que tomarás contra eles, pois eu te confiei a minha causa (v. 20).

O Senhor julga com justiça, porque “perscrutas os afetos do coração”; lit. “sondas os rins e o coração” (cf. 6,27; 9,6; 17,10; 20,12; Sl 139,1b.23 etc.). Ele já chamou Jeremias “antes de sair do ventre materno” (1,5; cf. Sl 139,13-16; Is 49,1). Quem quer matar o profeta, quer eliminar a palavra de Deus. Mas ninguém poderá calar o próprio Deus, mesmo assim, existem homens que o tentam, até hoje.

 

Evangelho: Jo 7,40-53

O evangelho de hoje saltou uns vv. sobre a pergunta, “para onde” Jesus vai (vv. 33-36), e volta à questão da origem de Jesus: “de onde” ele vem (vv. 27-30; cf. 6,42; 9,29s; 19,9).

Ao ouvirem as palavras de Jesus, algumas pessoas da multidão diziam: “Este é, verdadeiramente, o Profeta.” Outros diziam: “Ele é o Messias”. Mas alguns objetavam: “Porventura o Messias virá da Galileia? Não diz a Escritura que o Messias será da descendência de Davi e virá de Belém, povoado de onde era Davi?” Assim, houve divisão no meio do povo por causa de Jesus (vv. 40-43).

As discussões teológicas sobre a procedência de Jesus não se calam. Uns vêem nele um “profeta” (1,21; 6,14; cf. Dt 18,15.18). Outros diziam “Ele é o Messias” (cf. v. 26s), mas alguns objetavam: “Porventura o Messias virá da Galileia?” Para a comunidade de Jo, Jesus vem de Nazaré (1,49; 7,41; 18,5.7). Será que não sabia nada do nascimento de Jesus em Belém, fato que os evangelistas Mt e Lc narravam? Do AT (Antigo Testamento) sabia-se que o Messias seria descendente de Davi e devia nascer em Belém (v. 42; cf. 2Sm 7,12-16; Is 11,1; Mq 5,1), mas acreditava-se que permaneceria oculto em um lugar desconhecido (v. 27; cf. Mt 24,26; alguns diziam: no céu) até o dia da sua vinda. Por sua origem divina, Jesus ratifica esta crença sem que seus interlocutores percebam (cf. 8,14).

Jesus já mostrou o critério para reconhecer o Messias: não é o lugar geográfico de sua origem, mas o fato de ele ser enviado de Deus e que sua atividade seja reconhecida pelas obras que faz (cf. 5,36-37; 7,28.29). Mas os judeus apegando-se à origem terrestre de Jesus não são capazes de se abrir à fonte espiritual e celestial do Cristo (vv. 37-39: “rios de água viva jorrarão do seu interior”).

Alguns queriam prendê-lo, mas ninguém pôs as mãos nele. Então, os guardas do Templo voltaram para os sumos sacerdotes e os fariseus, e estes lhes perguntaram: “Por que não o trouxestes?” Os guardas responderam: “Ninguém jamais falou como este homem.” Então os fariseus disseram-lhes: “Também vós vos deixastes enganar? Por acaso algum dos chefes ou dos fariseus acreditou nele? Mas esta gente que não conhece a Lei, é maldita!” (vv. 44-49).

Até a tropa dos “guardas do templo” voltou aos sumos sacerdotes e os fariseus sem prender Jesus, porque “ninguém jamais falou como este homem”. João destaca a origem e a autoridade divina de Jesus. Da mesma maneira, os soldados cairão por terra, quando querem prender Jesus no jardim das Oliveiras e ele se identifica: “Sou Eu” (18,3-6; cf. o nome de Javé em Ex 3,14). Os guardas fazem papel de testemunhas involuntárias também em Mt 27,62-66; 28,11-16; At 5,22. Também Pilatos reagirá de maneira semelhante: não chegará a crer, mas declara a inocência de Jesus (18,33-40).

Por enquanto, a hora de Jesus ainda não chegou, por isso “ninguém pôs a mão nele” (vv. 30.44). Quem determina a hora de Jesus, não são os inimigos. A hora de Jesus (cf. 2,4; 7,6; 8,20; 12,23.27; 13,1; 17,1) chegará numa festa da Páscoa (cf. 13,1: “Antes da Páscoa, sabendo Jesus que chegara a sua hora de passar deste mundo para o Pai…”).

“Ninguém jamais falou como este homem” (v. 46; cf. Nicodemos em 3,2). A autoridade de Jesus é diferente das escribas e sacerdotes (cf. Mc 1,22.27). Mas os chefes e fariseus já julgaram que somente “esta gente que não conhece a lei é maldita e deixa-se enganar por Jesus” (cf. v. 12 e o “impostor” em Mt 27,63). A palavra “fariseus” pode significar “separados” (dos pecadores, dos pagãos, do povo ignorante). Eles são os sabidos e não aceitam novos argumentos (cf. 9,28.34; cf. Lc 10,21-22p).

Nicodemos, porém, um dos fariseus, aquele que se tinha encontrado com Jesus anteriormente, disse: “Será que a nossa lei julga alguém, antes de o ouvir e saber o que ele fez?” Eles responderam: “Também tu és galileu, porventura? Vai estudar e verás que da Galileia não surge profeta.” E cada um voltou para sua casa (vv. 50-53).

O ódio dos adversários faz eles mesmos desrespeitar a lei. O conselheiro Nicodemos (3,1) questiona: “Será que nossa lei julga alguém antes de ouvir e saber o que ele fez?” (v. 51). Mas o que Jesus fala ou faz não importa para os adversários, estão fixados no seu dogma: da Galileia, não surge nem “messias” (v. 41), nem “profeta” (vv. 40.52; cf. 1,21.46), somente terrorista, assim poderia se acrescentar por ser uma região de revoltas (cf. At 5,37).

Os fariseus e sacerdotes se acham uma classe superior ao povo da roça iletrado que se deixa impressionar pelas palavras e ações de Jesus: “Esta gente que não conhece a Lei, é maldita!” (v. 49). A maldição tem seu fundo em Dt 27,26: “Maldito esteja aquele que não mantém as palavras desta Lei, não pondo-as em prática!” Jesus, porém, bendiz ao Pai: “Eu te louvo, Pai, porque ocultastes estas coisas aos sábios e doutores e as revelaste aos pequeninos…”  (Mt 11,25-27; Lc 10,21-22; cf. Jo 9,39-40; Mt 15,14).

O site da CNBB comenta: Muitas pessoas conhecem diversas coisas sobre Jesus, mas não conhecem verdadeiramente a Jesus, porque fundamentaram o seu conhecimento numa leitura racional e científica da Palavra e da História, mas nunca tiveram um encontro pessoal com Jesus, nunca entraram na sua intimidade através da oração, nunca procuraram contemplá-lo, nunca quiseram desenvolver uma espiritualidade. Essas pessoas sempre fizeram de Jesus um objeto de conhecimento e não uma pessoa de relacionamento. Nunca viram verdadeiramente Jesus, de modo que não podem compreendê-lo, segui-lo, amá-lo e viver de acordo com os valores que ele propôs.

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